postado em 09/10/2011 08:00
A crise de 2008 encurralou o mundo entre a primavera da esperança, como escreveu Charles Dickens, e o inverno do desespero. Três anos depois do estouro da bolha imobiliária norte-americana e da quebra do Banco Lehman Brothers, as economias maduras definham enquanto as emergentes, em especial as sul-americanas, respiram aliviadas e se apresentam como um oásis em meio ao caos. Para o Brasil, a crise trouxe oportunidades de colocar a nação nos trilhos do crescimento, com baixa inflação. A única ameaça ao sucesso desse projeto, porém, é o próprio Brasil.Diante da visível falta de liderança nas economias maduras para reverter as turbulências que empurram, sem dó, a economia global para a recessão, o país tenta assumir o papel de protagonista, com o governo se gabando da capacidade de tirar proveito do cenário obscuro. Enquanto os ensinamentos de Dickens apontam que, mesmo nos momentos de maior tormenta, as nações ;têm um mundo de opções diante de si;, na Europa e nos Estados Unidos, os eleitos pelo povo não têm encontrado ou conseguido enxergar tais oportunidades.
O recrudescimento da crise evidenciou a falta de comando nas economias desenvolvidas, o que deixou as decisões mais dramáticas e os resultados mais distantes. Barack Obama, eleito presidente dos EUA como uma espécie de símbolo de esperança, mostrou-se um líder sem musculatura para reconduzir a locomotiva mundo. Na Zona do Euro, a chanceler alemã, Angela Merkel, tem perdido apoio na própria base aliada e enfrenta dificuldades para costurar acordos entre os integrantes do bloco econômico. O mesmo se vê em relação ao presidente da França, Nicolas Sarkozy, com a popularidade despencando. O mercado, em meio a tudo isso, deixou de considerar os fundamentos econômicos de cada país para avaliar apenas os fatores políticos, o que têm elevado o risco dessas nações e causado, além do agravamento na crise da dívida, um colapso na confiança.
Deslizes
Independentemente do respeito conquistado pelo governo brasileiro, quando olham para cá, no entanto, os analistas temem que ações sem pé nem cabeça ; como a redução da taxa de juros na base da canetada, o abandono do sistema de metas de inflação, o aumento exagerado de gastos públicos e medidas protecionistas em excesso ; descarrilem o país. Especialistas explicam que o risco existe porque o Brasil passa por mudanças na sua política econômica, que refletem a tentativa de estar um passo à frente dos problemas. ;Por mais limitada que seja a política monetária, ela sempre pode fazer frente às crises. Mas só mudá-la não é suficiente, é preciso também uma melhor condução da política fiscal;, argumenta Marcelo Carcalholo, professor de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Entre as vantagens no enfrentamento das turbulências, estão as reservas brasileiras de US$ 353 bilhões, um mercado doméstico robusto e em expansão ; com desemprego de 6% ;, e o estoque de R$ 420 bilhões em depósitos compulsórios de bancos que podem ser injetados na economia a qualquer momento para reverter uma escassez de crédito. Os pontos fracos estão na inflação elevada (o índice acumulado em 12 meses atingiu 7,33%, superando de longe o teto de 6,5% da meta perseguida pelo Banco Central), no fechamento das fronteiras para as importações ; o exemplo mais forte é o setor de automóveis ; e nas contradições da política fiscal, uma se fala em arrocho, na outra, em aumento das despesas.
Dependência
O Brasil sofre ainda de uma espécie de dilema das commodities (produtos básicos com cotação internacional), uma vez que é extremamente dependente delas. Se os preços sobem demais, o saldo da balança comercial cresce em ritmo acelerado, mas a inflação dispara. Se despencam, a inflação cai, o saldo comercial encolhe e o dólar sobe. A previsão para esses produtos tem deixado economistas sul-americanos de cabelo em pé. Todos os dias, o ministro da Fazenda do Peru, Luis Castilla, diz acender uma vela para que a China, maior consumidora de commodities, não entre em colapso e deixe de demandar os produtos da região.
Depois de quase cinco anos de preços em escalada, a perspectiva para as commodities é de recuo, uma vez que a crise fará o mundo consumir menos. O BC brasileiro, por sinal, conta com esse movimento para pôr a inflação nos eixos. ;A situação favorável na América Latina se deve aos altos preços dessas mercadorias. Se não houver cuidado, elas podem ser letais para essas economias;, avalia o cientista político Eric Toussaint, presidente do Comitê belga para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM). Segundo ele, a Europa está repetindo a história vivida na América Latina nos anos 1980 e 1990, quando a região passou por uma onda de calotes e de baixo crescimento. ;Na Europa, a crise está dando apenas oportunidade para que se acabe com os diretos sociais;, afirma.
Para o economista colombiano Daniel Munevar, também da CADTM, o Brasil ainda é um oásis porque se sustenta em dois pilares: nas commodities e na forte demanda doméstica. Ele explica que, com a piora das condições nas economias desenvolvidas, os emergentes vão receber elevados fluxos de investimento e o crédito, tanto na América do Sul quanto no Sudeste Asiático, vai dobrar na próxima década. É uma oportunidade para alavancar ainda mais essas economias, desde que elas não caiam na mesma armadilha do superendividamento das famílias e do Estado que a Europa e os Estados Unidos.
;Na América Latina, para cada US$ 2 investidos em saúde, US$ 1,50 é em forma de dívida. Por isso, o otimismo acerca da redução do endividamento público em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é duvidoso;, afirma Munevar. Kjetil Abildsnes, assessor econômico da Church Aid, tem opinião semelhante. ;Um país falir é algo muito danoso. A América Latina conhece bem isso. Então, é preciso reforçar os fundamentos econômicos para que isso não se repita de novo, pois a maior parte da fatura cai no colo da população, sobretudo a mais pobre;, conclui. Ou seja, no mundo de hoje, não há mais espaço para erros ou aventuras.