postado em 13/01/2011 08:52
A dissolução de paradigmas econômicos, processo acelerado pela recessão que engolfou os países mais ricos do mundo, está provocando uma profunda alteração no planejamento estratégico de gigantes empresariais. Confrontadas com um forte encolhimento das vendas de suas sedes, as multinacionais foram obrigadas a partir com tudo para as nações em desenvolvimento, onde o emprego e a renda crescem a um ritmo acelerado. Não sem motivo, 2010 ficou marcado como o ano no qual, pela primeira vez na história, os países em desenvolvimento receberam mais investimentos de conglomerados estrangeiros do que os aportes feitos pelos mesmos grupos em economias maduras.Os sinais são evidentes no Brasil, onde já estão presentes 480 das 500 maiores empresas do mundo, mas se repetem em diversos emergentes. O fator primordial para o apetite estrangeiro é o crescimento sustentado pelo consumo interno e pelo incremento da renda per capita ; fatores que praticamente desapareceram nos países desenvolvidos. Para alguns analistas, a época de vacas magras nessas nações perdurará, no mínimo, pelos próximos cinco anos, o que empurrará os empresários para onde há potencial de lucro. ;A dispersão de investimentos em direção aos emergentes já vinha ocorrendo, mas a crise acelerou esse processo;, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luís Afonso Lima.
;A perspectiva de taxa média de crescimento de 5% dos emergentes em comparação com os esperados 2% dos países mais ricos será determinante na escolha das empresas;, concorda Luciana Acioly, coordenadora de Estudos de Relações Econômicas Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Ela lembra que a participação brasileira nos investimentos diretos estrangeiros (IDE) provenientes de economias desenvolvidas passou de 1,7% para 7% na última década, enquanto a da Índia saltou de 0,4% para 6% e a da China, de 0,7% para 17,8%.
No caso do Brasil, o segmento que mais atrai as multinacionais é o industrial. Além do segmento automobilístico, de insumos químicos e de maquinários para a produção, uma das vedetes dos empresários é o setor de alimentos e de bebidas, que, entre janeiro e novembro de 2010, atraiu US$ 1,5 bilhão em investimentos diretos. Há espaço para ganhos maiores e foi de olho nessa janela que a Heineken ; cervejaria holandesa presente em 175 países ; reforçou a sua estratégia de produção no mercado brasileiro. A ordem é tornar o país um de seus cinco maiores mercados no planeta.
Renata Zveibel, gerente da Comunicação Externas da Heineken, explica que o potencial nos emergentes é muito maior do que nas economias maduras. ;Recentemente, adquirimos operações em diversos continentes, além das de México e Brasil, garantindo uma forte presença na América Latina, que é hoje um dos mercados de cerveja mais lucrativos e que mais cresce no mundo;, relata.
A bonança também atrai outros setores, como o das instituições financeiras. Dados do Banco Central, entre janeiro e novembro, os serviços financeiros foram responsáveis por aportes diretos de US$ 1,5 bilhão. As oportunidades são tantas que a equipe do Banco Credit Suisse elegeu o Brasil como campo preferencial para investimentos. Na avaliação de 11 analistas da instituição, 2011 será um ano favorável no país para a produção e a comercialização de commodities (mercadorias com cotação internacional), e para o setor bancário, cujos negócios serão influenciados pelo aumento na taxa de juros e pela expansão média de 15% na oferta de crédito.
Segurança
Não é só o lucro que empurra os grandes grupos para os países em desenvolvimento. O sócio da empresa de finanças e prospecção de investimentos Hampton Solfise, Luciano Araújo, adverte que, para companhias que atuam em escala global, buscar novos mercados é uma condição básica para a manutenção das operações ; isto é, sobrevivência. ;É o mesmo conceito utilizado pelos aplicadores do mercado financeiro, quando diversificam suas carteiras de operações. Uma empresa com braços em vários países vai aos poucos se blindando contra possíveis turbulências em um ou outro mercado. Se uma companhia como a IBM tiver recursos para montar uma unidade hoje, vai fazer isso no Brasil e não na Europa;, ressalta.
No último balanço contábil divulgado pela gigante do setor de tecnologia, referentes ao terceiro trimestre do ano passado, atribuem-se aos mercados emergentes os bons resultados do período. As operações nas Américas renderam faturamento de US$ 10,2 bilhões, enquanto as receitas na Europa, Oriente Médio e África juntas somaram US$ 7,4 bilhões. ;Conseguimos um excelente desempenho em nossas unidades instaladas nos mercados em crescimento, o que reflete os investimentos mantidos nesses locais durante a recessão e ao aumento contínuo da demanda por tecnologia nesses países;, declara Samuel J. Palmisano, presidente da companhia.
Potencial enorme
O Brasil está em quarto lugar no ranking de produção de cerveja, atrás da China, Estados Unidos e Rússia. Somente em 2010, foram consumidos 120 bilhões de litros da bebida. O consumo per capta anual, no entanto, gira em torno de 50 litros, contra 81 litros da Venezuela, o que sugere o potencial de crescimento do setor na economia brasileira.
Via de mão dupla
Enquanto as multinacionais buscam alternativas para sustentar seus negócios nos países em desenvolvimento, os grupos provenientes dessas nações aproveitam as moedas valorizadas em relação ao resto do mundo para se internacionalizar. Entre 2000 e 2009, os investimentos diretos partidos de economias maduras caíram de 89% para 75%. Já os emergentes aumentaram sua participação de 11% para 25%.
Sem entraves
Os graves problemas de infraestrutura do Brasil são uma das fontes de aumento de custos para os produtores nacionais que exportam, mas não devem afugentar as companhias estrangeiras. Muito pelo contrário. Para Luciano Araújo, sócio da Hampton Solfise, o momento favorável da economia pode transformar tais deficiências em grandes oportunidades de negócios.
;Atualmente, o campo é fértil não só para quem processa alimentos ou vende computadores, mas também para empreiteiras e para toda cadeia em que o negócio é prover estrutura;, destaca. Na avaliação de Araújo, os entraves afetam as empresas multinacionais somente nos casos em que a atividade delas é orientada para o mercado externo, caso da mineradora AngloAmerican. ;Nosso gargalo está nos portos, por exemplo, mas, normalmente, as empresas que vêm de fora escolhem o país para atender o mercado interno;, acredita.
A disposição das multinacionais em virem para cá pode ser uma oportunidade que não se repetirá por muitos anos, na análise do economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rogério Souza. ;Os países desenvolvidos vão demorar de cinco a seis anos para se recuperarem e, até lá, seremos a bola da vez;, diz.