postado em 19/03/2011 07:00
Na ânsia de provar ao mercado financeiro que é capaz de reduzir as despesas e cumprir, integralmente, a meta de superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida), de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), o governo da presidente Dilma Rousseff está deixando boa parte da Esplanada dos Ministérios à míngua. O Tesouro Nacional tem controlado o repasse de verbas na boca do caixa e são poucos os projetos agraciados desde o início de ano. A ordem é atender apenas empreendimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ; e, mesmo assim, com o menor volume possível de recursos.Em vários órgãos federais, a liberação de limites financeiros para gastos, feita mensalmente mediante pedido dos ministérios, está atrasada, atrapalhando a rotina das pastas. No Ministério das Cidades, não são repassados recursos para os projetos fora do PAC desde outubro do ano passado, segundo a assessoria de imprensa. O caixa está tão apertado que o órgão estuda, inclusive, reduzir o uso de materiais no dia a dia, como papéis e copos. ;A Esplanada inteira está assim. Há contenção de gastos não apenas aqui, mas no governo federal inteiro. Mesmo assim, as obras do PAC estão em andamento e o programa Minha Casa, Minha Vida conseguirá alcançar as metas estabelecidas;, informou o Cidades.
No caso do Ministério da Integração Nacional, o represamento de recursos levou à revisão dos pedidos feitos ao Tesouro, segundo o diretor de gestão estratégica, Cláudio Cavalcanti. ;Desde janeiro, a retenção nos atingiu diretamente. O maior impacto foi nas emendas parlamentares, 100% vetadas;, afirmou. A previsão para o órgão era de R$ 1,6 bilhão.
Restos a pagar
Pela análise do Banco Itaú, as travas na boca do caixa são uma forma de complementar o bloqueio orçamentário de R$ 50 bilhões, anunciado pelo governo no início de fevereiro e considerado pelo mercado insuficiente para atingir a meta de superavit primário de 3% do PIB. Ao optar por não repassar os recursos disponíveis, o Tesouro empurra boa parte dos gastos previstos neste ano para 2012 na forma de restos a pagar, facilitando o cumprimento da meta. ;Em 2009/2010, anos de política fiscal relativamente relaxada, o gasto federal médio ficou quase R$ 34 bilhões abaixo do previsto no Orçamento. Assumimos que os ;restos a pagar; de 2011 fiquem em R$ 20 bilhões, o que levaria a um ;bloqueio; total do orçamento de R$ 70 bilhões;, destacou o economista Maurício Oreng, do Itaú.
Uma funcionária da área de convênios do Ministério da Cultura revelou que, desde o início do ano, a pasta praticamente não celebra convênios com organizações não governamentais (ONGs), municípios e estados. ;No ano passado, recebíamos 20 por semana. Agora, os projetos nem chegam, devido à falta de dinheiro para executá-los. São pedidos para mobiliar centros culturais, comprar instrumentos para bandas e outras ações;, disse.
O assessor orçamentário de um senador confirmou que, de fato, os projetos na área de Cultura são os mais atingidos pelo corte. ;Infelizmente, o Tesouro não está repassando os recursos e temos sofrido vetos muito grandes das emendas dos parlamentares. O corte no Orçamento veio e os políticos estão se reunindo para tentar rever isso. No Ministério das Cidades, não há autorização para obras nos municípios;, ressaltou.
No Ministério dos Transportes, o Tesouro também só libera recursos para o PAC. Obras prioritárias como a construção da BR-163 ; sustentadas por determinação expressa da presidente Dilma Rousseff ; são praticamente as únicas mantidas. No Ministério da Agricultura, os efeitos já são sentidos no dia a dia. ;Houve uma reunião na semana passada entre representantes do gabinete do ministro e as diretorias. Temos economizado em tudo, canetas, resmas de papel e copos. Houve corte até de papel higiênico;, comentou uma servidora.
Na própria carne
O próprio Ministério do Planejamento, responsável por definir os alvos da tesoura, está sentindo os efeitos do ajuste fiscal. A secretária de Patrimônio da União, Paula Maria Motta Lara, orientou os coordenadores a evitar desperdício de materiais. ;Estamos usando, por exemplo, os dois lados das folhas de papel nas impressões. A meta é reduzir as despesas a cada mês;, relatou uma trabalhadora.
O Correio constatou que, no Ministério da Saúde, os arrocho se deu, principalmente, nas despesas com viagens, devido ao Decreto n; 7.446, que limita em 40 o número de diárias por servidor a cada ano. ;Isso dificulta o acompanhamento de convênios, como os de construção de unidades de saúde, feitos com o ministério nos estados e municípios;, disse um técnico.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o órgão afirmou que o ministro Alexandre Padilha assinou, inclusive, uma portaria determinando que todos os órgãos subordinados à pasta passem a adotar medidas para reduzir despesas com passagens e diárias. ;A subsecretaria de Assuntos Administrativos está adotando diversas medidas para reduzir outras despesas. Para isso, aumentou o controle dos gastos com tarifas telefônicas e adotou medidas para reduzir os gastos de energia elétrica, combustíveis e água. Todos os projetos de reformas de prédios do Ministério da Saúde serão revistos, devendo apenas ser efetuadas as obras efetivamente necessárias;, acrescentou a pasta.
O Ministério da Previdência Social informou que uma das iniciativas afetadas é o Plano de Expansão da Rede de Atendimento (PEX), que prevê, até 2013, 720 novas unidades do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com municípios com mais de 20 mil habitantes. ;Para 2011, seriam 146 unidades. Vamos pelo menos garantir pelo menos 100;, ressaltou a pasta.
Estrada presidencial
A conclusão da BR-163, que liga o Mato Grosso ao Paraná, é considerada vital pela presidente Dilma Rousseff para o escoamento de parte da produção de grãos do país. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, a chefe do executivo deixou claro que as obras da estrada só decolaram em função do esforço pessoal dela durante os anos de 2007 e 2008, enquanto ainda era ministra da Casa Civil.
Orçamento paralelo
Adiar a liberação de recursos por meio do mecanismo dos ;restos a pagar; virou praxe nos últimos anos. A prática, no entanto, é de alto risco para a dinâmica orçamentária. Até janeiro, o estoque esperando para ser honrado nessa rubrica, segundo estimativa do Banco Itaú, era de R$ 133 bilhões, referentes aos anos de 2007 a 2010. O pagamento de investimentos previstos no ano passado pode ser automaticamente feito em 2011. Já o desembolso de valores referentes aos períodos anteriores dependem de decreto assinado pelo ex-presidente Lula, que deixará de valer em abril. Se não houver renovação, tudo será cancelado. Somente no Ministério das Cidades, são R$ 18 bilhões que poderão deixar de ser pagos, gerando reclamações dos municípios que aguardam o dinheiro.