postado em 12/01/2011 09:11
O baixo crescimento, as elevadas taxas de desemprego e o crescente desequilíbrio fiscal registrados pelas economias desenvolvidas confirmam uma reviravolta na economia mundial. Após enfrentarem décadas marcadas por crises, os principais países emergentes ; China à frente ; não só apresentam melhores indicadores macroeconômicos, mas se consolidam como novas locomotivas do globo. Especialistas ouvidos pelo Correio afirmam que as mudanças são irreversíveis e o paradoxo resultante vai cobrar grandes rearranjos de governos.;Em 1990, os economistas já sabiam que a economia chinesa seria uma potência. Mas ninguém sequer sonhava com o cenário atual, com países ricos pedindo socorro financeiro internacional e emergentes ditando expectativas;, ilustra Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ele explica que as tendências gerais no plano global deram partida há dez anos com a crise advinda do estouro da bolha especulativa da internet. O surpreende dinamismo apresentado pelos emergentes agora conhecidos pela acrônimo Brics, de Brasil, Rússia, Índia e China, continuou em meio a problemas acumulados pelos países ricos, especialmente depois do estouro da bolha do setor imobiliário dos Estados Unidos, que arrastou o mundo no colapso histórico de 2008.
Langoni sublinha que a atual expansão média do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas riquezas produzidas num país) dos emergentes (6,4%) é o triplo da verificada entre as nações desenvolvidas (2,2%). Enquanto União Europeia e Japão não conseguem crescer além de 1,5% anual, China e Índia estão na casa de 9% e o Brasil tenta se acomodar em 5,5%. ;Ao longo de 2009 e 2010, o avanço do endividamento público e privado dos países ricos, com destaque para a Zona do Euro, contrasta com números fiscais e comerciais mais confortáveis dos emergentes, sobretudo da América Latina;, diz.
Superaquecimento
As maiores preocupações desse cenário estão no superaquecimento de economias emergentes, já revelado pela inflação nos preços de alimentos, e na condução dos ajustes fiscais pelos desenvolvidos, que provoca grandes tensões sociais na Europa. O deficit fiscal nominal das contas públicas na Eurozona chega à média de 6,2% do PIB, com pico de 9,6%, caso da Espanha. O chefe de governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, afirma que a fatura a ser paga para reduzir o rombo das contas públicas a 6% do PIB será um crescimento econômico minguado, ;de 2% a 2,5%; até 2015.
Para José Roberto Afonso, economista especializado em finanças públicas, o debate fiscal se intensifica nas economias avançadas. ;Se as atenções foram concentradas nas medidas de estímulos à economia até meados de 2010, o foco mudou para dimensionar a crise nos países ricos e para definir a melhor estratégia de saída;, anotou. A situação é tão dramática, que governo japonês admite que a situação fiscal do país ;se aproxima da beira do abismo;.
Dever de casa
As explicações para o admirável mundo novo da economia, com inversão de papéis entre ricos e emergentes, estão na adoção ou abandono da receita clássica do equilíbrio fiscal. Langoni comenta que os emergentes, sobretudo os latino-americanos, conseguiram, no período entre 2004 e 2005, uma significativa redução na sua vulnerabilidade externa, melhorando os indicadores comerciais e de balança de pagamentos. ;O câmbio flutuante e as metas trazidas pela brasileira Lei de Responsabilidade Fiscal (1998) tornaram-se padrão na América Latina , com exceção da Venezuela;, ressalta.
Shelly Shetty, diretora de ratings soberanos e responsável pela avaliação do Brasil para a agência de classificação de riscos Fitch, acredita que a América Latina vem sendo beneficiada pelas taxas de crescimento em aceleração desde a segunda metade da década passada. ;No geral, os governos adotaram políticas fiscais para reduzir deficits, ainda em fase de consolidação;, explica, acrescentando que a gestão das dívidas conseguiu também alongar prazos e reduzir a dependência de moeda estrangeira.
Na avaliação da Fitch, a necessidade de financiamento externo da América Latina recuará em 2011 para US$ 398 bilhões, ante os US$ 407 bilhões do ano passado. Cerca de 70% dos recursos representam amortizações de débitos de curto e longo prazos. O montante de 2011 representa 8% do PIB regional, contra 9,1% de 2010. Na comparação com o caso americano, Shelly lembra que os EUA tem ;forças institucionais; para amenizar o duplo deficit (fiscal e comercial), como regras econômicas estáveis e a condição do dólar como reserva monetária. O problema maior do governo norte-americano é o desemprego de quase 10%. Sem trabalho, a máquina da economia dos EUA, o consumo das famílias, atravanca.
Na Europa, sobretudo na Espanha, o quadro é ainda mais dramático. O índice de desocupação encosta nos 20%. A razão é uma só: os países da região não prezaram por uma política econômica sustentável. Langoni afirma que a criação do Banco Central Europeu (BCE), dentro da engenharia financeira do euro, foi insuficiente para coibir rombos orçamentários na região. ;Faltou um órgão com poderes transnacionais para impedir situações como a da Grécia, com deficits fiscais três vezes superiores aos definidos como teto pela União Europeia, de 3%;, disse. A conta está sendo paga pelos que sustentam o euro, como a Alemanha, e a primeira vítima da ;falta de supervisão por Bruxelas; é o ;Estado paternalista do bem-estar social;.
No topo das decisões
O novo papel das economias emergentes está mudando gradualmente as finanças externas. O Brasil, que foi o maior cliente do Fundo Monetário Internacional (FMI) até 2003, hoje aporta recursos para financiar outros sócios da instituição, com demanda centrada em países ricos. Até 2013, o FMI também sofrerá ajustes para ampliar o peso do voto de emergentes.
A influência dos bancos centrais, por sua vez, já se orienta por novas referências. ;Uma decisão do BC chinês tem hoje repercussão igual ou superior às do Fed (BC dos Estados Unidos);, compara Carlos Langoni, ex-presidente do BC brasileiro. Ele prevê que a China, com US$ 2,65 trilhões em reservas, terá papel maior no socorro a países desenvolvidos.
;Os chineses poderão ajudar mais a Europa do que o FMI;, arrisca. Langoni acrescenta que, nos próximos seis anos, a Índia deverá crescer mais do que a China, que aproveitará o mercado interno e adotará políticas mais conservadoras. ;O câmbio artificial chinês não será mais necessário;, diz.
A economista Maria Lúcia Mantovanini Pádua, coordenadora de Relações Internacionais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), vê como irreversível a consolidação da nova ordem mundial. ;Mas só assistimos a um esboço. Cada emergente terá de definir o tipo de inserção que quer;, afirma.