Economia

Indianos convivem com inflação alta, corrupção e o fantasma da China

postado em 06/02/2011 09:32
Enviado Especial

Nova Délhi e Mumbai ; Semelhanças não faltam entre a Índia e o Brasil. Enquanto saboreia crescimento próximo a 9% em 2010 e vê analistas projetarem um futuro de potência ; juntas, as economias indiana, chinesa e norte-americana serão donas de metade do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2050 ;, o país asiático se debate para reduzir o rombo nas contas públicas e externas, pôr a inflação nos eixos (o índice anual está em 8,5%, puxado pelos alimentos) e conter a corrupção que domina o governo. Também busca mecanismos para inibir o avanço nas importações de produtos da China, que têm resultado em um déficit comercial de quase US$ 20 bilhões por ano.

Para Amit Mitra, secretário-geral da Federação das Indústrias da Índia (FICCI, na sigla em inglês), nenhum desses problemas têm potencial para reverter o momento histórico que vive o país, cujo ponto forte é o fato de ser a maior democracia do mundo. ;Depois de anos de fracasso, a Índia aprendeu a lição;, diz. A meta do governo é reduzir o déficit público, que chegou a 9,6% em 2009, para 3,5% no próximo ano. Quanto à inflação, o Banco Central já deu início ao processo de aumento da taxa básica de juros. Para Mitra, talvez o nó mais difícil a ser desatado seja o da invasão de produtos chineses, que ameaça a produção e os empregos locais.

Priyanka Chopra, atriz de Bollywood e uma das mulheres mais bonitas do mundo, simboliza a Índia moderna. Nem os conservadores resistem a seus encantos;Se os chineses quiserem investir na Índia, criarem postos de trabalho aqui, com certeza, serão muito bem-vindos. O que não pode é a nossa economia continuar sendo invadida por produtos de baixa qualidade. Já sofremos demais com esse tipo de comportamento do Japão no passado;, afirma Mitra. Totalmente político, o ministro da Indústria e do Comércio, Annand Sharma, prefere exaltar a forte integração comercial e política entre os países emergentes, sobretudo por meio de dois grupos, o Bric, que reúne Brasíl, Rússia, Índia e China, e o Ibas, que agrega Índia, Brasil e África do Sul. Juntos, esses países contabilizam uma corrente comercial de US$ 70 bilhões por ano, negócios que só tendem a crescer, dada à efervescência dos mercados domésticos.

Força da mulher
Na avaliação de Sharma, a integração dos emergentes faz parte da nova geografia do mundo, consolidada a partir de 2008, com o estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos, que nocauteou os países mais ricos. ;Estamos sustentando o crescimento do planeta;, frisa. Esse movimento, no entanto, só amplia os desafios da Índia, com características gritantes de país de Terceiro Mundo. A despeito da taxa de crescimento econômico ter dobrado na última década, 43% das crianças com até 11 anos de idade estão fora das escolas. Entre os adultos, 37% são analfabetos. Para completar, 55% dos indianos não sabem o que é água potável e não têm banheiro em casa.

Porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Vishnu Prakash assinala que o processo de melhoria das condições sociais da Índia vão muito além de suas fronteiras. ;Como maior economia da Ásia Meridional, temos que liderar o desenvolvimento dos nossos vizinhos. É nossa responsabilidade;, destaca. O objetivo dessa integração é isolar o Paquistão, que comandou, no fim de 2008, um atentado terrorista que resultou na morte de quase 200 pessoas em Mumbai.

Parcela significativa do avanço indiano vem da indústria cinematográfica. Apesar da chiadeira dos conservadores, Bollywood, que produz cerca de 800 filmes e séries por ano, espelha uma Índia moderna, na qual a mulher tem voz ativa na sociedade e dita os rumos do mercado de consumo. Para muitos especialistas, se alguém quer entender o que realmente está acontecendo no país asiático, basta assistir às películas estreladas por Priyanka Chopra e Aishwarya Rai, duas das mulheres mais bonitas do planeta.


Exportações disparam

; SÍLVIO RIBAS

Principal parceiro comercial da Índia na América Latina, o Brasil aposta na diversificação da pauta para atingir a meta de US$ 10 bilhões anuais em trocas bilaterais. A expectativa era atingir o montante em 2010, com um aumento de 80% sobre os US$ 5,6 bilhões do ano anterior. Mesmo sem os números do ano passado completamente consolidados, sabe-se que empresários e governos dos dois lados continuam buscando incluir mais manufaturados para incrementar o intercâmbio.

Em abril de 2010, durante a visita oficial do primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, ao Brasil chegou-se ao consenso de que setores de maior valor agregado podem dar o dinamismo esperado ao comércio bilateral. Os países prometeram intensificar o monitoramento das trocas e incentivar as missões empresariais. Os governos também enfatizam que seus comércios e indústrias devem aproveitar oportunidades de intercâmbio nas áreas de energia, agricultura, mineração e infraestrutura. De 1990 a 2008, Brasil e Índia assinaram 23 acordos e memorandos de entendimento em várias áreas.

Mas, por enquanto, o crescente consumo doméstico do emergente asiático é o principal impulsionador dos embarques de mercadorias. Em 2010, o petróleo liderou as vendas brasileiras para os indianos, gerando receita de US$ 1,24 bilhão. A Índia subiu de uma posição desprezível entre os clientes do produto para se tornar o terceiro maior comprador, superado apenas por Estados Unidos e China. Logo depois, vem o açúcar bruto, com US$ 875 milhões.

A Índia, que há anos costura parcerias com o Brasil para produzir etanol a partir da tecnologia verde-amarela, também foi o segundo maior importador do açúcar brasileiro, após a Rússia. A estiagem dos últimos anos levou a Índia, vice-líder da produção mundial de açúcar, atrás só do Brasil, a deixar momentaneamente de ser exportadora. O Palácio do Planalto ficou também satisfeito com o interesse de petrolíferas indianas em participar de leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP) para exploração de petróleo.

Especialistas em comércio exterior acreditam que a Índia pode se tornar uma ;nova China; para o Brasil, com impacto no mercado internacional de commodities minerais e agrícolas, embora os mesmos lembrem que ambos os países são concorrentes em muitas áreas. Com taxas de crescimento próxima de 10% anuais e meio bilhão de pessoas abaixo da linha da pobreza rumando para a faixa consumidora nesta década, a Índia se consolida como forte mercado para os produtos básicos brasileiros.


Oportunidades afloram

Apesar do crescente interesse de empresários brasileiros pela economia indiana, poucas multinacionais do país conseguiram efetivamente se instalar lá. A Câmara de Comércio Brasil-Índia informa que faltam dados precisos sobre a presença brasileira no emergente asiático, mas admite a existência de muitas companhias na fila para entrar. A primeira empresa brasileira a se fixar em território indiano foi a catarinense Weg, a maior fabricante de motores elétricos da América Latina. A filial da Weg foi aberta em 2004, em Bangalore, para vender motores e geradores de energia para pequenas centrais hidrelétricas.

A montadora gaúcha Marcopolo anunciou, em 2006, uma associação com a gigante indiana Tata Motors para a fabricação e venda de ônibus rodoviários, urbanos, mínis e microônibus. No mesmo ano, a Vale abriu um escritório comercial no país. Outra investida conhecida é a empresa de serviços de tecnologia Stefanini, que abriu escritório no polo tecnológico de Hyderabad. Os investimentos das empresas brasileiras na Índia incluem o setor siderúrgico (Gerdau).

Os consulados indianos ressaltam que há novas oportunidades para empresas brasileiras na Índia, sobretudo nos setores farmacêutico, de informática, petrolífero e de produtos agroindustriais. Pode haver junção de esforços na agricultura (açúcar e etanol), na fabricação de automóveis, de peças para automóveis e de produtos elétricos, na siderurgia, na polpa de madeira, em processamento de alimento e no setor bancário.

O secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, acredita que a Índia será um desafio para exportadores de todo o mundo nos próximos anos. Ele acha cedo para afirmar que o país asiático pode ocupar um lugar semelhante ao da China no comércio internacional, mesmo crescendo a taxas superiores. ;Os ganhos recentes nas exportações brasileiras de açúcar e de petróleo não servem de baliza por se tratar de segmentos marcados por oscilação sazonal;, diz.

Rafael Martelo, analista da Tendências Consultoria, também destaca o grande potencial a ser explorado por empresas brasileiras, sobretudo no comércio de commodities agrícolas. ;Uma população grande e que vem ampliando o consumo interno com promoção da renda das famílias é uma chance para exportadores brasileiros;, disse.

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