A verdadeira montanha russa na qual se transformou a cotação do dólar nas últimas semanas deixou muitos investidores com os nervos à flor da pele, mas não sozinhos. A comoção com possíveis lucros ou prejuízos atingiu outros setores da sociedade, mostrando que o consenso em torno de uma taxa de câmbio ideal para a economia jamais existirá. Se o valor da moeda cai em relação ao real, a gritaria vem dos empresários; se avança, as vítimas são os consumidores.
Enquanto a indústria quer a moeda acima de R$ 1,80 para ter capacidade de competir no comércio exterior e barrar a concorrência de produtos importados no mercado doméstico, as famílias preferem a divisa em baixa. Dessa forma, podem elevar seu poder aquisitivo nas viagens internacionais e ainda se beneficiar de itens de boa qualidade fabricados lá fora e vendidos aqui a preços mais acessíveis. Atualmente, o exemplo mais emblemático dessa vantagem aos compradores é o dos carros asiáticos, que estavam desbancando a indústria nacional com produtos mais completos e baratos. Para proteger as montadoras nacionais, entretanto, o governo se apressou em elevar a taxação sobre os modelos estrangeiros.
Para os especialistas, apesar da queda de braço, o certo é que o real se tornou uma moeda forte ao refletir os fundamentos da economia e dificilmente o dólar se manterá elevado, próximo a R$ 1,90, como na semana passada, após acumular alta de 15,45% no mês. Os economistas asseguram que a cotação é um ;disparate; se avaliada com base nas condições internas do país. A estimativa é de que a moeda norte-americana se acomode entre R$ 1,70 e R$ 1,75.
Enquanto o dólar não se firma, tanto investidores que buscam lucros com instrumentos financeiros sofisticados como consumidores que viajam ao exterior precisam redobrar os cuidados para não se endividarem excessivamente em dólar. A cotação considerada no cartão de crédito, por exemplo, é a do dia em que fecha a fatura e não a da hora da compra. Uma disparada brusca da moeda, como visto na última quinta-feira, pode causar prejuízos consideráveis aos turistas. Na sexta-feira, mesmo quando o dólar comercial caiu 3,24%, para R$ 1,83 na venda, o turismo subiu 2,09% e terminou o pregão a R$ 1,95.
Apesar da elevação, os brasileiros não deixaram de comprar passagens internacionais e reservar hotéis no exterior. ;Mesmo com a alta, a maioria dos pacotes de fim do ano já estão sendo vendidos e a procura pela moeda é grande;, afirma Alexandre Milanov, gerente de câmbio turismo da TOV Corretora. A seu ver, para quem não quer desistir do sonho da viagem internacional neste momento de grande oscilação da moeda, a estratégia mais segura é ir comprando dólares aos poucos.
Alta do pão
Com a disparada da cotação da moeda norte-americana dos últimos dias, o temor é de que a ceia de Natal dos brasileiros fique mais cara. Composta em grande parte por alimentos importados, como azeite de oliva, bacalhau e frutas cristalizadas, as compras para o período prometem pesar mais no bolso do que em outros anos. O dólar subiu exatamente na época em que a maioria dos importadores acerta detalhes da compra dessas mercadoria, para que estejam nas prateleiras até dezembro.
Além disso, produtos como pães e massas também podem ser afetados, uma vez que a metade do consumo nacional de farinha de trigo é abastecido via importação, sobretudo da Argentina. ;Não acho que já vamos ver neste momento remarcações em bacalhau e outras coisas. A transmissão de uma alta expressiva da moeda demora em média de três a quatro meses. Mas aumentam as chances de inflação mais alta no fim do ano;, alerta Flávio Serrano, economista do Espirito Santo Investment Bank.
Roberto Piscitelli, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), lembra que o dólar mais caro também é transmitido para o cotidiano do brasileiro por meio das commodities (produtos básicos com cotação internacional). Quando a divisa norte-americana sobe, os preços desses itens, a exemplo de trigo, milho, soja e açúcar, também se elevam, encarecendo a produção de bens e alimentos. A situação só não se agravou nos últimos dias porque, enquanto a moeda dava um salto, alguns desses itens recuava. ;Ainda assim, não tem jeito. Vamos sentir um repique nos preços;, garante o professor.
De enlouquecer
Entenda a escalada da divisa dos Estados Unidos e os efeitos sobre a economia brasileira
Porque a moeda sobe?
- O mundo vive uma séria crise e a falta de liderança nos Estados Unidos e na Europa no sentido de reativar a economia está aprofundando os problemas;
- O cenário de incerteza está levando investidores a procurar ativos mais seguros, a exemplo do dólar e dos títulos do Tesouro norte-americano com vencimento em 10 anos. Com a corrida por investimentos seguros, as bolsas de valores estão derretendo em todo o globo;
- Os investidores estrangeiros no Brasil, que, há pouco mais de duas semanas, apostavam contra o dólar, mudaram de estratégia e, agora, se posicionam contra o real;
- As empresas brasileiras endividadas em capital externo passaram a buscar proteção financeira (hedge) para amenizar perdas e aumentaram as compras da moeda;
Os impactos da alta
- A subida do dólar eleva os preços de produtos importados, como os do bacalhau e de frutas, e de produtos básicos, como milho e soja, além dos insumos usados pela indústria;
- A valorização desses produtos é captada pelos Índices Gerais de Preços (IGPs), que corrigem vários contratos. Quanto mais alto forem esses indicadores, maiores serão os reajustes nos aluguéis e nas tarifas públicas;
- A alta dos preços dos produtos básicos encarece toda uma cadeia de alimentação. Se a cotação da soja dispara, a ração para o gado também passa a custar mais, assim como as carnes de boi e de frango;
- As empresas brasileiras têm dívidas em moeda estrangeira. Como consequência, os débitos vão aumentar, exigindo mais capital para o pagamento de juros, o que reduz os lucros.
As armas do governo
- O Banco Central tem reservas internacionais de US$ 352 bilhões. Parte dos recursos pode ser usada para aumentar a oferta da moeda norte-americana no mercado;
- A autoridade monetária pode fazer intervenções nos mercados futuros, nos quais os investidores fazem as apostas contra e a favor do dólar. O BC pode aumentar o volume de moeda no sistema por meio das operações chamadas de swap;
- O Ministério da Fazenda pode desmontar o arsenal de medidas que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IPO) nas operações nos mercados futuros e nos cartões de crédito.
Fonte: Mercado.