postado em 28/08/2011 08:00
Alternativa criada nos anos 80 para adquirir um bem na época de inflação alta e crédito escasso e caro, os consórcios continuam fazendo sucesso entre os brasileiros, mesmo com a oferta de financiamentos a custos bem mais baixos que no passado. A venda de novas cotas das diversas modalidades de bens atingiu a marca de 1,29 milhão, um crescimento de 28% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2010. Para aquisição de carro, foram cerca de 414 mil novas adesões em todo o país, 56% mais que nos primeiros seis meses do ano passado, segundo dados da Associação Brasileira das Administradoras de Consórcios (Abac).A prestação inicial mais baixa e a propaganda de que não há cobrança de juros são os atrativos determinantes para quem escolhe adquirir um bem por meio de consórcio. Mas o que parece ser um bom negócio se torna desvantajoso para a maioria dos participantes. ;No consórcio, a pessoa paga outro para juntar seu dinheiro, sem receber os rendimentos;, resume o professor de finanças da Fundação Getulio Vargas Fábio Gallo. ;Pode ser vantajoso para os primeiros sorteados. Mas aí não é investimento, passa a ser jogo;, critica ele.
Para o professor da Fundação Instituto de Administração (FIA) Ricardo Humberto Rocha, também especialista em finanças pessoais, essa expectativa de ser sorteado logo explica o sucesso dos consórcios entre as pessoas que precisam de ter uma obrigação ; o carnê com as prestações ; para poupar. ;Dar um lance vencedor para receber logo a carta de crédito é outra ilusão de que está se dando bem;, avisa. ;Se a pessoa já tem um valor de entrada, menos tempo ela precisará para poupar para comprar à vista;, observa Rocha. Com mais dinheiro na mão para reduzir o valor emprestado, o consumidor consegue financiar com custos totais mais baixos que o do consórcio, lembra Fábio Gallo.
A propaganda do consórcio se baseia na premissa de que não há cobrança de juros, já que é um sistema de autofinancimento, em que um grupo de pessoas se cotiza para aquisição de um bem. Mas há custos que pesam no bolso ; a taxa de administração, o seguro de vida e o fundo de reserva, para cobrir desequilíbrios financeiros. Esse último pode até ser devolvido ao participante, mas somente se houver alguma sobra no fim do grupo.
Custo alto
O Correio fez simulações da evolução de uma cota de consórcio de um veículo de R$ 50.912 em 60 meses, com prestações iniciais de R$ 992,87, em comparação com um financiamento a custo mensal efetivo de 2,2% (taxa de juros mais tributos) cobrado pelos principais bancos. As contas revelam que o consórcio só será vantajoso se o participante for sorteado em até 24 meses. Do contrário, melhor teria sido poupar os valores mensais para dar de entrada num financiamento ou para comprar à vista.
No 25; mês, a diferença da prestação paga em um e outro sistema é muito pequena, que não compensa o risco que o consorciado vai correr de arcar com prestação maior em virtude de reajuste dos preços do carro escolhido no período que falta para o fim do grupo (veja quadro). Além de não ter desconto no saldo devedor se decidir quitar antecipadamente o contrato. No caso de financiamento, a lei manda expurgar os juros embutidos nas prestações a vencer em caso de liquidação antes do fim do contrato.
Se depositasse o valor das mensalidades na poupança, que é o investimento mais conservador, o consumidor teria o carro de R$ 50.912 em três anos e 10 meses, considerando um rendimento mínimo ao mês de 0,5%. Caso consiga um empréstimo com custo (taxa de juros mais tributos) abaixo de 2,2% ao mês, o consórcio já se torna mau negócio bem antes de dois anos de pagamento. ;Essa modalidade de aquisição de bem tem altas taxas de gestão. As pessoas não fazem as contas;, afirma o professor Fábio Gallo. As simulações levaram em conta um dos consórcios mais baratos do mercado. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, cobra uma das taxas de administração mais altas e o consórcio sai mais caro.
Lance
A alternativa de dar o lance para retirar logo a carta de crédito pode ser outra armadilha, porque, na prática, é como se fosse a entrada de um financiamento. É preciso fazer as contas para verificar quanto vai sair na prática. No início dos grupos, é difícil ser contemplado com lance inferior a 50% e 45% do valor contratado. No exemplo da reportagem de carta de crédito de R$ 50.912 para pagar em 60 meses com parcelas de R$ 992,87, o carro sairá pelo equivalente a juros de 1,8% ao mês. Ou seja, não há vantagem em arcar com um custo desses até quitar todas as parcelas remanescentes, correndo risco de arcar com prestação mais alta em virtude de reajustes do veículo nesse período.
Com uma entrada nesse montante, existem opções de financiamento com juros bem mais baixos nas concessionárias. Ou seja, vai custar menos que o consórcio. Para incentivar os participantes, desde o primeiro mês, algumas administradoras oferecem, além do lance livre, a opção do lance fixo, de 20% do saldo das prestações restantes, podendo ser pago com o valor da própria carta de crédito. Mas, como muitos querem dar esse percentual de lance, é preciso fazer sorteio. E a contemplação pode demorar, tornando a opção cada vez menos vantajosa.
O último participante consegue ver com clareza como pagou para economizar. No caso de uma carta de crédito de R$ 50.912 em 60 meses com prestações de R$ 992,87, ele terá desembolsado até o fim R$ 59.572,20, sem contar eventuais reajustes da prestação quando o carro fica mais caro. Mas receberá os R$ 50.912. Se esse participante tivesse aplicado os mesmos R$ 992,87 na poupança, teria juntado ao final R$ 70 mil após 46 meses.
As administradoras de consórcio defendem o sistema alegando que se trata de uma ;compra programada;. Para os especialistas em finanças, é opção para quem não tem disciplina para poupar. Mas o consumidor tem que estar ciente de que está pagando mais por isso, alertam. ;Sempre sou favorável que se poupe para comprar à vista. O que noto é que as pessoas têm dificuldades para se programar e guardar dinheiro;, diz Humberto Rocha.