postado em 29/01/2011 09:57
O volume jamais visto em impostos arrecadados no ano passado foi insuficiente para alimentar o apetite da máquina pública. Por pouco, o governo central ; composto por Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social ; não conseguiu cumprir a meta fiscal determinada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de economizar o equivalente a 2,15% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas geradas no país). A poupança de R$ 14,4 bilhões, acumulada somente em dezembro de 2010, contribuiu para registrar nos documentos oficiais um superavit primário (sobra para pagar juros da dívida pública) de R$ 78,9 bilhões no ano (2,16% do PIB), mas não convenceu.A despeito do aparente bom desempenho, o resultado camufla, segundo analistas, o pouco esforço efetivo em controlar as contas públicas. Para esses especialistas, o governo só acumulou o saldo positivo após incorporar receitas extraordinárias e realizar manobras contábeis. Na prática, arrecadou muito, gastou descontroladamente e com pouca qualidade e precisou buscar receitas extraordinárias para não apresentar uma deterioração maior no resultado final.
;A meta (de 2,15% do PIB) foi cumprida com base em mecanismos contábeis. O maior deles foi a capitalização da Petrobras, que rendeu quase R$ 32 bilhões extras aos cofres e representou 0,90% do PIB. Se descontássemos esse fato, teríamos um superavit de apenas 1,26% do PIB;, avaliou Felipe Salto, da consultoria Tendências.
O empenho em apresentar bons números nas contas do núcleo do governo, porém não esconderá a situação precária na qual se encontram as finanças públicas. Na segunda-feira, o Banco Central divulgará o resultado do setor público consolidado que, além do governo central, inclui estados, municípios e estatais.
A expectativa do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, há pelo menos três meses, é de que não será possível cumprir a ;meta cheia; de todo o setor público, de 3,1%. Ocorre que os governos regionais deveriam economizar ao menos 0,95% do PIB, mas não o farão. Caberá ao Tesouro, então, utilizar outro mecanismo previsto em lei para alcançar o objetivo: descontar do percentual os valores investidos no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Apesar da impossibilidade de cumprir o compromisso fiscal sem abater o PAC, Arno Augustin defendeu o desempenho anual. ;Foi um superavit bastante expressivo e positivo, bem superior aos R$ 39,4 bilhões de 2009. Para o governo central, cumprimos a meta nos termos previstos (em lei) e teremos um 2011 mais favorável;, ponderou. Indagado sobre as medidas extraordinárias adotadas no ano passado, o secretário foi evasivo. ;O ano de 2010 teve dois efeitos atípicos: a receita com concessão da Petrobras, que tornou o cumprimento da meta muito mais fácil, e o reflexo da crise que deixou o trabalho mais complicado. Este ano, provavelmente não teremos nenhum dos dois;, afirmou.
Para o secretário, 2011 será influenciado pelo aumento mais moderado das despesas de custeio e de pessoal (folha de pagamento), uma das que mais pesam no orçamento. ;Não estão previstos reajustes expressivos (de salários) para 2011 e o impacto do que foi feito em 2008 e 2009 já está praticamente todo incorporado;, declarou. No ano passado, o pagamento de pessoal caiu 4,4% em relação ao avanço do PIB nominal. As despesas de custeio avançaram 2%, enquanto os investimentos subiram 20,2% na mesma base de comparação.
Felipe Salto acredita que a equipe econômica tentará recuperar a confiança do mercado e da população nas metas fiscais. ;O governo percebeu que não adianta fazer manobras. As pessoas refazem as contas e percebem a deterioração do cenário, o que deixa a meta realizada sem utilidade;, diz. Para o economista, o anúncio do bloqueio do orçamento prometido para o início de fevereiro deve determinar o quanto será economizado em 2011. ;Se vier um contingenciamento de R$ 54 bilhões ou mais, é possível que cheguemos aos 3,1% do PIB.;
Saúde fiscal
A meta prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) serve como um indicador para medir o desempenho das contas do governo. Conseguir arrecadar e gastar o suficiente para garantir uma sobra equivalente a 3,1% do PIB significa boa saúde fiscal. Ao contar com receitas extraordinárias ou manobras contábeis, o Tesouro, na prática, subverte o papel do índice que, mesmo cumprido, não reflete o esforço real da administração pública.