;No ano passado, parcelei alguns produtos para a minha cozinha. Em fevereiro, dividi um notebook em 12 parcelas, mas parei por aí. A partir de agora, só vou comprar à vista;. A declaração do funcionário público Júlio César Garcia, 43 anos, reflete o comportamento atual do brasileiro. Após o período de forte incentivo ao consumo, os cidadãos parecem começar a notar que o momento é favorável para colocar ordem nas contas pessoais.
Os dados de março da pesquisa Endividamento e Inadimplência do Consumidor, divulgada na terça-feira (22/3) pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), apontam que 64,8% das famílias brasileiras possuem alguma dívida em vigência, alta de 1,8% na comparação com o mesmo período do ano passado. Dos lares endividados, 8,4% declararam não ter condições de honrar seus compromissos.
Para a CNC, a maior percepção da incapacidade de conseguir pagar suas contas é motivo de atenção. ;Isso mostra que pode haver aumento da inadimplência no país nos próximos meses, mesmo que de forma moderada;, disse Marianne Hanson, economista da instituição. Ela destacou que os níveis anteriores estavam baixos. ;Esses números, por enquanto, ainda não são alarmantes, mas requerem atenção;, ressaltou. O número de famílias que declararam ter alguma conta atrasada ficou estável em relação a fevereiro (23,4%), e caiu na comparação com março de 2010 (27,3%).
Porém, frear o avanço da inadimplência requer revisão dos padrões de consumo, o que nem sempre é uma tarefa fácil. Que o diga o vendedor Jurandir de Sousa e Silva, 43 anos. Ele ainda não conseguiu adequar seu orçamento e revelou que está pendurado em dívidas, a maioria adquirida no período em que ficou afastado do emprego ; e que já estão vencidas. ;Comprei uma estante no cartão da loja e só paguei duas prestações. Isso já faz um ano e ainda não consegui regularizar;, lamentou. Para o vendedor, o início de ano é um período propício ao endividamento. ;O IPTU e o IPVA sempre pesam. A gente acaba deixando de pagar uma coisa para quitar outra, mais prioritária. É complicado conseguir deixar tudo em dia;, explicou Jurandir, que espera quitar as dívidas nos próximos 12 meses. ;Me enrolei, mas aos poucos estou conseguindo pagar.;
A preocupação do brasileiro em normalizar a situação de contas atrasadas em um período mais curto também foi identificada pela CNC. Na média de março, o consumidor demorou até 58,6 dias para livrar-se dos débitos. Entre as principais formas de endividamento, as campeãs foram as faturas de cartões de crédito, seguidas pelos carnês de pagamentos e as parcelas de crédito pessoal.
Cenário desfavorável
Com cenário econômico desfavorável, os consumidores deixaram de realizar novas compras. A CNC revelou que o índice de Intenção de Consumo das Famílias (ICF) teve, em março, recuo médio de 1,9%. ;A gente observa uma certa desacerelação do ritmo de consumo, embora ele ainda esteja crescendo de maneira mais fraca;, afirmou o economista Fábio Bentes. Na comparação com o mesmo período do ano passado, o indicador teve ligeira alta de 0,9%.
Na avaliação da CNC, as medidas prudenciais adotadas pelo governo levaram o consumidor a refletir melhor sobre as prioridades de compra. ;A gente teve resultados muito positivos em 2010, devido ao avanço de postos no mercado de trabalho e à facilitação no acesso ao crédito. Mas, agora, estamos em outro cenário, com a taxa de juros mais alta dos últimos 15 meses;, explicou Bentes.
O pior desempenho ficou por conta dos bens duráveis ; como eletrodomésticos de linha branca e automóveis ;, que tiveram recuo de 6,9%. O nível de satisfação com o atual emprego também diminuiu (2,2%).