Graziela Reis
postado em 13/01/2011 08:00
O governo vai intervir pesadamente no mercado de produtos agrícolas para controlar os preços dos alimentos, cuja alta tem castigado a população de baixa renda. Com a venda de parte dos estoques de grãos, que somam 7,29 milhões de toneladas, e a garantia de preços ao produtor, a equipe econômica quer derrubar o custo da comida e ajudar a manter na mesa dos brasileiros mais pobres feijão, arroz, carnes de aves e suínos, leite e ovos. Mas essa iniciativa pode ser insuficiente para enfrentar o salto nas cotações internacionais e a evolução da renda dos trabalhadores, que eleva o consumo e, em consequência, gera inflação.[FOTO2]Com a venda de sacas de milho, o Ministério da Agricultura quer garantir a redução do preço do produto in natura e contribuir para diminuir os custos de produção de carne de aves e suínos. O milho é um importante insumo na produção das rações dos animais. Ontem mesmo, já foi realizado um leilão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com entrega de 83 mil toneladas ; 66,5% do total de 125,9 mil toneladas oferecidas.
O governo promoverá leilões de arroz para garantir o pagamento mínimo estipulado aos produtores. No início, a oferta será de cerca de 60 mil toneladas do grão. Já os preços do feijão tendem a baixar quando a oferta subir. Segundo análise dos técnicos da Conab, os agricultores estão recebendo pela saca do produto recém-colhido entre R$ 50 e R$ 90, dependendo da qualidade. As recentes chuvas têm criado uma maior dificuldade de compra nas regiões produtoras. A primeira safra, ou safra das águas, terá redução de 1,1% na área plantada, mas será maior em 1,5 milhão do que a anterior.
Círculo vicioso
A equação formada por consumo aquecido e oferta reduzida tem levado à valorização dos alimentos. No caso da carne bovina, não há estoques e é impossível engordar um bezerro da noite para o dia. Nos grãos, as cotações previstas para as sacas é que definem o investimento do produtor. Se o preço baixar, o produtor acaba não plantando. Sem colheita, cai a oferta e o preço chega mais alto na safra seguinte, num círculo vicioso. Por isso, consultores, pesquisadores e, principalmente, produtores rurais não acreditam que qualquer intervenção feita ;na marra;, por meio da venda dos estoques reguladores do governo, tenha efeitos duradouros.
O consultor de Mercado da Scot Consultoria Alex Lopes da Silva lembra que a arroba do boi atingiu a cotação recorde no Brasil no ano passado, chegando a R$ 118. ;Falta matéria-prima e a renda está em alta. Por isso, houve o pico na entressafra;, explicou. Hoje, o preço da arroba está, em média, em R$ 100 e não há expectativa de queda. Segundo Silva, o preço da carne bovina é diretamente ligado ao aquecimento da economia. ;Estudos mostram que, se a renda aumenta 1%, o consumo de carne, principalmente dos cortes traseiros, de maior valor agregado, sobe 0,5%.;
O proprietário da fazenda Agromill, Renato Müller, de Paracatu (MG), também duvida que uma intervenção do governo para baixar preços de grãos surta efeito. ;O tiro pode sair pela culatra;, alertou. Ele planta feijão, milho, soja, abóboras e cebolas. Segundo Müller, a saca de 60 quilos de feijão esteve mais cara em agosto (R$ 80). Agora, a cotação está em R$ 50. ;Não sei onde querem intervir.;
A onda de elevação de preços não é relacionada apenas ao aumento da renda dos pobres. Segundo Lucilio Alves, pesquisador da Área de Grãos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a recuperação de preços da soja e do milho foi ditada pelo mercado internacional. ;Não se consegue ampliar a oferta rapidamente e muito menos reduzir a demanda;, observou. Segundo analistas, o consumo internacional continuará aquecido.
Exportações
As exportações brasileiras de produtos agrícolas bateram recorde em 2010, atingindo US$ 76,4 bilhões, num crescimento de 18% em relação aos US$ 64,7 bilhões de 2009.
Os produtos que se destacaram foram açúcar (US$ 12,7 bilhões), café (US$ 5,7 bilhões), milho (US$ 2,1 bilhões) e carnes bovinas, suínas e de aves (US$ 11,8 bihões). A Ásia se consolidou como principal destino, comprando 30,1% da pauta. Somente a China foi responsável por 14,4% do total. Segundo o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, as vendas podem ultrapassar a casa dos US$ 85 bilhões neste ano. ;Seria bastante razoável esperarmos incremento em torno ou acima de 10%;, disse ontem, ao anunciar os números.
Consumidor muda cardápio
Cristiane Bonfanti
A disparada no preço dos alimentos azedou o orçamento dos brasileiros mais pobres em 2010, que tiveram o bolso mais sacrificado que o restante da população e precisaram adaptar o cardápio, deixando de comprar carne e frango e reduzindo o açúcar. O Índice de Preços ao Consumidor Classe 1 (IPC-C1), que mede a inflação para famílias com renda até 2,5 salários mínimos, encerrou o ano em 7,33%, muito acima dos 3,69% de 2009. O número é maior que os 6,24% do IPC-BR, indicador que leva em conta os gastos das famílias com ganhos até 33 mínimos.
A elevação nos preços dos alimentos foi condicionada pela quebra de safra de alguns produtos por causa de problemas climáticos, e pelo crescimento do consumo, resultado da melhora dos rendimentos dos trabalhadores. ;Houve aumento no preço dos grãos em geral, que afetou outros alimentos, como o frango. Os problemas na oferta do trigo, por exemplo, encareceram o pãozinho francês, fundamental na mesa do brasileiro. As famílias de baixa renda sentiram muito, pois a alimentação é o que mais pesa na sua cesta;, disse o economista-chefe do Banco Schahin, Silvio Campos Neto.
A secretária Vânia de Sousa, 43 anos, sentiu o aperto no bolso e passou a ir ao supermercado só em dias de promoção. Mesmo assim, muitas vezes, precisou deixar o frango para trás. ;Os preços estão um absurdo. Eu comprava o quilo por R$ 3. Agora, não encontro por menos de R$ 5;, reclamou. Na lista de compras da dona de casa Ireni Trindade, 48, o aumento mais sentido foi no açúcar. Nas contas dela, o preço saltou de R$ 6 para R$ 9. ;Além disso, todas as verduras estão mais caras;, observou.
Coxão mole
Casado e pai de três filhos, o motorista Rui Bispo, 43 anos, vai várias vezes ao supermercado durante o mês para aproveitar a queda nos preços de produtos específicos. Apesar do trabalho, sofre com o preço da carne. ;O valor do quilo do coxão mole subiu de R$ 9 para R$ 13. Dependendo do item, eu só levo quando tem liquidação;, afirmou. A maior inflação do IPC-C1 foi registrada na classe de despesas alimentação (11,03%), rubrica que consome 40% da renda das famílias mais pobres.