Economia

Recuo da inflação endossa a política monetária adotada por presidente do BC

postado em 23/10/2011 08:00
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, 47 anos, não é lá muito de comemoração. Mas, na manhã da última quinta-feira, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou a inflação em queda pela primeira vez em 14 meses ; de 7,31% para 7,12%, no acumulado de um ano ; , não se conteve e disparou: ;Começamos a virar o jogo;.

As poucas palavras têm uma dimensão enorme para o gaúcho criado em Brasília e torcedor fanático do Internacional. Desde que assumiu o comando da autoridade monetária em janeiro, início do governo Dilma Rousseff, vem sendo tratado com um certo descrédito pelo mercado financeiro, que não o vê comprometido por completo com o sistema de metas de inflação, mas subordinado ao Ministério da Fazenda e ao Palácio do Planalto.

Nem mesmo o fato de ter aumentado a taxa básica de juros (Selic) nas cinco primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), sob seu comando, foi suficiente para melhorar a relação com analistas de bancos. Tanto que, ironicamente, passou a ser chamado de Pombini, trocadilho da expressão pombo, como são classificados os economistas menos conservadores, que se opõem aos falcões ; esses, sim, na visão dos especialistas, comprometidos até a morte com o controle da inflação.

As desconfianças em relação a Tombini aumentaram no fim de agosto, quando, de forma surpreendente, o Copom anunciou um corte de 0,5 ponto percentual nos juros, de 12,50% para 12% ao ano. A gritaria foi geral. Apesar de o presidente do BC ter apresentado uma série de argumentos para justificar a ousadia do Copom, do agravamento da crise mundial à desaceleração da economia brasileira, poucos o pouparam de críticas. Por dias e dias, Tombini foi contestado e sua credibilidade, posta à prova.

De duas semanas para cá, no entanto, começou a se desenhar a virada comemorada por Tombini. Primeiro, foram as vendas do varejo, que vinham resistindo bravamente às intempéries e mostraram queda. Depois, o próprio BC constatou que a atividade havia encolhido 0,5% em agosto e que se agigantaram as chances de o Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas as riquezas produzidas pelo país, ficar negativo no terceiro trimestre do ano. Agora, como ele previra, a inflação passou a apontar para baixo.

Sem estrelismo
Apesar de o roteiro seguir à risca o que havia alardeado, Tombini não deixa transparecer, em nenhum momento, a sensação de vitória. Pelo contrário: orientou a todos os diretores do BC que mantenham o equilíbrio e continuem alertando para os riscos que a economia brasileira corre se a crise mundial se agravar por causa de uma possível quebradeira de bancos na Europa. No seu entender, a melhor resposta que a autoridade monetária pode dar aos que desconfiam de seu compromisso em levar a inflação para o centro da meta em 2012, de 4,5%, é manter a coerência do discurso. Os números a serem apresentados pela economia farão o trabalho de calar os críticos.

Tombini também não aceita os que, exageradamente, já o chamam de visionário. Para ele, todas as decisões tomadas pelo BC foram baseadas em fundamentos técnicos, em informações precisas colhidas não apenas no país, mas no exterior. Nunca os banco centrais trocaram tantos dados em tempo real como agora. O problema, acredita ele, é que o mercado subestima a capacidade do BC de reunir indicadores que o fazem se antecipar a acontecimentos que poderiam custar caro ao país, como uma recessão, mesmo que por um período curto de tempo, como a que se viu no fim de 2008 e no início de 2009, por causa da quebra do banco norte-americano Lehman Brothers.

É essa postura que leva os que dividem com ele os debates sobre a política econômica a considerá-lo menos personalista que o seu antecessor, o goiano Henrique Meirelles. ;Isso não quer dizer que ele seja menos exigente ou minucioso no que faz;, diz um de seus amigos mais próximos. ;Tombini não deixa passar um detalhe sem questionar. Vira uma fera quando alguma informação relevante não lhe foi apresentada;, ressalta um integrante da sua equipe.

No BC, por sinal, já passou a irritação com o tiroteio sofrido nos últimos meses, vindo do mercado. ;As acusações de que estávamos mais preocupados em atender os pleitos da presidente Dilma, para manter um ritmo forte de crescimento da economia e deixar o combate da inflação em segundo plano, foram pesadas. Tudo, porém, passou a conspirar a nosso favor. Mas Tombini já nos alertou: agora, mais do que nunca, é hora de trabalhar para que nada saia errado;, conta outro integrante do primeiro escalão do BC. ;A preocupação com a inflação é absoluta. E, mais cedo ou mais tarde, o mercado se curvará à evidência de que o efeito benéfico da crise externa na atividade interna será, justamente, o de contribuir para a queda dos preços;, emenda.

Cautela é bom
Ex-diretor do BC, o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes diz que a confiança demonstrada pela autoridade monetária no recuo da inflação tem se mostrado acertada, mas é importante que os passos comandados por Tombini sejam dominados pela cautela, pois não cabe ao BC fazer apostas ; sobretudo, as muito arriscadas. O fracasso no controle de preços será fatal para um país com o histórico de inflação como o nosso. ;Felizmente, pode-se dizer que foi ótimo o Copom ter cortado duas vezes a Selic em 0,5 ponto cada, para 11,50% ao ano. Melhor ainda é saber que todas as decisões foram baseadas em fundamentos técnicos e não em questões políticas;, diz.

Para Patrícia Bentes, vice-presidente do banco de investimento Bracce, independentemente das críticas e dos argumentos contrários ; a inflação em 12 meses ainda está bem acima do teto da meta definida pelo governo, de 6,5% ;, Tombini tem tudo para fazer história à frente do BC. Primeiro, porque não mostrou subordinação nem ao Palácio do Planalto nem ao mercado. Segundo, porque decidiu encarar, sem medo, um quadro complexo, com o qual ninguém tinha lidado antes. ;Não se trata de mudança na condução da política monetária ou macroeconômica, mas de se posicionar diante de um mundo novo;, assinala.

É justamente diante desse mundo novo, complexo, que o presidente do BC acredita que o Brasil pode quebrar paradigmas, como o de caminhar em direção a taxas de juros mais parecidas com as dos países desenvolvidos, entre 2% e 3% ao ano acima da inflação. No auge da crise de 2008, então respondendo pela diretoria de Normas do BC, Tombini votou pela queda da Selic em uma reunião do Copom. Mas acabou derrotado pelos argumentos do grupo liderado por Meirelles. Agora, acredita ele, o país não pode perder novamente a oportunidade de reduzir a Selic ; desde que tudo seja feito ao longo do tempo, sem pressa, sem abrir mão de conquistas tão importantes advindas da estabilidade consolidada nos últimos 17 anos.

Obsessão
Críticas à parte, os analistas do mercado reconhecem o amplo conhecimento de Tombini sobre economia e sobre a máquina pública. ;Ele é do ramo;, dizem. Criado em Brasília, onde, na juventude, estudou no colégio Marista, um dos mais tradicionais da cidade, entrou no BC por meio de um concurso público. Além de passar por diversos departamentos da instituição, teve atuação importante no Ministério da Fazenda e em organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Técnico, Tombini não tem nenhuma pretensão política, um dos motivos de sempre ser elogiado pela presidente Dilma. A obsessão do presidente do BC é pela informação. Diariamente, antes das seis da manhã, ele lê todos os jornais, inclusive dois estrangeiros, o Financial Times e o Wall Street Journal. Acompanha on-line pelo menos três agências estrangeiras, além das brasileiras, e mantém contato constante com os principais presidentes de BCs do mundo. Relações que foram estreitadas durante a crise, principalmente com o comandante do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, e com Jean-Claude Trichet, que, na última quarta ;feira, se despediu da presidência do Banco Central Europeu (BCE).

Tombini também faz questão de ouvir os que lhe são próximos no dia a dia. ;Ele tem a capacidade de manter a serenidade num ambiente que, quase nunca, é sereno;, afiança um assessor do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Bravo mesmo, mas sem explodir com sua equipe, ele fica quando é pego de surpresa com alguma notícia. ;Tombini quer saber de tudo, não gosta de ser surpreendido;, complementa um técnico do BC. Isso vale, especialmente, quando está em jogo a sua principal missão: a de proteger o poder de compra da população.

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