Economia

Em visita ao país, Geithner cobra de Dilma controle dos gastos públicos

postado em 08/02/2011 08:41
Em um ritmo digno de fazer inveja a qualquer grande maratonista, o secretário do Tesouro norte-americano, Timothy Geithner, fez uma passagem relâmpago pelo Brasil e cobrou das autoridades brasileiras mais firmeza na redução de gastos e condução de reformas fiscais, além de culpar os altos juros mantidos pelo Banco Central. Na visão de Geithner, a taxa básica Selic, em seu atual patamar, é uma das responsáveis pelo fluxo de capital estrangeiro que invade o Brasil e mantém o real supervalorizado em relação ao dólar.

O corre-corre do norte-americano começou pela manhã, em São Paulo, onde fez palestra para universitários e comentou os temas que norteiam os debates internacionais. Geithner ressaltou que a estabilidade econômica brasileira é um dos atrativos aos investidores, mas que os juros reforçam o apetite deles.

Além das taxas mais altas do mundo e da confiança dos estrangeiros, o secretário atribuiu a valorização excessiva de moedas como o real à adoção de taxas de câmbio artificiais em países emergentes, em uma clara menção à China, nação que mantém o iuan desvalorizado como forma de aumentar as exportações. ;Esses fluxos têm sido aumentados por políticas de outras economias emergentes que estão tentando manter suas moedas desvalorizadas;, afirmou.

Oficialmente, Geithner esteve no Brasil para o que foi a preparação da visita do presidente dos EUA, Barack Obama, em março. Em uma bateria de reuniões a portas fechadas e poucas palavras proferidas nos deslocamentos feitos em São Paulo e Brasília, o secretário colocou na mesa, além do câmbio, a proposta europeia ;encabeçada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy ; de controle de preços de commodities (produtos básicos cotados internacionalmente) e outros temas que aproximam Brasil e EUA nas discussões que serão levadas ao G-20, nos dias 18 e 19 em Paris.

De acordo com o porta-voz da presidência da República, Rodrigo Baena, a presidente Dilma Rousseff afirmou na reunião que teve com Geithner que não se deve responsabilizar as commodities pelos desequilíbrios na economia mundial, avaliação que foi referendada pelo secretário norte-americano. Dilma chamou a relação entre os dois países de ;estratégica;.

Na opinião do sociólogo do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP) Demétrio Magnoli, as commodities também estiveram no centro da conversa da presidente com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que precedeu o encontro dela com Geithner.

;Não há dúvida de que a oposição à proposta francesa foi tema central. Tanto o Brasil quanto os Estados Unidos são grandes produtores e exportadores. Outro assunto que certamente norteou as conversas foi o câmbio;, comentou Magnoli. Para ele, mesmo com a predisposição do secretário de aproximar os discursos entre os governos brasileiro e norte-americano, a questão cambial deve continuar gerando controvérsia. ;Nessa questão os dois países concordam no que diz respeito à valorização do iuan. Ambos a querem. Mas discordam no que tange a própria política de emissão de moeda e juros baixos dos Estados Unidos;, ponderou.

Vantagem

Para Lia Valls, da Fundação Getulio Vargas, a visita de Geithner reaproxima os dois países tanto na agenda econômica quanto na política, mas não significa uma união firme, direcionada contra a China. ;Os chineses são parceiros comerciais importantes, e a política não muda de uma vez. É difícil imaginar Estados Unidos e Brasil em uníssono contra a China;, disse.

Na declaração mais extensa feita em Brasília, com duração de pouco mais de um minuto, Geithner repetiu o discurso oficial de estreitamento das relações entre os dois países. ;Tivemos um encontro excelente com a sua presidente. Enfatizei que temos uma relação econômica bastante forte, com interesses em comum. Somos fundamentalmente alinhados e esperamos tirar vantagem dessa oportunidade para fortalecer a relação econômica entre os dois países;, declarou.

EUA têm superavit de US$ 8 bi


SÍLVIO RIBAS

O superavit de quase US$ 8 bilhões para o mercado norte-americano na balança bilateral de 2010 foi também o maior obtido pelos Estados Unidos entre seus mais importantes parceiros comerciais. A exemplo do que ocorre tradicionalmente, a maior economia do mundo registrou deficits expressivos com China, Japão e Alemanha, entre outros. A liderança da China nas exportações e importações do Brasil no ano passado tornou ainda mais evidente retrocessos no perfil das vendas brasileiras para os EUA.

;O Brasil se deu ao luxo de virar as costas para o maior comprador do mundo. Apesar de todas as crises que sofreu, os EUA ainda são os responsáveis por 8% de todas as importações e 12% do fluxo comercial global;, lamenta José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Além do real forte, ele considera o ;menosprezo das autoridades; como fator mais importante para a ;radical mudança; na pauta de exportação brasileira para os americanos, que trocou o peso das manufaturas pelo das commodities.

As exportações brasileiras para os EUA chegaram a US$ 19,3 bilhões no ano passado, ainda abaixo de 2008, antes da crise mundial. As importações, por sua vez, continuaram subindo aceleradamente e bateram US$ 27 bilhões, impulsionadas pelo aquecimento da economia doméstica e pelo câmbio. ;O deficit reflete menos a agressividade dos americanos em ocupar nosso mercado e mais a falta de engajamento nosso em vender mais para eles;, comenta Castro, da AEB.

Desde 2009, o Brasil acumula deficits na balança bilateral com os EUA, abrindo um segundo período desfavorável de sua história, após os anos de 1995 a 1999, influenciados por uma forte valorização cambial. Segundo dados do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), há um processo de expansão das vendas brasileiras para países desenvolvidos. Só em janeiro, os embarques para os EUA somaram US$ 1,66 bilhão. Apesar disso, as importações passaram de US$ 2,30 bilhões.

Na recente apresentação dos resultados gerais do comércio exterior brasileiro em 2010, o secretário-executivo do Mdic, Alessandro Teixeira, sublinhou que a recuperação da economia americana deverá passar a influenciar mais nos próximos balanços. Até 2002, os EUA representavam 25,4% das exportações brasileiras, recuando para os atuais 9,6%. Nenhum analista acredita numa recuperação nos patamares de dez atrás, impedida pela maior presença da China, mas apostam em melhora das trocas.

Os exportadores já perceberam uma mudança de clima nas relações entre EUA e Brasil, mais positiva, sobretudo do lado brasileiro. ;Antes tudo era motivo para criticar os americanos, da pendência comercial com o algodão ao programa nuclear do Irã. Agora, já percebemos parcerias inevitáveis entre os dois países, como na defesa de seus interesses na condição de maiores exportadores de commodities agrícolas;, ilustra Castro. Ele torce para que o Brasil volte a expor produtos manufaturados na ;vitrine do mundo;.

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