Economia

Inflação em alta e medo do desemprego fazem o brasileiro pisar no freio

postado em 18/09/2011 10:32
A dona de casa Maria José Lopes Faria, 58 anos, se acostumou com tempos de bonança. Beneficiada pelo movimento que levou mais de 40 milhões de pessoas à nova classe média desde 2001, ela não apenas passou a ter acesso a produtos que antes não estavam ao seu alcance, como conseguiu concretizar um sonho acalentado por mais de 20 anos: construir a casa própria. O rompimento dessa fronteira não foi, porém, uma garantia de manutenção do poder de compra. Hoje, com a crise mundial no horizonte e o temor do desemprego de volta, Maria José e os outros 105,4 milhões de brasileiros, mais da metade da população nacional com renda familiar entre R$ 1,2 mil e R$ 5,1 mil, sentem no bolso o mal da inflação. A escalada dos preços, principalmente de alimentos e serviços, está corroendo o orçamento dessa gente.

Nos últimos 12 meses, o custo da alimentação e das bebidas saltou 10,41%, bem acima da inflação média do período, de 7,23%. O vestuário e o transporte também subiram: 9,37% e 5,67%, respectivamente. No caso da moradia, a elevação foi de 6,42%. Diante dessa realidade, as famílias da classe média ; que se tornaram mais exigentes nos últimos tempos, lotaram supermercados, passaram a viajar de avião e a comprar computadores, carros e imóveis ; terão de rever os hábitos.

Maria José já está sentindo o baque da mudança. Em sua casa, são cinco pessoas sustentadas por uma renda total de R$ 4 mil por mês. Para se adequar a um cenário que preocupa o Brasil e ameaça empurrar milhões de pessoas de volta para a pobreza, ela passou a controlar as despesas na ponta do lápis. ;Estamos gastando mais com alimentação. Não posso cortar, por exemplo, as frutas da minha neta. O jeito foi diminuir as viagens a deixar faltar produtos na mesa;, diz.

Motivos não faltam para tamanha cautela. Dados do Data Popular revelam que os compromissos mais pesados da classe média estão relacionados justamente às categorias mais impactadas pela inflação. Alimentação, habitação e transportes consomem, juntos, 62% do orçamento dos lares. O impacto final da inflação, contudo, varia bastante. Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que a alta dos serviços, que incluem viagens, hotelaria e restaurantes, prejudica, sobretudo, os menos abastados. ;Cada 10% de aumento na inflação implicam queda de 6% no poder de compra da população que está no topo da pirâmide, nas classes A e B. Nas demais, com esse mesmo aumento nos preços, o poder de consumo cai 8%;, calcula.

Tendência
Até para ficar bela está mais caro. Nos últimos 12 meses, serviços pessoais, que incluem cabeleireiro, manicure e costureira dispararam 11% ; os serviços, em geral, subiram 9%. Os números já pesam no bolso das mulheres da classe média. Estima-se que 60% delas frequentem salões de beleza regularmente. Entre 2002 e 2011, o gasto desse público com beleza saltou 228%, de R$ 6 bilhões para R$ 19,7 bilhões.

As perspectivas não são boas. Para Elson Teles, economista-chefe da Máxima Asset Management, a alta nos serviços tende a se manter. ;As elevações devem continuar acima da inflação;, prevê. Ele observa, ainda, que o reajuste do salário mínimo aguardado para o início de 2012, de 13,6%, pressionará mais os preços, pois os prestadores tendem a repassar tal correção à clientela. ;Pessoas que ascenderam à classe média e passaram a consumir com vigor devem sofrer. A remuneração aumenta e, consequentemente, cresce também a procura por bens. Mas a oferta não acompanha;, diz. Na economia, o resultado dessa equação é óbvio: mais inflação.

Menos luxo
Ninguém, contudo, assiste ao aumento de preços parado. A reação dos consumidores às turbulências no mercado costuma ser imediata, explica Renato Meirelles, sócio-diretor do Instituto Data Popular. Primeiro, em vez de abrir mão de uma certa categoria de artigos, o brasileiro opta por itens mais baratos. ;Em todas as classes sociais, antes de excluir algo do carrinho de compras, a opção é trocar a marca. Mas isso também é diferente em cada camada da população;, diz.

Para driblar os aumentos dos preços, as famílias da classe média trocam os produtos mais caros pelos mais em conta no caso dos produtos supérfluos ; entram na lista requeijão, iogurte, sobremesas, leite, congelados, biscoitos, sorvetes e geleias. As da classe A, por sua vez, fazem a migração, mas apenas dos produtos de limpeza e da cesta básica, como arroz, feijão e macarrão. Elas preferem manter a qualidade nas categorias que lhes dão status social. ;No caso da classe D, o impacto é maior. Em vez de comprar dois quilos de carne, leva-se apenas um para casa;, observa Meirelles.

Troca de marcas
Na visão de especialistas, os brasileiros precisam se preparar. Se os preços continuarem a subir, para fechar as contas no fim do mês, em vez de apenas trocar as marcas, a classe média terá que suprimir itens da lista de compras. Para não tirar o alimento da mesa, primeiro deverá cortar o lazer, que responde por apenas 2% do orçamento, conforme números do Data Popular. É justamente o que a família de Maria José já está fazendo. ;Eu e meu irmão íamos todo fim de semana a shoppings e a barzinhos. Gastávamos sem nos preocupar. Mas, agora, a diversão teve de ser sacrificada. Estamos saindo só uma vez por mês;, diz Andrezza Lopes Faria, 24 anos, filha mais nova da dona de casa.

Nesse novo contexto econômico, o comércio também já sabe que venderá menos para a classe média. ;Bens de maior valor agregado, como automóveis e eletroeletrônicos de última geração, já não estão saindo tanto;, reconhece o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro Junior. Ele explica que a redução do prazo dos financiamentos faz com que a prestação se eleve acima da capacidade de pagamento de parte expressiva dos consumidores.

O professor de finanças da FGV e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Fábio Gallo Garcia, ressalta que os brasileiros não imaginam o que vem pela frente. A dica, diz, é colocar as contas no lugar: ;As despesas contornáveis devem ser revistas, como a academia de ginástica e as idas ao cinema;, ressalta. O conselho de Cristina Helena Pinto de Mello, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), é para que os brasileiros não façam novos compromissos no fim do ano. O 13; salário, por exemplo, pode ser guardado para emergências. ;O momento é de cuidado, de alerta. O brasileiro deve pensar mais antes de tomar decisões e deve gastar com consciência para não se colocar em situação difícil;, analisa.

(Colaborou Vânia Cristino)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação