postado em 02/10/2011 08:00
O Banco Central está colocando em risco todas as suas fichas de credibilidade para mudar a condução da política monetária e reduzir a taxa básica Selic a patamares civilizados. Espelhando-se no modelo turco, o BC abandonou o sistema tradicional, no qual tem uma única missão: garantir a estabilidade de preços. Agora, além de manter a inflação sob controle, assumiu a obrigação de fazer o país crescer, mesmo que isso implique uma carestia maior. Com essa estratégia, Alexandre Tombini, presidente da instituição, colocou sua cabeça a prêmio. Se obtiver êxito, porém, será glorificado e seus críticos mais vorazes ficarão sem ação. Ainda entrará para a história como o chefe do BC que livrou o país do amargo posto de campeão dos juros altos.
A receita que Tombini segue, de endossar preços mais altos em troca de expansão, é dolorosa para o brasileiro traumatizado com o período da hiperinflação, quando a remarcação das etiquetas podia disparar quase 100% em um único mês. ;A inflação, para nós, é uma obsessão porque vivemos uma experiência única no mundo;, avalia o professor de economia da Universidade de Brasília Roberto Piscitelli. ;Do governo de Juscelino Kubitschek até 1994, tivemos de inventar mecanismos sofisticados para sobreviver às oscilações de preços;, lembra. Passados 17 anos do nascimento do Plano Real, o Brasil, segundo especialistas, atingiu maturidade suficiente para mudar sua política monetária.
;Tivemos uma queda estrutural da economia global em 2008, um tombo que botou de pernas para o ar toda a teoria econômica. O BC brasileiro agora está inserido em uma mudança de paradigma de política monetária no mundo inteiro;, argumenta Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Arab Banking Corporation (ABC Brasil). A continuidade da crise, iniciada com a quebra do Lehman Brothers, há três anos, é a desculpa de que o BC precisava para derrubar a Selic. Na equipe econômica da presidente Dilma Rousseff, é consenso que uma taxa de 12% ao ano é elevada demais e precisa ser reduzida.
A reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), na semana passada, em Washington, foi o ponto de virada para Tombini e sua equipe. De lá, ele saiu com uma visão ainda mais pessimista sobre o destino da Europa. Para que a instituição não seja mais uma vez criticada, e novamente perca o momento certo de cortar juros, como ocorreu em 2008 ; sob a gestão de Henrique Meirelles ;, a palavra de ordem no BC é antecipação. Tombini quer estar um passo à frente de qualquer agravamento na Zona do Euro. O mercado, porém, não está gostando e o acusa de ser dovish ; termo importado dos Estados Unidos para descrever um economista dócil como um pombo.
Confiança
A certeza que Tombini tem de estar no caminho certo veio depois que o presidente do Banco Central da Turquia, Erdem Basci, sem meias palavras afirmou que o ;sistema de metas de inflação está morto;. A sentença, proferida no último domingo durante um evento do Citigroup, proclama que, depois da ruptura de 2008, os BCs têm de abandonar a luta obsessiva contra a carestia e assumir uma dupla missão: garantir a estabilidade e o crescimento, mesmo que isso leve a um pouco mais de inflação.
;O presidente do BC turco tem razão, o sistema de metas como o conhecemos está morto;, afirma Leal. ;Saí do encontro do FMI com a sensação de que a política monetária ao redor do mundo vai abandonar o modelo tradicional, que busca apenas a meta de inflação;, resume. Para Carlos Kawall, do banco Safra, ainda é cedo para dizer que o BC está errado. ;Depois do encontro, fiquei muito pessimista em relação à economia global;, afirma. ;Um calote da Grécia é iminente, independentemente de os governos da Europa e de o FMI concederem a próxima ajuda;, explica, ao justificar o porquê de o BC brasileiro reduzir o juro com inflação tão elevada.
Os especialistas, entretanto, colocam o fim de 2012 como prazo para Tombini provar a eficiência da sua política monetária. ;Se nesse ano a inflação ultrapassar os 6,5% do teto da meta e no próximo ficar muito distante dos 4,5%, será muito perigoso para um país com um histórico do Brasil;, alerta Leal.
Quedas vão continuar
O Relatório de Inflação de setembro, divulgado na semana passada, evidenciou a mudança de postura da política monetária. O documento deixou claro que a taxa Selic continuará a cair, mesmo com a previsão do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ultrapassando o teto da meta, definido em 6,5%. Os cortes terão continuidade, apesar de haver 45% de chance de rompimento desse limite no fim do ano.