Modelo de organização supranacional, a União Europeia ancorada no euro, a moeda comum nascida em 1; janeiro de 2002 e adotada por 17 de seus 27 países associados, chegou à porta do inferno.
Assombrados pela bancarrota explícita de vários de seus membros, como Irlanda, Portugal e Grécia, este em estado terminal, e mais ou menos implícita de Espanha, Itália e Bélgica, os governantes europeus demonstram exaustão depois de quase três anos de crise, sem nenhuma trégua, desde que Wall Street foi flagrada pelada em setembro de 2008 ; e se descobriu a irrealidade da fortuna movida a dívidas, nas últimas duas décadas, entre os países avançados.
As declarações dos líderes europeus soam patéticas, revelando a sua incapacidade de solução para o imenso fosso entre as dívidas construídas pelos países menos desenvolvidos da zona do euro e os seus credores ; basicamente, bancos e fundos da Alemanha, França, Holanda, Itália e Espanha, todos da área mais rica da Europa.
Não se sabe o que virá. Mas a suspeita ; de Washington a Pequim, de Tóquio a Berlim, Brasília a Paris ; é que o tempo das medidas convencionais de ajuda a economias insolventes está passando, se é que não já passou, podendo em algum momento por tudo outra vez de pernas para o ar: a estabilidade financeira global, com risco de novo colapso bancário, e a recessão acumulada com deflação.
Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, disse na quarta-feira que está acesa a luz vermelha de advertência das dívidas da zona do euro ; segundo ele, a maior ameaça enfrentada pela União Europeia desde a sua constituição.
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, falando ao parlamento no mesmo dia, declarou que não quer ser ;responsável; pela ruína do euro, como que reconhecendo a impotência da quarta maior economia do mundo para tirar a Europa do marasmo e, implicitamente, também assumindo que o contribuinte alemão vai ter de pagar boa parte do resgate dos sócios europeus combalidos. A alternativa será largar o euro. A desconfiança é que eles não contam toda a verdade.
Tumor não removido
São os bancos alemães (não a situação falimentar da Grécia) que preocupam a primeira-ministra da Alemanha, assim como é a banca francesa, também credora de endividados desprovidos de riqueza para solver o que receberam, que empalidece o presidente Nicolas Sarkozy, da França. Está tudo encadeado. Mais na UE, mas com repercussões que se estendem aos mercados globais.
Bancos do mundo todo carregam um naco dos ativos financeiros sem lastro em bens reais dos Tesouros nacionais europeus. Mas se dá o mesmo nos EUA e em outras economias avançadas, sendo esta a causa do colapso do sistema financeiro do Ocidente. Três anos depois da explosão da bolha que o acobertava, esse tumor não foi removido.
Dívida mudou de mão
Não houve solução estrutural nenhuma. As obrigações só mudaram de mão. Os passivos financeiros privados foram encampados pelos Tesouros soberanos, com a mediação dos bancos centrais, conforme a crença de que os bancos eram grandes demais para quebrar, o tal ;too big to fail;. O que era dívida privada se tornou pública.
Mas o problema não sumiu. Não houve estatização, mas a troca de papéis tóxicos por ativos de dívida pública, o que é diferente de as partes darem baixas das dívidas e de seus créditos. O caixa de bancos centrais e de outros entes estatais continua precisando da boa-vontade dos mercados, absurdamente alimentados pelo carrossel de liquidez dos mesmos bancos centrais. É o que está por trás da política de emissões do Federal Reserve batizada de quantitative easing, cuja segunda versão, daí a sigla QE-2, acaba este mês.
De vilões e vítimas
E o que Grécia, ou Portugal, Irlanda, tem a ver com isso? Ela é vilã, porque já não consegue levantar dívidas ou rolá-las de modo voluntário no mercado financeiro, que teme a insolvência do país. E duplamente vilã porque se endividou para financiar gasto fiscal corrente, não para criar produção que gerasse renda e tributos.
Mas é vítima também, porque o credor sabia do risco, sobretudo a banca europeia. Ela carreou para a Grécia, Portugal e Irlanda boa parte dos dinheiros recebidos do Banco Central Europeu a juros de 1% anuais dentro do programa para blindar a zona do euro da crise brotada em Wall Street. Tais países, e mais a Grécia, em situação pior, estão cortando gastos na carne e elevando impostos para ter a ajuda que impeça a moratória de suas dívidas, afundando a elite bancária da Europa e o euro. Não há mocinhos no drama europeu.
Quem pede socorro
O endividamento da Grécia ou Portugal não é como o do Brasil ou da Argentina, que ficaram insolventes nos anos de 1980 e 1990 e foram atendidos pelo Fundo Monetário Internacional e por planos de reestruturação voluntária de dívida. A Argentina quebrou outra vez em 1999, mas unilateralmente, e também se recuperou.
Brasil e Argentina tinham uma economia a salvar. Grécia e outros da Europa só têm uma política de bem-estar social superior à dos antigos criadores de problemas no mercado global. Para que sejam economias viáveis, Alemanha, França e outras potências vão ter de investir nesses países e perdoar o que devem. Mas antes terão de salvar os seus próprios bancos para que o euro faça sentido.