postado em 01/08/2011 07:20
Depois de mais de três meses do início das negociações e uma guerra fratricida entre republicanos e democratas, o presidente Barack Obama conseguiu uma vitória importante ontem, talvez a maior após a derrota imposta ao terrorista Osama Bin Laden, em maio. O líder norte-americano conseguiu costurar no Congresso, a um dia do prazo-limite para o default (calote) dos títulos públicos do país, um acordo final para elevar o nível do endividamento dos EUA, hoje em US$ 14,3 trilhões. Mas o preço foi alto. Além de cortes de US$ 2,5 trilhões nos gastos públicos ; sendo US$ 1 trilhão em 10 anos e o restante a negociar ;, a sangria na popularidade de Obama o deixou mais fraco para disputar a reeleição em 2012.A apenas 27 horas e 20 minutos do fim do prazo para o histórico calote, o presidente dos EUA fez o pronunciamento esperado pelas maiores economias mundiais e pelo mercado financeiro. ;Quero anunciar que os líderes dos dois partidos alcançaram um acordo que vai cortar gastos e evitar um default;, disse Obama. ;A primeira parte desse acordo vai cortar cerca de US$ 1 trilhão nos próximos 10 anos, ajustes com que ambos os partidos concordaram;, completou. Com a redução, os EUA terão o nível mais baixo de gastos desde o governo do republicano Dwight Eisenhower, de 1953 a 1961.
Embora a Casa Branca e oposição tenham chegado a um consenso para aumentar o teto da dívida em US$ 2,4 trilhões, a votação da proposta só deve ser concluída hoje pelo Congresso. ;Não terminamos ainda: quero pedir aos membros de ambos os partidos que façam a coisa certa e apoiem esse acordo com seus votos nos próximos dias;, disse Obama, que corre contra o tempo ; o prazo para o default se encerra à meia-noite de hoje.
Equilíbrio
Abatido, Obama lembrou que as discussões no Congresso foram mais longe do que deveriam, mas terminaram de forma satisfatória. ;Também asseguramos para que esses cortes não acontecessem de forma tão abrupta. A solução definitiva para o deficit precisa ser equilibrada;, acrescentou o presidente. O acordo não incluiu o aumento de impostos, como queriam os democratas. Eles concordaram amplamente sobre o primeiro US$ 1 trilhão em cortes e acertaram que um comitê especial, nomeado pelo Congresso, definirá o cronograma da parcela adicional de US$ 1,5 trilhão. O acerto inclui medidas automáticas a serem adotadas para obrigar a redução dos gastos caso o Legislativo se recusar a impor sacrifícios aos programas governamentais.
Se não conseguisse fazer novas emissões de títulos e rolar a dívida pública norte-americana, o Tesouro do país não teria, já amanhã, como honrar os compromissos com os investidores ; situação que conduziria o país a uma crise sem precedentes. Mais: o calote teria, segundo especialistas, potencial para levar a economia internacional a uma nova depressão. ;O mundo olha os Estados Unidos com apreensão, ansiedade e preocupação, mas também com esperança;, disse a diretora gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, antes do fechamento do acordo. A agência Moody;s, que ameaçou rebaixar o rating dos EUA, avaliou o desfecho de ontem como positivo.
A economia norte-americana alcançou seu limite de endividamento em 16 de maio e usou ajustes de contabilidade, assim como receitas fiscais mais altas que o previsto, para seguir operando normalmente ; mas o prazo final para essas manobras dariam combustível ao país apenas até hoje. Líderes empresariais e financeiros advertiram que o não cumprimento dos pagamentos se traduziria em consequências catastróficas para a economia dos EUA. Cambaleante, ainda sob os efeitos do estouro da bolha imobiliária de 2008, o país luta com um persistente desemprego, atualmente em 9,2%.
Curativo
Independentemente da solução tomada pelos parlamentares norte-americanos, há um sentimento de que a medida será apenas um curativo na ferida. Para economistas, a solução não toca na questão principal: o governo gasta mais do que consegue arrecadar em impostos. Institutos de pesquisa dos EUA afirmam que cerca de 80% dos cidadãos norte-americanos não estão satisfeitos com a gastança acima das receitas ; embora ninguém abra mão de sacrificar os programas de assistência social e médica, os principais responsáveis pelo aumento nas despesas.
Bagunça
;Deixamos passar uma grande oportunidade de alcançar um amplo acordo, e não estou certo de que os incentivos serão suficientemente ajustados para fazer com que o acerto funcione no futuro;, disse o democrata Chris Van Hollen, um dos principais nomes do comitê de orçamento da Câmara dos Representantes. Mesmo com todas as intrigas envolvendo a batalha entre democratas e republicanos, há um consenso de que o país caminha a passos largos para uma situação insustentável. No atual ritmo de gastos, os EUA precisariam crescer a um ritmo anual de 6% ; o dobro da estimativa para os próximos anos.
Aos olhos do economista Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central e atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a crise dos Estados Unidos acende um alerta no Brasil. Para ele, uma onda de default mundo afora seria capaz de bagunçar a economia, afetando preços internacionais e o país. ;A falta de pagamento no momento em que todo o mundo está crescendo menos e a Europa busca soluções para a dívida soberana é algo muito grave;, afirmou.
Creomar de Souza, professor de relações internacionais do Ibmec-DF, acredita que a situação dos EUA, independentemente do acordo fechado, a situação dos EUA não será a mesma. ;A questão é: quão ruim será esse plano para os democratas e suas políticas sociais?;, indagou. Desde o começo da crise envolvendo o aumento do teto da dívida norte-americana, a disputa política ganhou o palco. Todas as propostas apresentadas consideravam a austeridade fiscal, mas os intuitos e interesses os colocaram em lados opostos. (Colaboraram Fábio Monteiro e Jorge Freitas)