Economia

Mercado encara o BC: dólar volta a cair e fecha a sexta cotado a R$ 1,686

Vera Batista
postado em 08/01/2011 08:00
Processo de desvalorização da moeda norte-americana é global, o que dificulta os planos de Dilma RousseffO mercado desafiou o Banco Central de Dilma Rousseff e voltou ontem a derrubar os preços do dólar ante o real, um dia depois de a instituição anunciar a adoção de um inédito recolhimento compulsório sobre as operações de câmbio dos bancos. A moeda norte-americana caiu 0,12% e foi cotada a R$ 1,686 para venda, interrompendo três dias seguidos de valorização. O resultado foi visto com cautela pelo BC, pelo Ministério da Fazenda e pelo Palácio do Planalto, que preferiram atribuir o resultado ao prazo de 90 dias para que as instituições financeiras reduzam de US$ 17 bilhões para US$ 10 bilhões as chamadas posições vendidas ; em que vendem dólares para entrega futura sem terem a divisa no caixa, apostando que poderão arrematar o que precisam a preços mais baixos, graças às apostas na valorização do real. No acumulado da semana, o dólar teve alta de 1,19%.

Para os especialistas, não há como o governo esperar uma forte reversão no derretimento do dólar, pois o processo de queda é mundial, devido à fragilidade da economia dos Estados Unidos e das baixas taxas de juros praticadas nos países desenvolvidos. Enquanto esse cenário prevalecer, os capitais que circulam pelo mundo continuarão inundando as economias emergentes, entre elas, a brasileira, com boas perspectivas de crescimento e altas taxas de juros. ;O BC deve se dar por satisfeito se o dólar estacionar entre R$ 1,65 e R$ 1,70;, disse Mário Battistel, diretor da Área de Câmbio da Fair Corretora. Segundo ele, se a medida do BC, que pode retirar até US$ 7 bilhões do caixa dos bancos, der certo, o efeito será muito lento. ;Está claro que o mercado segue o ritmo internacional de sobe e desce constante;, disse.

Na avaliação de Sílvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin, a recuperação do dólar perante o real será bem menor do que a desejada pelo setor produtivo, que reclama da perda de competitividade das exportações ; discurso que motivou a presidente Dilma a ordenar a ação do BC. Ele estima que, somente no fim do ano, a moeda norte-americana chegará a R$ 1,75, puxada pelo agravamento do rombo das contas externas, projetado em US$ 64 bilhões pelo BC e em até US$ 100 bilhões pelo mercado. ;Independentemente de medidas restritivas adotadas pelo governo, a China continuará inundando o Brasil de dólares por meio da compra de comida e de minérios;, frisou.


Saudosistas
A mesma avaliação foi feita pelo economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da Área Externa do BC. ;A nova realidade aponta para um dólar cotado entre R$ 1,70 e R$ 1,75, no máximo. Todos terão de se contentar com isso, especialmente os saudosistas do dólar a R$ 2, a R$ 2,20. Esse patamar de preço ficou no século passado;, afirmou. A seu ver, o Brasil continuará sendo um grande receptor de dólares, mesmo que as taxas de juros, que estão em 10,75% ao ano, caiam por causa de um ajuste fiscal mais rigoroso. ;Os investidores valorizam países que têm políticas macroeconômicas consistentes;, disse.

Segundo Mário Battistel, ainda que o compulsório instituído pelo BC retire dólares dos caixas dos bancos, o fato de se ter imposto punição apenas às operações que excederem a US$ 3 bilhões do patrimônio de referência das instituições deixou uma margem enorme para a especulação, para as apostas contra o dólar. ;A questão é que não se sabe de fato qual é o patrimônio de referência dos bancos;, assinalou. Apesar das ressalvas, ele considerou válidas as intenções. ;É importante que um governo que está assumindo imprima a sua marca na política econômica. E, durante a campanha, a presidente prometeu agir para corrigir distorções na área cambial;, disse.

Sendo assim, ninguém do mercado descarta novas medidas na área cambial ; mesmo que paliativas. Uma delas, acredita Sérgio Quintela, diretor da Valore Investimentos Personalizados, poderá ser o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente nas aplicações de estrangeiros em renda fixa. Em pouco mais de um ano, a alíquota passou de 2% para 4% e para 6%. Também o tributo poderá, em caso extremo, ser cobrado das aplicações em bolsa de valores. Mas isso, só se o dólar voltar a flertar com a cotação de R$ 1,60.


Analistas não poupam críticas
Ao mesmo tempo em que descartam uma rápida reação no preço do dólar frente ao real, os analistas culpam o Banco Central pelos movimentos especulativos que resultaram nas posições vendidas dos bancos de quase US$ 17 bilhões. Para os especialistas, essas operações ; nas quais as instituições financeiras vendem a moeda norte-americana para entrega futura, mesmo sem tê-la em carteira ; teriam sido estimuladas pelo BC, que comprou dólares muito além da entrada de recursos no país.

Nas contas do próprio Banco Central, o saldo do fluxo cambial em 2010 foi de US$ 26 bilhões. Mas a autoridade monetária arrematou US$ 41,1 bilhões para reforçar as reservas internacionais do país. Ou seja, a diferença veio dos bancos, que se arriscaram a encarar os repasses para o BC apostando que, mais à frente, cobririam as posições com dólares mais baratos, ganhando com a diferença entre a cotação acertada com a autoridade monetária e a taxa paga no mercado.

Essa avaliação é endossada por Sidnei Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora de Câmbio, e pelo economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros. Eles estão convencidos de que o BC errou na mão ao seguir a determinação do governo de apostar em um dólar mais barato para ajudar no controle da inflação. Mesmo assim, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para o sistema de metas de inflação, fechou o ano passado em 5,91%, o pior resultado desde 2004 (veja matéria na página 15).

No BC, as críticas são vistas com descaso. Auxiliares do presidente da instituição, Alexandre Tombini, afirmam que todas as ações da autoridade monetária são pautadas por questões técnicas, que visam corrigir distorções e não provocar desequilíbrios nos mercados. (VN e VB)


Torcida pela reação dos EUA
Ben Bernanke, presidente do Fed, vê sinais de melhora em seu paísO governo brasileiro está torcendo como nunca por uma recuperação mais rápida da economia dos Estados Unidos. A avaliação tanto no Banco Central quanto no Ministério da Fazenda é a de que, com a principal locomotiva do planeta saindo do atoleiro, o Federal Reserve (Fed), o BC norte-americano, poderá dar início a um aumento das taxas de juros, atraindo parte do capital estrangeiro que hoje vêm para o Brasil e ajuda a supervalorizar o real.

Ainda que os analistas não acreditem em uma reação rápida, devido ao tamanho do estrago provocado pelo estouro da bolha imobiliária em 2008, autoridades brasileiras viram, com um certo alívio, as declarações de ontem do presidente do Fed, Ben Bernanke. Ele ressaltou que, finalmente, a economia dos EUA pode estar ganhando ritmo. ;Temos visto evidências crescentes de que uma recuperação sustentável dos gastos dos consumidores e das empresas pode estar acontecendo;, afirmou em sua primeira audiência no Congresso norte-americano desde que o Fed anunciou o controverso plano de injetar mais US$ 600 bilhões na economia.

Desalento
Sem dar pistas sobre o futuro da política monetária, Bernanke usou de cautela para mostrar que também o mercado de trabalho começa a reagir, devido ao recuo nos pedidos de auxílio-desemprego. Os comentários foram feitos uma hora depois de o governo informar que o país criou 103 mil empregos em dezembro, número que decepcionou o mercado. A taxa de desemprego, por sinal, caiu de 9,8% para 9,4% em dezembro. Mas a baixa decorreu de um fato nada animador: sem esperança de conseguirem uma vaga, milhares de pessoas desistiram de procurar emprego, movimento que os economistas chamam de desalento.

Para Sílvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin, é bem provável que o desempenho econômico do EUA neste ano seja melhor do que o esperado. Mas a desejada alta das taxas de juros só virá no fim de 2012, quando a retomada da atividade estará consolidada e a inflação dará sinais de preocupação. ;Portanto, o governo brasileiro não deveria contar com a ajuda dos EUA para resolver o processo de valorização do real em um prazo curto;, avisou. (VN)


Iuan pode subir 10%
; A taxa do iuan, a moeda chinesa que tem suscitado debates mundo afora, poderá registrar alta de até 10% neste ano para conter a inflação. É o que prevê Peng Wesnsheng, economista-chefe do China International Capital, o maior banco de investimento daquele país. A valorização, acredita ele, será uma forma de combater a inflação importada pela China por meio das commodities, mercadorias com cotação internacional. No seu entender, esse pode ser o primeiro passo para que o governo chinês deixe o iuan subir mais rápido. ;Se os preços globais das commodities aumentarem com força e voltarem aos picos vistos em 2008, antes da crise mundial, a cotação efetiva do iuan não terá como ficar parada. Subirá entre 5% e 10% neste ano;, disse Peng. O mundo acusa a China e os Estados Unidos, com suas moedas desvalorizadas, de serem os principais responsáveis pela guerra cambial global. Os dois países querem manter as suas exportações a qualquer custo.

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