postado em 16/10/2011 09:00
Exportações em queda, projeções de desaceleração na economia e um inesperado socorro a bancos. Os indícios de dificuldades na China, líder em crescimento nas últimas três décadas e principal parceiro comercial do Brasil, ampliaram as incertezas globais e ameaçam abalar seriamente o desempenho brasileiro. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, a resistência doméstica aos efeitos da crise internacional depende cada vez mais dos indicadores chineses. O sinal amarelo acendeu nos gabinetes da equipe econômica, cujos membros mais notáveis já mostraram publicamente os seus temores.O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, admitiu que o desaquecimento mundial afetará a balança comercial do país, bastante influenciada pelas compras chinesas de commodities (produtos básicos com cotação internacional, como itens agrícolas e minérios). Para ele, se o crescimento do dragão chinês ficar abaixo de 8% anuais ;o Brasil terá problemas; até por falta de alternativas. Há economistas prevendo um recuo chinês para 3% nos próximos anos, algo inimaginável até há pouco para uma atividade que se expande a 10% por ano.
No acumulado do ano até setembro, os Estados Unidos retomaram a liderança como maior mercado fornecedor do Brasil, com US$ 25 bilhões, ante US$ 24,1 bilhões da China ; o dobro do terceiro, a Argentina. Na mão inversa, a China importou US$ 33,6 bilhões no período e os EUA, US$ 18,7 bilhões. Só em setembro, as exportações para o país asiático somaram US$ 4,5 bilhões, o que mostra a crescente dependência nacional dos rumos chineses.
Preços e demanda em queda, contudo, devem traçar um quadro mais apertado daqui para a frente. As mineradoras, lideradas pela Vale, já ofereceram às siderúrgicas chinesas descontos na venda de minério de ferro nos contratos do último trimestre. O preço à vista caiu ao menor nível em 11 meses: US$ 160. As clientes se ressentem da queda na cotação do aço e, por isso, rejeitam pagar US$ 175 pela tonelada do minério, conforme a regra atual, baseada na média do trimestre anterior.
;A economia brasileira é duplamente sensível às turbulências na China. Primeiro nos volumes exportados para lá, mais de 15% do total. Depois no peso dessa demanda sobre cotações de commodities;, resume Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Arab Bank Corportation (ABC Brasil). O especialista ressalta que o Brasil só não está mais exposto ao declínio chinês em razão das matérias-primas agrícolas.
Segredo
De toda forma, ele reforça a declaração do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que a economia chinesa está no centro das preocupações. ;Além do mercado doméstico, o segredo da bem-sucedida resposta brasileira à contração mundial em 2008 e 2009 deve-se em boa parte ao excepcional esforço de Pequim em manter a economia chinesa aquecida;, explica Leal.
Medidas anunciadas nos últimos dias pelo governo chinês para sustentar o mercado e o desempenho econômico pior que o esperado mostram agora um cenário mais grave. Uma das primeiras reações veio do Itamaraty. Das 20 medidas de promoção e defesa comerciais anunciadas na semana passada pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, uma prevê reforço no monitoramento do mercado chinês. ;Temos de ir além da complementaridade comercial;, justificou ele na ocasião.
Desde que tomou posse e sobretudo depois de sua visita oficial a Pequim, em abril, a presidente Dilma Rousseff vem tentando ;revisar; a relação comercial bilateral, marcada por pautas de exportação essencialmente invertidas (commodities brasileiras versus manufaturados chineses). A medida mais drástica visando equilibrar as trocas foi anunciada há um mês, quando o governo elevou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) vinculado às importações para barrar o avanço dos veículos chineses.
Até agora, o efeito prático está no desgaste diplomático. Balanços semanais do comércio exterior não deixam dúvidas da necessidade brasileira do mercado chinês, a despeito da badalada diversificação da pauta de exportações. Para Ângela Cristina Tepassê, economista das Faculdades Integradas Rio Branco, a única saída para o país compensar o recuo nas importações chinesas está nas commodities. ;Como é difícil agregar valor às mercadorias exportadas para onde se fabrica quase tudo, o jeito é oferecer matérias-primas diferentes;, sublinha.
Ela lembra que a consolidação da China como maior importadora de commodities tornou a balança comercial superavitária em tempos de crise. Os saldos nas trocas comerciais entre Brasil e China têm oscilado nos últimos anos. Em 2003, o Brasil contabilizou saldo de US$ 2,4 bilhões com a China, um décimo do saldo positivo do país. Depois, declinou até o deficit de US$ 3,5 bilhões em 2008. No ano seguinte, o superavit foi retomado, com US$ 5,1 bilhões, agora 20% do saldo total.
As trocas entre as duas economias responderam, em agosto, por 40,6% do superavit brasileiro, concentrada em minério de ferro e grãos de soja. Em 1996, ressalta a professora, esses dois produtos representavam juntos 13,7% da pauta. Em 2009, a participação já era de 67,5%. Se incluir o petróleo, a concentração de três produtos passa hoje de 80%.
As cotações recordes das matérias-primas, resultado de demanda elevada e da especulação nos mercados futuros, ajudam o comércio do Brasil, mas se tornaram a pior fonte de inflação na China, atualmente ao ritmo anual de 6,5%. O governo chinês reforçou a fiscalização no varejo para coibir preços abusivos. A carne de porco, por exemplo, um dos principais produtos da alimentação dos chineses, só em agosto subiu 52,3%.