postado em 13/03/2011 08:30
O mercado acionário está redescobrindo o país. Se, no passado, o crescimento do número de investidores estava concentrado em São Paulo e no Rio de Janeiro, hoje a população das Regiões Norte e Nordeste já começa a utilizar a bolsa de valores para alcançar sonhos como carro zero e casa própria, e mesmo projetos pessoais, como viagens, estudos e até aposentadoria. Entre 2005 e 2011, o número dos que aplicam na Bolsa de Valores de São Paulo (BM) saltou 309,32%, de 147.441 para 603.512. Percentualmente, as altas mais expressivas foram observadas em Tocantins (949,09%), Amapá (854,17%), Mato Grosso (820,60%), Paraíba (654,64%) e Mato Grosso do Sul (629,68%).Motivos para esse crescimento não faltam. Depois de muitos atropelos recentes, a economia brasileira, o mercado de trabalho e a renda da população cresceram como nunca, mostrando pujança em meio à recuperação da crise financeira internacional. Em 2010, o Produto Interno Bruto (PIB ; soma das riquezas do país) registrou um salto recorde de 7,5%, a melhor marca desde 1986. Se isso não bastasse, a taxa básica de juros (Selic), hoje em 11,75% ao ano, apresenta linha decrescente, ainda que o Banco Central sinalize novos aumentos no índice, a fim de evitar a escalada da inflação. O nível atual está bem longe do registrado há pouco mais de uma década, como os 44,95% de março de 1999.
Noutra ponta, investimentos atrelados à taxa básica, como a poupança e os certificados de depósitos bancários (CDBs), passaram a perder atratividade. ;Não é necessário ir muito longe. Em 2003, a taxa era de 26,3% ao ano e essas opções garantiam um bom rendimento. Agora, há uma corrida para a bolsa de valores;, compara o analista da Elite Corretora Alexandre Marques. Além disso, em 1999 o Brasil iniciou as operações do home broker, instrumento de negociação pela internet que democratizou o acesso ao mercado de capitais. ;Com essa ferramenta, a participação ficou mais ampla e diversificada. Hoje, homens, mulheres, jovens, estudantes, aposentados, todos investem em ações;, afirma Breno Carlos, da TOV Corretora.
Bom negócio
O bancário Luciano Rocha Júnior, 26 anos, começou a investir há oito anos, depois de fazer um curso sobre o assunto, e não parou mais. Com as aplicações, há quatro anos conseguiu dar entrada em um imóvel e, agora, acumula recursos para a aposentadoria. ;É um olhar de longo prazo com rendimento muito maior que as outras opções do mercado. Aposto em empresas consolidadas, considerando que elas vão continuar a obter lucros e oferecer retorno no futuro;, explica.
O economista Bruno Girardi, 33 anos, procurava ganhos financeiros acima da média de uma poupança e conseguiu. ;Meu pai já investia e me influenciou. Entrei no mercado de ações aos 18 anos e não me arrependo;, conta. Atualmente, ele possui papéis de 15 empresas, mas não tem uma meta específica para utilizar os ganhos obtidos. ;Acompanho o movimento do mercado todos os dias para não perder dinheiro;, ensina. Para Girardi, a melhor opção é diversificar. ;Invisto tanto em empresas pequenas quanto nas maiores. Os dois tipos têm suas vantagens.;
Por trás dos números que revelam a interiorização da bolsa de valores, segue firme um processo de popularização da bolsa e quebra de antigos mitos. Perde espaço, por exemplo, a visão antiga, enviesada, de que a bolsa é um cassino ; um lugar proibido para os pequenos investidores. ;Antes do home broker, o mercado acionário realmente era para os ricos, pois as corretoras não tinham condições econômicas de atender individualmente o pequeno investidor;, observa o diretor do Easyinvest, Amerson Magalhães. Mas, ao ficar mais acessível, a mercado se fortalece e contribui para alçar o Brasil à condição de potência mundial. Até hoje, nenhuma economia se desenvolveu sem centros financeiros fortes. De um lado, as ações são fontes de financiamento para as empresas que, ao abrir o capital, fogem de financiamentos e juros bancários. De outro, contribuem para enriquecer a população do país.
A consultora da BMF Bovespa Tércia Rocha destaca a importância dos cursos e da oferta de informações sobre o mercado acionário em todo o Brasil. Em 2002, a bolsa iniciou o programa BM vai até você, com equipes de profissionais especializados que realizam feiras e palestras gratuitas em todo o país. ;Já atendemos 2,9 milhões de pessoas. Além disso, pela internet, a população conta com cursos sobre educação financeira e todas as informações necessárias para investir;, diz.
Controle
Mas nem tudo são flores. A interiorização do mercado acionário demanda mais cuidado por parte da bolsa de valores. Com essa mudança, a figura do agente autônomo de investimento ; intermediário com autorização para ligar corretoras e clientes ; torna-se cada vez mais necessária. Como esses profissionais estão distantes das empresas, onde a fiscalização da BM e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é feita diretamente, a supervisão sobre eles tende a correr mais frouxa.
;O que precisamos é ter todo o cuidado de fazer os relatórios e gravar as conversas para os clientes a fim de, quando houver uma solicitação, enviarmos esse material às corretoras;, explica o agente autônomo da Futura Investimentos em João Pessoa (PB), Eduardo Malheiros. A seu ver, o que diferencia o investidor das Regiões Norte e Nordeste do Centro-Sul do país é a necessidade de um contato mais próximo com o operador. ;Aqui, os clientes querem olho no olho para realizar as operações. O trabalho deve ser acompanhado de perto;, ressalta.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão que regula o mercado de ações, aperta o cerco contra esses profissionais. O superintendente de Relações com o Mercado e Intermediários da instituição, Waldir Nobre, avisa que está em estudo a obrigatoriedade de o agente autônomo ser exclusivo de uma corretora (hoje, ele pode representar várias). A proposta passou por audiência pública no ano passado e recebeu cerca de 100 comentários. ;As normas devem estar prontas até julho. Como cada corretora tem suas regras, a exclusividade vai melhorar a supervisão do trabalho nas cidades mais distantes;, assegura Nobre. ;Hoje, a grande fonte de problemas são os agentes autônomos. Na administração das carteiras, eles não podem influenciar, mas às vezes isso acontece;, reconhece.
Para o consultor de investimentos da Prosper Corretora, Demetrius Lucindo, apesar dos esforços do regulador, os resultados ainda não são convincentes. ;A CVM tenta combater, mas essa questão é até meio contraditória. Os agentes têm opinião sobre o papel a ser escolhido e falam, sim, para o cliente. O investidor precisa conhecer o profissional e saber se ele é uma pessoa de boa índole;, aconselha.
Proliferação
Hoje, os cinco estados com maior crescimento no número de investidores ; Tocantins, Amapá, Mato Grosso, Paraíba e Mato Grosso do Sul ; têm 291 agentes autônomos de investimento, um profissional para cada 38,3 pessoas na bolsa. A maior quantidade está concentrada em MT (169), onde há 3.710 investidores pessoas físicas. Depois, vêm MS (57), PB (52) e TO (13).