Economia

Energia: cerca de 40 milhões de nordestinos pagam pela ineficiência

postado em 05/02/2011 07:20
O apagão que atingiu na madrugada de ontem oito dos nove estados nordestinos é mais um desafio ao modelo energético do país criado há sete anos pela gestão petista. Com a promessa de evitar a repetição de racionamentos como os de 2001, as novas diretrizes do Sistema Interligado Nacional (SIN) acabaram reforçando a ingerência estatal e política, além de criar novas tarifas e formas de comercialização de energia. Tudo para assegurar a oferta no longo prazo. O próprio governo admite que seria necessário investir pelo menos R$ 4 bilhões anuais apenas em geração para evitar apagões, metade do realizado.

O modelo concebido pela então ministra de Minas e Energia e atual presidente Dilma Rousseff mostrou-se também incapaz de dar segurança ao fornecimento, sobretudo em tempos de crescente demanda. Especialistas ouvidos pelo Correio veem no último blecaute, que deixou às escuras por mais de quatro horas cerca de 40 milhões de pessoas no Nordeste, a confirmação dos problemas ocorridos no evento do fim de 2009, que atingiu 18 estados e 60 milhões de habitantes, sobretudo no Sudeste.

Faltou, segundo eles, transparência e investimentos. ;Mesmo o governo dificultando acesso às informações indispensáveis para acadêmicos e especialistas, tudo leva a crer que as causas dos gigantescos cortes na distribuição estão relacionadas à ausência de manutenção;, afirmou Celio Bermann, professor de pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, os tipos de ocorrência revelam grave fragilidade do sistema.

;O apagão de hoje (ontem) não nos surpreendeu diante de outros eventos menores que também vêm afligindo empresas e pessoas;, sublinhou o professor. Na sua opinião, existe um conjunto de vulnerabilidades que não garante a segurança do sistema novamente chamado ontem pelo ministro Édison Lobão (Minas e Energia) de ;robusto; e ;moderno;.

Além da ;inanição de dados;, ele criticou o fato de empresas do setor e a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não serem pautadas por metas de eficiência. Em função das características da geração 80% hidráulica e distante das regiões consumidoras, Bermann ressaltou que o SIN precisa de esquemas mais ágeis de monitoramento e isolamento de panes. ;A capacidade de regionalizar estragos está sendo testada. O ideal é evitar efeitos dominó tão extensos como temos visto;, resumiu.

Alto risco
Adriano Pires, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), também criticou a ocorrência de dois grandes eventos em um período inferior a dois anos. ;Esses problemas não são condizentes com um país do porte do Brasil, sobretudo com suas perspectivas de crescimento econômico;, comentou. Ele considera urgente a necessidade de rever o modelo que ;reestatizou o setor elétrico; e pode colocar em risco o avanço da economia, já que o consumo residencial e industrial vem crescendo entre 6% e 7% ao ano.

O especialista lembrou que os problemas de 2009 e 2011 envolveram estatais (Itaipu e Chesf), que não primam pela transparência. ;O governo tenta esconder com discurso a evidência de que investimentos em modernização e segurança do sistema não foram feitos. As causas do primeiro grande apagão até hoje estão desconhecidas;, disse.

Pires considera tolerável interrupções de prazos curtos, de até uma hora. Mas nada parecido ao caso que alcançou quase todo o Nordeste, região onde Dilma teve sua melhor performance eleitoral, deixando de fora apenas o Maranhão, estado do ministro Lobão e do senador José Sarney, com grande influência sobre as estatais do setor elétrico. Para o especialista, as usinas térmicas a gás natural na base do sistema seriam uma aparente solução para deter ;apagões e apagãozinhos;. O único risco na saída por um modelo misto, hidrotérmico, acredita, é criar um monopólio da Petrobras na garantia energética.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), analistas alertam para a necessidade de investimentos pesados no setor energético para evitar colapsos no sistema interligado. As discussões continuaram na era Lula, mas o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que integra todas as linhas de transmissão do país, ainda não consegue evitar blecautes originados em pequenas subestações. O diretor-geral da ONS, Hermes Chipp, assegurou ontem que não há risco de novos apagões nos próximos anos.

Relé pode ter causado efeito dominó
GUSTAVO HENRIQUE BRAGA
O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, explicou, mas não justificou o apagão que afligiu oito estados do Nordeste e provocou transtornos generalizados a mais de 40 milhões de consumidores. Lobão apontou como causa provável do blecaute uma falha de um pequeno componente eletrônico, chamado relé, na subestação Luiz Gonzaga, da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), no município de Jabobá (PE). Depois de apresentar o defeito, técnicos tentaram religar o equipamento, mas o sistema de proteção da rede elétrica interpretou a oscilação como uma sobrecarga e, automaticamente, desligou a linha de transmissão, provocando um efeito dominó em toda a região.

Ao todo, seis linhas de transmissão que cruzam municípios de Pernambuco, Bahia e Ceará e ligam três usinas produtoras de energia ; Paulo Afonso, Xingó e Luiz Gonzaga ; foram desligadas. ;O nosso sistema tem falhas, mas elas existem em todos os sistemas do mundo. O sistema é robusto e é bom. Não há nada mais moderno do que o sistema brasileiro;, declarou o ministro. Para Lobão, não houve sequer um apagão no Nordeste, mas apenas ;uma interrupção temporária no fornecimento;. Ele admitiu ainda que defeitos no sistema de proteção da rede elétrica ocorrem de tempos em tempos e causam tanto danos significativos, a exemplo de ontem, como problemas menores e até imperceptíveis.

Pouco antes do blecaute, o suprimento para a região afetada era de 8 mil megawatts (MW). Por volta de 0h29 de ontem, houve uma queda para apenas 800 MW. A partir da 1h, o sistema começou a ser recomposto paulatinamente até que, por volta das 7h, foi completamente restabelecido, com uma carga aproximada de 6 mil MW ; volume geralmente consumido pela manhã.

Radiografia
Apesar de ser considerado simples, o defeito que levou à queda de energia apresentou graves consequências para a população. Pacientes tiveram dificuldades para atendimento nos hospitais, linhas telefônicas de delegacias pifaram, o abastecimento de água ficou comprometido e o tráfego aéreo teve de ser remanejado em alguns aeroportos. Além disso, em Recife (PE) um preso foi morto e outro ficou ferido depois de uma briga durante o apagão no presídio Aníbal Bruno. Por enquanto, as autoridades ainda não conseguiram estimar a magnitude total dos prejuízos.

O Ministério de Minas e Energia não trabalha, entretanto, com a possibilidade de desgaste do equipamento. ;O material não está envelhecido, não está obsoleto. Temos que ter prudência para examinar com segurança o que aconteceu;, afirmou Lobão. Procurado pela reportagem, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que a resposta definitiva sobre o motivo da falha só poderá ser dada na segunda-feira, quando representantes das distribuidoras, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), do ministério e do ONS se reunirão para apresentar uma radiografia do problema e das providências tomadas.

Análise da notícia
Corte sem explicação

Se o apagão que deixou quase toda a Região Nordeste sem luz na madrugada de ontem receber a mesma atenção dada pelo governo ao blecaute de 2009 ; quando 18 estados do país ficaram no escuro ;, os brasileiros atingidos continuarão sem saber o que, de fato, ocorreu. A ausência de explicação está se tornando uma marca das autoridades do setor de energia. Há quase dois anos, a primeira justificativa foi uma forte tempestade na região da subestação de Itaberá, em São Paulo. Questionado, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, culpou a queda de raios pelo blecaute, mas a hipótese foi descartada pelos técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Se houvesse mais transparência, talvez não fossem necessários tantos rodeios. Investigações feitas dois anos antes pelo ONS, operador do sistema elétrico, mostravam falhas na manutenção de linhas de transmissão no local da pane. (Márcio Pacelli)

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