Dinheiro não é problema para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O patrimônio dos trabalhadores não para de bater recordes e a gestão profissional tem garantido retorno elevado às aplicações dos recursos. A situação do fundo, que, ao longo de anos, amargou perdas, está tão confortável que, se todos os mais de 200 milhões de contas ativas fossem sacadas ao mesmo tempo pelos seus titulares, ainda sobrariam R$ 35 bilhões nos cofres.
Dados da Caixa Econômica Federal mostram que, do total das contas do FGTS, 88,6 milhões têm saldo que, em novembro de 2010, alcançava R$ 185,3 bilhões. As demais permanecem no cadastro do fundo, mas estão zeradas. Com o emprego com carteira assinada crescendo a cada mês, a tendência é de as contribuições ao FGTS continuarem avançando em um ritmo acelerado, com os saques, ainda volumosos, perdendo força.
O balanço do fundo de 2010 ainda não está fechado, mas as previsões técnicas indicam que a arrecadação líquida ; diferença entre as contribuições depositadas pelos empregadores e os saques feitos pelos trabalhadores ; atingiu R$ 12 bilhões, a mais elevada da história, quase dobrando em relação a 2009. Com tanto recurso em caixa, o FGTS tem ajudado como nunca o governo. Somente neste ano, destinará R$ 23 bilhões para o financiamento da casa própria, sobretudo à população de baixa renda. Desse montante, R$ 4 bilhões, no mínimo, serão liberados a fundo perdido, a título de subsídio.
Propostas
Mas tanta pujança esconde um sério problema. A rentabilidade para os trabalhadores que têm conta vinculada é baixa, perdendo constantemente para a inflação. Por lei, o governo garante a correção de 3% ao ano para o FGTS, mais a variação da Taxa Referencial de juros (TR) ; isto é, a metade do rendimento da caderneta. Como, em 2010, a correção do fundo foi de 3,6% e a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cravou 5,91%, os depositantes perderam R$ 4,3 bilhões.
Pressionado pelas representações dos trabalhadores, o governo vem tentando melhorar essa rentabilidade. Uma das propostas leva em conta projeto de lei apresentado, em 2008, pelo senador César Borges (PR-BA) e prevê a repartição de parte do lucro líquido do fundo com os depositantes. O FGTS seria tratado como uma empresa, que distribuiria parte dos ganhos em forma de dividendos. Dessa forma, os rendimentos se igualariam aos da caderneta.
A proposta chegou a ser discutida em nível técnico e levada ao então presidente Lula, que, no entanto, preferiu deixar a decisão para a sua sucessora, Dilma Rousseff. Se a proposta vingar, do total a ser destinado ; o montante ainda não está fechado, mas pode chegar a 50% do lucro líquido ;, metade será distribuída proporcionalmente ao tempo de conta que o trabalhador tem no FGTS. O restante terá aplicação inversamente proporcional aos salários recebidos pelos trabalhadores, o que significa que quem ganha menos receberá mais.
Esse modelo de repartição está sendo proposto porque a desigualdade que existe no país, com enorme concentração de renda, reflete-se nas contas do fundo. Mais de 55 milhões de trabalhadores têm saldo de até um salário mínimo. Em termos de quantidade de contas, eles detêm 62,5%, mas, em valor, o saldo de todas juntas é de R$ 7,3 bilhões, o equivalente a apenas 3,9% do total de recursos do FGTS. Já os que têm depósitos superiores a 100 salários mínimos ; apenas 0,4% das contas ; detêm 20,1% do saldo, o equivalente a R$ 37,2 bilhões.
Outra medida para aumentar os ganhos dos trabalhadores; essa, só dependendo de aprovação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para entrar em vigor ; é o Fundo de Investimento (FI-FGTS). Os trabalhadores poderão aplicar parte do dinheiro que possuem nas contas vinculadas. Mas, segundo os técnicos, tal investimento tem riscos e resolverá apenas uma parte da questão. ;Apenas os trabalhadores de classe média, com mais dinheiro no FGTS, farão essa aplicação;, observou uma fonte do governo, acrescentando que a situação, de baixa rentabilidade, permanecerá a mesma para a grande maioria dos trabalhadores.
Maquiagem de Lupi
O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, recorrerá a uma manobra estatística para cumprir a meta de criação de 2,5 milhões de empregos formais em 2010, o último ano do governo Lula. Ele está antecipando números que só seriam atualizados neste mês. Segundo o ministro, foram abertos, no ano passado, 2,55 milhões de postos com carteira assinada. Para 2011, Lupi já definiu a meta a ser seguida pela presidente Dilma Rousseff: 3 milhões de vagas.
Compra de empresas
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço poderá comprar até 49% das ações de empresas de saneamento básico, hoje em situação calamitosa, sem capacidade para investir e expandir os serviços à população. Culpa da má-gestão e do excessivo endividamento do setor público. Na fila para a venda das ações já estão as companhias estaduais de saneamento dos estados do Pará, Maranhão e Mato Grosso do Sul.
Segundo o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Wellington Moreira Franco, que, no governo passado, foi vice-presidente da Caixa Econômica Federal e membro do Conselho Curador do fundo, essa foi a estratégia montada pelos técnicos para tirar o saneamento do impasse em que se encontra. Dinheiro para o financiamento tem, mas como as companhias não podem pegar, quem fica no prejuízo é o cidadão.
;Há anos o FGTS recebe mais dinheiro de volta das empresas, referente a empréstimos concedidos no passado, do que aplica;, disse Moreira. Pelos dados do fundo, de 2003 a 2009 foram disponibilizados para o setor de saneamento R$ 22,6 bilhões. Desse total, R$ 13,2 bilhões foram contratados e R$ 5,8 bilhões, desembolsados. No período, o FGTS recebeu de retorno das operações passadas R$ 21,4 bilhões.
Casa em ordem
Moreira Franco está convencido de que a solução para o setor passa pelas companhias estaduais e municipais de saneamento, que são responsáveis por 70% dos serviços prestados à população no que diz respeito ao abastecimento de água e esgoto. Pelo novo desenho, o FGTS entra com os recursos necessários para botar a casa em ordem em parceria com empresas privadas ou mesmo outras companhias públicas. Embora o dono da empresa de saneamento continue sendo o governo do estado ou o município, o fundo terá o poder de gestão e gerenciamento da empresa.
Com esse poder, o FGTS arrumará a casa para, no futuro, ser ressarcido pelo investimento nas companhias. O estado ou o município se comprometerá a comprar a parte do fundo ou a abrir o capital das empresas, vendendo as ações em bolsa de valores. O FGTS sairá ganhando porque, com as contas em dia, as companhias valerão mais. E, melhor, terão condições de prestarem melhores serviços à sociedade.
No modelo atual, o empréstimo para o setor não funciona. De nada adianta o FGTS colocar, todo ano, R$ 4,6 bilhões à disposição para obras de saneamento básico. O dinheiro sobra. Também já foi tentado uma operação triangular, com os Tesouros estadual e municipal pegando os recursos e repassando para as empresas. Mas também eles têm limites para endividamento. (VC)