As tempestades que têm derrubado casas e tirado vidas no Rio de Janeiro e em São Paulo também destruíram lavouras de hortaliças, legumes e verduras e, além de toda a tragédia, deixarão a mesa do consumidor mais cara. Tamanho aguaceiro pode ter impacto ainda sobre as safras de grãos, elevando os preços de feijão, arroz e milho ; o que, se confirmado, vai gerar um efeito em cascata por toda a cesta de alimentos do brasileiro, inclusive sobre a carne. Na avaliação de especialistas, o Brasil inteiro sofre com o excesso de chuvas deste início de ano, problema que já entrou no calculo das projeções de inflação para janeiro. Na média, a expectativa para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu de 0,7% para cerca de 1%. Há produtos com alta de mais de 150%.
Para Thiago Curado, analista da consultoria Tendências, a situação é mais dramática no Rio e em São Paulo, mas observando o país como um todo, as chuvas e a escalada de preços dos alimentos se generalizou. ;O aguaceiro afeta, principalmente, os produtos não processados. E, nas nossas pesquisas, estamos captando movimentos rápidos de alta;, afirmou. Assim como Curado, as expectativas da maioria do mercado para os preços dos alimentos foram frustradas. Depois de um salto brutal no último trimestre de 2010, esperava-se que, em janeiro, houvesse um arrefecimento no valor da comida. Mas as chuvas arrastaram todas as projeções otimistas para o ralo.
;Estamos esperando uma pressão relevante nos preços dos alimentos que sofrem mais com as chuvas. Apesar de serem produtos de baixo valor agregado, às vezes sobem mais de 30% e produzem impacto forte na inflação;, explicou Flávio Serrano, economista do Espírito Santo Investment Bank. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não é somente a chuva que faz estrago no bolso dos consumidores. Também está encarecendo os alimentos a especulação mundial com as cotações das commodities (mercadorias com cotação internacional).
"Isso está atingindo toda a América Latina;, disse.
Na avaliação da aposentada Gilda Coelho, 55 anos, os preços de verduras e hortaliças vêm subido constantemente desde o fim de dezembro. ;O aumento começou antes do Natal e, de lá para cá, não parou mais;, garantiu. Para não deixar faltar salada na mesa da família, a dona de casa tem ido mais de uma vez por semana ao supermercado. ;Assim, evito que os produtos estraguem na cozinha, tenho tentado fazer o cálculo para comprar a quantidade exata;, explicou.
Escassez
Na lista de alimentos escassos nos mercados estão a alface, o tomate, o jiló e a abobrinha, cujo preço registrou alta de 151% nos últimos dias, saltando de R$ 1,19 para R$ 2,99 o quilo, segundo dados da Associação de Supermercados de Brasília (Asbra). O tomate, que há alguns dias, era vendido a R$ 1,99 o quilo, está saindo por R$ 2,99 ( 50%), mas em alguns estabelecimentos ultrapassa a marca de R$ 4. O pé de alface, que custava R$ 0,79, subiu para R$ 0,99, um acréscimo de 25%.
Produtor há 30 anos, Ely de Oliveira Castro, 60 anos, calculou um prejuízo de R$ 10 mil em função das chuvas: perdeu 70% da última safra de abobrinha. A maior parte dos 4 mil pés do fruto ficou coberta pela água. ;O jeito será dar para os porcos. Eu nunca passei uma por situação dessas. Este ano foi arrasador;, lamentou. O produtor também cultiva tomate em sua fazenda, em Planaltina. ;Perdi 40% da safra, o que sobrou não está com qualidade muito boa. A gente pulveriza, pulveriza e a chuva leva o remédio, que é muito caro;, reclamou.
Para tentar reverter as perdas, Castro remarcou os preços. ;A caixa de 20 quilos da abobrinha, que eu vendia por R$15, vendo agora por R$ 40. Já o caixote de tomate saltou de R$ 20 para R$ 50. Ainda assim não dá para cobrir o prejuízo. O gasto com fungicida, mudas, sementes e dos alimentos perdidos não se recupera;, afirmou.
A pedagoga Vânia Lúcia Lechuga Peralta, 47 anos, foi ao mercado ontem e teve uma surpresa com os preços abusivos das frutas e hortaliças. Ela costuma consumir os itens diariamente, e, para isso, gasta cerca de R$ 200 por mês. ;Está tudo muito caro. Eu faço compras de 15 em 15 dias, e a conta só fica maior;, lamentou. Segundo Vânia, o valor de alguns produtos aumentou mais de 50%, como maçãs e bananas.
Transporte
Apesar de todo estrago já causado, a expectativa dos analistas não é das melhores. Pelo menos no primeiro trimestre do ano, os preços dos alimentos devem continuar a subir. A chuva, além de interferir na agricultura, dificulta, indiretamente, o transporte de alimentos de uma cidade para outra. ;Como as estradas ficam esburacadas, um produto que demora normalmente cinco ou quatros dias para chegar, passa a demorar oito. Dependendo do alimento, estraga ainda no caminho;, relatou o diretor executivo Sindicato do Comércio Atacadista do DF, Anderson Nunes.
Brasília é uma das cidades que têm enfrentado problemas de abastecimento em função da dificuldade de transporte. Cerca de 90% da batata que chega à mesa candanga vêm de fora do quadrilátero. São Paulo e Minas Gerais são os maiores fornecedores. Algumas dessas regiões produtoras, com dificuldade de escoar a colheita, estão queimando as batatas. No DF, já em relação às hortaliças, a produção interna é suficiente para atender todo o consumo.
Qualidade
Com o período chuvoso, sobe o preço e cai a qualidade. O clima quente e a umidade ; características dessa época do ano ; favorecem o surgimento de doenças em alguns alimentos. Proteger o tomate, que, naturalmente, é mais suscetível a pragas, por exemplo, requer um gasto maior com fungicidas, uma vez que o repelente precisa ser reaplicado a cada chuva. ;Com isso, o consumidor começa a mudar o seu prato. Quando o produto está com qualidade baixa, a demanda cai. Não absorvemos toda a variação do mercado, diminuímos a nossa margem de lucro para não assustar o cliente, mas a situação só vai voltar ao normal, ou seja, o preço só cairá e a qualidade melhorar á quando a chuva der uma trégua;, ponderou o diretor comercial da Associação de Supermercados de Brasília (Asbra), Ângelo Oliveira.
Gerente de Avaliação e Acompanhamento de safra da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Carlos Bestetti explica que nem todas as culturas se perdem com as chuvas. ;Para algumas, as chuvas são benéficas.
Nada mais desagradável para o consumidor do que perder tempo em frente a uma gôndola de verduras na seleção das melhores para levar para casa. A dona de casa Gilda Coelho vai pela praticidade. ;Prefiro pagar um pouco mais por um similar, do que ficar horas escolhendo;, afirmou.
Terceira idade paga a conta
; Os brasileiros de idade mais avançada sentiram a corrosão inflacionária mais intensamente no ano passado. O Índice de Preços ao Consumidor Terceira Idade (IPC-3i) fechou 2010 com alta de 6,27%. Alimentos, serviços e cuidados com a saúde foram os itens que mais pesaram no custo de vida dessas pessoas. Os planos de saúde, com grande peso no orçamento, registraram alta de 5,88%. O economista Walter Bastos, 73 anos, se queixa da inflação. Ele notou aumento expressivo, principalmente, nos preços das frutas. ;Eu sempre controlo minhas compras.
Ultimamente, tenho notado que esses itens já consomem 12% da minha renda;, calculou. Vilões não faltam para a terceira idade. Em 2010, o leite tipo longa vida encareceu 23,95%; a tarifa de ônibus subiu 11,51% e condomínio, 7,09%. No último trimestre do, o que mais pesou ; e a tendência é de que ao menos até março continue a corroer o bolso do consumidor mais intensamente ; foram as carnes. O filé mignon registrou alta de 48,30%. A alcatra, 20,19%.