postado em 27/02/2011 09:04
Uma avalanche de decisões judiciais favoráveis a servidores públicos tem contribuído para inflar a já bilionária folha de pagamentos dos tribunais. Resultado de pendências financeiras há anos sem solução, as ações trabalhistas envolvem gratificações e bônus concedidos no passado que acabaram suspensos por lei ou foram interrompidos administrativamente. Agora, graças a revisões jurídicas, emergem com força máxima na forma de retroativos e indenizações para assombrar as despesas com pessoal do Poder que mais gasta com funcionários.
Em dezembro de 2010, Cortes federais promoveram vultosos acertos de contas. Os servidores receberam pequenas fortunas direto no contracheque. A prática eventual elevou às alturas os salários de grupos seletos e expôs falhas de um modelo remuneratório que, embora extinto, ainda cobra pesadas faturas dos cofres públicos. O Natal farto de parte do Judiciário reabre a discussão em favor do sistema de pagamento baseado em parcela única, o subsídio %u2014 tese rechaçada por veteranos e defendida por novatos.
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) é o campeão em zerar passivos. Desde 2009, repasses regulares são autorizados aos que obtêm sinal verde da Justiça em processos que datam das décadas de 1980 e 1990. Dados públicos foram compilados pelo Correio e revelam que uma servidora aposentada embolsou, no último mês do ano passado, R$ 1.102.572,73 de remuneração bruta, sem qualquer desconto. A cifra recorde, alcançada depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu precedente reconhecendo o direito à incorporação de um %u201Cpenduricalho%u201D, não é exceção na folha do órgão.
Esqueletos
Casos semelhantes turbinaram a lista de pagamentos do TRE-SP no fim de 2010. Servidores ativos e inativos acumularam ganhos recordes %u2014 70 pessoas receberam de R$ 101 mil a R$ 199,6 mil. Outras 20, entre R$ 201,4 mil e R$ 296,8 mil. Quatro empregados, de R$ 303,5 mil a R$ 378,3 mil. E um arrematou R$ 426,8 mil. Quase toda a remuneração dos que aparecem como beneficiários é composta por vantagens eventuais, esqueletos que o TRE paulista é periodicamente obrigado a pagar.
O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) também quitou débitos antigos com seus funcionários em dezembro de 2010. Ganhos de mais de R$ 100 mil engordaram o salário do mês de dezenas de empregados, prática seguida por Mato Grosso e Amazonas. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), que tem status de corte federal, os depósitos que colocaram fim a disputas judiciais variaram de R$ 20 mil a R$ 90 mil por servidor que ingressou com alguma ação contestando o não pagamento de parcelas, correções ou anexos que deveriam complementar o salário.
Além de desmoralizar o teto do funcionalismo, fixado em
R$ 26,7 mil, o pagamento sistemático de passivos salariais tão robustos asfixia a gestão financeira dos tribunais. Há órgãos que mobilizam mais de 90% de suas receitas para saldar a folha. Nem o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nem o Conselho da Justiça Federal (CJF) têm informações sobre o montante gasto com vantagens eventuais que turbinam os contracheques, embora admitam que algumas situações beiram o colapso.
Polêmica
Ao mesmo tempo em que paga pelos erros do passado, o Judiciário tem, diante de si, uma alternativa real de sanear a folha. Funcionários que ingressaram depois de 2000 reivindicam a adoção da fórmula aplicada pelo Executivo para remunerar setores de elite. Banco Central, Polícia Federal, Advocacia-Geral da União, entre outros órgãos essenciais ao Estado, migraram para o modelo de subsídio, remuneração mensal única sem adereços ou anexos. Isso deu mais transparência às despesas e eliminou riscos futuros de questionamentos jurídicos em torno do recebimento de gratificações.
O grande obstáculo são os próprios servidores. Empregados mais antigos do Judiciário resistem ao subsídio por temerem a perda de direitos adquiridos, redução remuneratória ou anos sem reajuste. Não por acaso, esses setores cobram, desde 2009, a aprovação de um projeto de lei que resulta em um aumento médio de 56%. A proposta custa cerca de R$ 7 bilhões. O Ministério Público da União (MPU) pleiteia o mesmo reajuste e também tem um projeto de lei específico aguardando no Congresso. A discussão dos textos está emperrada porque não há previsão orçamentária. O governo é contra o aumento, num ano em que fez cortes nas despesas e suspendeu concursos.
Se o subsídio fosse implantado, o custo total do reajuste do Judiciário cairia para algo entre R$ 4 bilhões e R$ 4,8 bilhões, conforme estimativas não oficiais. A economia se deve ao fato de que uma parcela importante dos que estão no topo da carreira não teria aumento. Nenhum servidor, porém, perderia direitos sobre o que incorporou à remuneração. Já os que estão na base, que nada somaram aos salários ao longo dos anos, seriam contemplados com percentuais vantajosos.
Na semana passada, o movimento Subsídio Já, de servidores do Judiciário federal e do MPU, enviou carta aos chefes dos Três Poderes. %u201CConsiderando a urgente necessidade de se estipular uma política salarial remuneratória permanente para o serviço público federal, com vistas a garantir a qualidade do gasto orçamentário, sugerimos a adoção do subsídio como modelo remuneratório plenamente habilitado para enfrentar com sucesso todas as questões%u201D, propôs. Ainda não houve resposta.