postado em 03/05/2011 08:00
A rápida expansão do setor imobiliário no Brasil está dinamizando a economia, mas trouxe um efeito indesejado: o aumento no tempo de espera pelas chaves da tão sonhada casa própria. Dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp) revelam que, de 2007 para cá, o prazo estabelecido em contrato para a entrega de construções nas capitais brasileiras e nas principais regiões metropolitanas passou de dois a dois anos e meio para, em média, três a quatro anos. Além disso, os clientes enfrentam atrasos para receber os apartamentos comprados na planta. O planejamento feito pelas famílias para a mudança fica comprometido e transtornos são inevitáveis.
Na avaliação do diretor da Embraesp, Luiz Paulo Pompéia, o Brasil não se preparou para o boom no segmento da construção civil. Em 2008 e 2009, grandes investidores apostaram que a crise internacional não atingiria o país e continuaram aplicando recursos aqui, fazendo o número de novos empreendimentos crescer exponencialmente. ;Os problemas ocorrem em todo o território nacional. Mas são mais graves nas cidades com atividade imobiliária intensa, como Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Manaus e Salvador;, ressalta Pompéia.
Segundo as empresas, o principal motivo para a demora na entrega de imóveis é a falta de profissionais capacitados. Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que a falta de mão de obra qualificada atinge 89% das construtoras. A escassez não se limita às vagas mais especializadas. Entre os empresários que enfrentam dificuldades com as contratações, 94% não encontram trabalhadores de nível básico, como pedreiros e serventes. ;Esses profissionais não são formados. Eles são práticos. Quando comprovam experiência, chegam a receber mais do que os engenheiros na mesma obra;, diz o diretor da Embraesp.
Pelos dados da CNI, na avaliação de 61% dos empresários, a baixa oferta de mão de obra qualificada reduz a produtividade do setor. Para 59% dos entrevistados, ela compromete a qualidade das obras. Outros 57% dizem ter problemas com o cumprimento dos prazos. Quando se observa apenas o ramo da construção de edifícios, a proporção de empresários a afirmar que o principal impacto é a dificuldade em cumprir os prazos sobe para 64%.
O gerente executivo da Unidade de Pesquisa da CNI, Renato da Fonseca, explica que o descompasso entre a oferta e a procura por trabalhadores qualificados foi provocado pelo aumento do ritmo da indústria da construção civil nos últimos anos. ;Se o empregado não é capacitado, ele não faz o serviço direito, ou demora muito mais tempo para terminar. Em muitos casos, o trabalho precisa ser refeito;, observa. Ele diz ainda que, na maioria dos casos, o profissional qualificado acaba ocupando todo o seu tempo para supervisionar e orientar os demais. ;Dessa forma, a produtividade cai e os atrasos aumentam.;
Frustração
Há três anos, a professora Ana Paula Costa e Silva, 38 anos, imaginou que seria boa opção a compra de um apartamento em Águas Claras, onde já morava. A obra estava prevista para ser entregue em novembro de 2010, mas, até agora, Ana espera, com as malas prontas. A construtora não conseguiu finalizar as obras a tempo e estendeu por três meses o novo prazo, que se encerraria em fevereiro. Na data prevista, em vez de entregar as chaves, a incorporadora convocou os proprietários para vistoriar o edifício. Durante a visita, os clientes constataram falhas no acabamento, tanto dos apartamentos quanto das áreas comuns. Além de janelas que não fechavam, as cores da fachada eram diferentes das prometidas.
;Meu bebê nasceu em fevereiro. A nossa expectativa era estar morando no novo apartamento quando isso acontecesse. Vendemos nosso outro apartamento para poder quitar o novo. Agora, estamos na casa da minha sogra;, relata. Para o marido da professora, o servidor público Fábio Rodrigues, 41 anos, a maior decepção foi a falta de qualidade na obra. ;A gente espera mudar até agosto. Se tudo der certo;, prevê.
O funcionário público Ginaldo do Nascimento, 45 anos, também enfrentou atrasos em obras. Em 2006, ele fechou a compra de um apartamento, que deveria ter sido entregue em dezembro de 2009. Mas a mudança só foi feita um ano depois. ;Durante esse período, precisei gastar com aluguel;, reclama. Segundo ele, seu contrato previa prazo de carência de apenas 120 dias úteis, com multa mensal de 1% do valor total do imóvel. Nascimento entrou na Justiça para reivindicar o ressarcimento dos valores desembolsados com a moradia por causa da demora. ;Esse não foi o único caso de atraso que enfrentei. Isso não aconteceria se a Justiça fosse mais rígida com essas empresas, punindo-as de maneira expressiva;, avalia.
Capacitação
O presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Distrito Federal (Ademi/DF), Adalberto Valadão, garante que, diante do cenário de escassez, os empresários têm se esforçado para minimizar os problemas por meio da capacitação dos trabalhadores. ;Temos buscado alternativas para reduzir a necessidade de mão de obra, como a mecanização das atividades. O esforço tem sido grande, pois não queremos que as obras sejam entregues fora do acordado. O cliente quer se mudar na hora planejada;, observa.
As construtoras alegam que concentram esforços, também, para cumprir os prazos fixados nos contratos e diminuir o volume de clientes insatisfeitos. ;Um dos principais desafios para 2011 será entregar as nossas obras nas datas fechadas com os clientes;, diz o executivo regional de uma das maiores incorporadoras do país.
Especialistas em direito do consumidor consideram fundamental que o proprietário observe todos os itens do contrato antes de fechar o negócio. O documento detalha condições que costumam causar aborrecimentos, como a cláusula de carência ; prazo presente em quase todas as negociações, que permitem as construtoras estender a data de entrega do imóvel, considerando eventuais contratempos.
Multa
Construtoras usam o prazo de carência, que varia de 60 a 180 dias, para entregar imóveis sem enfrentar ações na Justiça. O deputado federal Eli Correa Filho (DEM-SP) apresentou um projeto de lei que propõe o fim da extensão da data de entrega. O texto está em análise na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara e ainda deve passar pelas comissões de Direito do Consumidor e de Constituição e Justiça, antes de ser votado no plenário e seguir para o Senado. Se a proposta for aprovada, a empresa que descumprir o contrato poderá receber multa de 2% do valor do imóvel, além de pagar juros moratórios de 1% ao mês até a data de entrega.