postado em 15/06/2011 08:55
A viúva Aldenora da Silva Damasceno, 85 anos, não esconde a indignação. Apesar de, religiosamente, descontar em seu contracheque mensal o plano de saúde garantido pela Marinha Naval, foi obrigada a desembolsar cerca de R$ 3 mil por uma cirurgia de catarata. O gasto, que comprometeu o orçamento doméstico da aposentada, conforme relatou a sua sobrinha Rosângela Araújo da Silva, 53, foi necessário porque o convênio não aprovou o procedimento a tempo. ;Foi um absurdo. Quando saiu a autorização do plano, eu já tinha realizado a cirurgia com meu próprio dinheiro;, contou Aldenora.Mãe do menino Davi, de dois anos, Talita Silva Naves, 23, também se mostra revoltada. Apesar de manter em dia a mensalidade de R$ 230 do plano Golden Cross, teve que desembolsar R$ 60 a mais por um atendimento de emergência do Hospital Daher. ;Felizmente, não foi nada grave. Apenas um torcicolo do meu marido. Mas fico imaginando o quanto teria pago se o caso fosse mais grave. Certamente, não teria como arcar com a despesa;, afirmou. ;Já temos gastos demais com o plano e esperamos ser atendidos quando for preciso. Não podemos pagar valores adicionais;, acrescentou.
As duas histórias ilustram o quadro perverso ao qual a população brasileira foi submetida pelas operadoras de planos de saúde. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que o índice que mede as reclamações dos conveniados duplicou entre dezembro de 2010 e abril deste ano: de 0,29 para 0,62 ponto. Somente nos dois primeiros meses do ano, o órgão regulador registrou 28.318 queixas e consultas. Mas, apesar de tanta insatisfação, nada indica que a situação vá melhorar, um suplício para os que já não podem contar com o atendimento da rede pública de saúde.
O descaso está disseminado: são muitos os casos em que os planos negam cobertura de cirurgias, frequentes as descobertas de cláusulas contratuais abusivas e constantes os aumentos injustificados das mensalidades. Mas não é só. Marcar uma simples consulta pelo plano pode levar até dois meses. Se o atendimento exigir procedimentos mais sérios, a demora para a autorização pode chegar a um ano. Não à toa, nesses casos, várias pessoas morrem antes de o sinal verde dos planos chegar.
Confiança
A professora Cleonice Veiga Rodrigues, 57 anos, que o diga. Associada à Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi), ela tem tido dificuldades para garantir a cobertura de consultas com os médicos de sua confiança. Alguns deles, por sinal, deixaram de aceitar a Cassi por causa dos baixos valores pagos pelos seus serviços. ;Está tudo muito ruim. Dependendo dos procedimentos, o convênio exige laudos médicos cada vez mais complicados.
Entre um exame e outro, pedem justificativas inacreditáveis;, relatou. O resultado disso, segundo ela, é só dor de cabeça. ;O desgaste é tão grande que as pessoas ficam ainda mais doentes. A sensação de desproteção é enorme;, assinalou.
O clínico geral João Batista de Araújo não atende plano da Cassi desde 2005. Para ele, o melhor é lidar com clientes particulares, pois não há intermediários na relação.
;Hoje, trabalho com mais qualidade, dou mais atenção aos pacientes e não fico à mercê dos planos que pagam valores muito baixos pelas consultas;, argumentou. O oftalmologista José Altino Souza Martins reconhece as dificuldades de relacionamentos com as seguradoras e operadoras de planos.
Mas ele admite que aceita convênios porque arca com o aluguel de sala em que atende e precisa investir em equipamentos. ;Trabalho oito horas por dia e 90% dos que passam pelo meu consultório são atendidos por meio de planos. É uma forma de sobreviver, de ter escala, de ter o consultório cheio;, disse.
Multa pesada
Especialistas recomendam que os consumidores não se intimidem e denunciem as irregularidades cometidas pelos planos.
A orientação é recorrer à ANS, aos Procons e à Justiça. O diretor do Procon-DF, Oswaldo Morais, afirmou que as multas aplicadas às empresas podem chegar a R$ 3 milhões, dependendo da gravidade. Mas, na visão do advogado João Tancredo, o Judiciário deveria ser mais rigoroso nas punições, de forma a garantir o bom atendimento.
Aos 78 anos de idade, Maria Rosa Veiga se cansou dos planos e do péssimo atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, para bancar todos os exames pelos quais vem passando está queimando patrimônio ; mais precisamente, algumas cabeças de gado que acumulou em anos de trabalho. Ela já gastou R$ 4 mil em testes de risco cirúrgico e terá de pagar as despesas de uma cirurgia de carótidas. ;Como não tenho plano de saúde e o sistema público tem filas intermináveis, o médico recomendou pressa na operação. Ainda bem que trabalhei duro muitos anos e, agora, posso pagar para tratar de minha saúde. De graça, em hospital público, a gente morre à míngua;, resignou-se.