Rosana Hessel
postado em 14/08/2011 08:00
O Brasil e os principais mercados emergentes não terão para onde correr caso a atual instabilidade financeira nos mercados se transforme em recessão. Na análise da maioria dos economistas, a ameaça é real. A presidente Dilma Rousseff, o ministro Guido Mantega (Fazenda) e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, unificaram o discurso e passaram os últimos dias a repetir o mantra que pede cautela a consumidores e investidores. Reiteraram insistentemente que o Brasil está preparado para enfrentar turbulências. Se essa crise fosse uma ;marolinha;, as três pessoas mais importantes para a economia do país não estariam tão mobilizadas em torno do tema, argumentam especialistas.O problema não é só as bolsas derreterem. O mercado financeiro em queda é apenas o primeiro sinal de uma crise que pode chegar ao bolso do consumidor, afetar empregos e investimentos. As ações, até agora, só refletem o temor dos investidores de que algum país europeu deixe de pagar suas dívidas e que, por causa disso, bancos credores enfrentem dificuldades em seus fluxos de caixa e não façam mais empréstimos. O medo é que, em caso extremo, instituições financeiras quebrem, levando ao ressurgimento do pesadelo de 2008: o fim de linhas de crédito, a falta de recursos para o financiamento de consumidores e de empresas e, em consequência, a retração da economia.
O governo brasileiro, porém, está se armando como pode para encarar a crise (veja quadro). Vitoria Saddi, economista da SM Gestão de Futuros, avalia que o país está mais preparado para enfrentar as turbulências externas. Mas faz ressalvas. ;O país tem reservas maiores, mas elas não são do governo. São dos bancos. Eles podem pegá-la de uma hora para outra e sair do país;, alerta. Na avaliação de Vitoria ; que já trabalhou com Nouriel Roubini, o economista que previu a crise financeira de 2008 e é conhecido por Doutor Destino, por suas projeções catastróficas ;, o problema da Europa é grave e semelhante ao dos Estados Unidos. ;A situação é muito diferente da crise de 2008, com dois centros e não apenas um. Portanto, o impacto será maior;, estima.
Vitoria demonstra preocupação com a forte oscilação das bolsas de valores. ;A volatilidade é muito ruim e só aparece em momentos de crise. A intensidade que ela apresentou ao longo da semana é comparável somente à verificada em 2008 e em 1930;, afirma. Uma das receitas tradicionais contra uma recessão, a adoção de medidas anticíclicas, a exemplo da oferta de crédito para incentivar o consumo interno, poderá não funcionar. ;Hoje, o consumo do brasileiro é elevado e as pessoas poderão ficar cada vez mais endividadas se tiverem acesso a financiamentos. A crise imobiliária nos EUA foi decorrente disso. O brasileiro pode ir pelo mesmo caminho.;
O diagnóstico dos especialistas é de que, mais cedo ou mais tarde, o consumo global vai cair, o que trará reflexos principalmente para países exportadores de commodities (produtos básicos com cotação internacional), como o Brasil. A maior preocupação, entretanto, é com a China, que está longe de uma recessão, mas desacelera a passos largos e deve apresentar, este ano, resultados muito diferentes dos apurados no início de 2000, quando o termo ;crescer a taxas chinesas; era sinônimo de números exuberantes. Se a nação oriental que é a maior consumidora de insumos do mundo reduzir o ritmo, a saldo comercial dos emergentes vai despencar, prejudicando expressivamente os exportadores.
Fluxo comercial
Os Estados Unidos, também um dos maiores clientes dos emergentes, flertam com uma nova recessão e podem se tornar um problema para os exportadores de commodities. O setor é tão sensível no Brasil que apenas no primeiro trimestre do ano as vendas internacionais foram responsáveis por 10,7% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país). Por isso, uma parada brusca nos fluxos comerciais desencadearia prejuízos em cascata para empregados e para a cadeia de fornecedores.
;Se a crise se aprofundar lá fora, perdermos saldo comercial e houver a necessidade de as filiais remeterem dinheiro para suas matrizes, a crise estará instalada no Brasil. Entretanto, temos US$ 350,8 bilhões de reservas internacionais para responder a isso;, argumentou Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). Em relatório divulgado na semana que passou, o economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, traçou o mapa de como a crise chegará aqui, a seu ver: ;O aumento da incerteza e da aversão ao risco levaria à diminuição da confiança dos consumidores. Esses efeitos, ao lado da perda de riqueza produzida pela queda dos preços de ativos, reduziriam o consumo e impactariam negativamente o PIB;.
Para especialistas, diferentemente de 2008, não há mais espaço para o consumidor comprometer a renda e, ao mesmo tempo, fazer a economia girar ; naquela ocasião, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva incentivou os trabalhadores a consumir. Hoje, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), 63,5% das famílias têm débitos e 18% se declaram ;altamente endividadas;.
Freio no consumo
Pelos números do Banco Central, o endividamento das famílias avançou 58,4% entre o auge da crise, em setembro de 2008, e maio de 2011, quando começaram os primeiros sinais da atual turbulência. As contas mais caras, acima de R$ 50 mil, aumentaram 112,2%. ;A compra de bens duráveis já vem desacelerando, principalmente depois das medidas do BC que afetaram o consumo. Parte desse freio também tem a ver com o endividamento das famílias;, justifica Bruno Fernandes, economista da Confederação Nacional do Comércio.