Chapada Gaúcha (MG) — Está sem reais na carteira e quer pagar em pacas, veredas, potiguaras, rios, tupis ou sampaios? Se for adquirir um produto na farmácia de Wandrey Santos Porto, 38 anos, localizada na cidade de Chapada Gaúcha (MG), a 340 quilômetros de Brasília, pode escolher a vereda. Já no Parque Potira, bairro com cerca de 20 mil habitantes da cidade de Caucaia (CE), a opção é a potiguara. Apesar de o Brasil ter uma única unidade monetária oficial, reconhecida facilmente pela figura da República estampada em uma das faces das cédulas, uma forma alternativa de pagamento está conquistando cada vez mais espaço em pequenos municípios e comunidades. Espalhadas pelas cinco regiões do país, 65 moedas sociais circulam, atualmente, nas mãos de pelo menos 512 mil pessoas e movimentam o equivalente a R$ 49,5 milhões.
A ideia de apostar em um dinheiro alternativo surgiu no Brasil em 1998, com a fundação do Banco Palmas, que atende a comunidade do Conjunto Palmeira, com 32 mil habitantes, na capital Fortaleza (CE). O projeto cresceu e, hoje, os 65 bancos comunitários brasileiros funcionam como casas de câmbio e empregam diretamente quase 200 pessoas. Os comerciantes e os moradores trocam o real pelo papel local, que pode ser usado para pagar por bens e serviços — na prática, uma sofisticação do escambo. Todas as moedas sociais são lastreadas em reais e paritárias à oficial. Ou seja, para cada unidade regional que sai das instituições, um real volta para o caixa. O total dessas cédulas nas carteiras dos brasileiros equivale a R$ 550 mil.
João Joaquim de Melo Neto, criador do Banco Palmas e coordenador da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, explica que essas unidades são abertas, geralmente, em regiões carentes e com dificuldade de acesso a serviços financeiros. Como a moeda só é aceita pelos comerciantes do bairro, o dinheiro ganho pelos moradores circula e produz riquezas diretamente na comunidade. “Em locais mais pobres e com o comércio pouco desenvolvido, as pessoas ganham o seu salário e vão gastar em outras cidades. Com a moeda social, o dinheiro fica ali. O segredo foi criar um instrumento para as pessoas produzirem e consumirem localmente”, afirma Neto.
No município Chapada Gaúcha, no interior de Minas Gerais, a maioria das ruas é de terra batida e as residências não são atendidas pelo serviço de esgoto. Para chegar à cidade, ainda é preciso percorrer 30 quilômetros sobre o barro, o que inviabiliza a passagem dos carros nos dias de chuva e prejudica a economia, baseada na agricultura — principalmente na produção de sementes de capim. Para tentar desenvolver o comércio local, os moradores se organizaram e criaram, em 2009, o Banco Comunitário Chapadense, o primeiro do estado. Lá, há 6 mil veredas em circulação.
Vantagens
Na tentativa de alavancar a iniciativa, o empresário Wandrey Porto oferece descontos que variam de 5% a 10% para quem comprar medicamentos ou cosméticos com as veredas. Ele calcula que um terço das vendas é feito por meio da moeda. Mas reconhece que ainda há barreiras a serem superadas. “Desde o início (do vereda), os negócios melhoraram. Mas muitos ainda não entendem a importância de usar a moeda. Falta divulgação”, avalia.
Dono de uma loja de materiais de construção na cidade, Gilimar João Orsolin, 44 anos, também é um entusiasta do projeto. Ele revela, no entanto, que houve uma queda no uso das veredas depois de terem surgido notas falsificadas. Apesar de serem acompanhadas pelo Ministério do Trabalho, não há controle estatal sobre a circulação do dinheiro. “Outro problema é que muitos clientes não aceitam, pois o papel é frágil e estraga rápido”, diz.
A resistência não ocorre apenas por parte dos moradores. Devido à qualidade do papel, o empresário Elzito Gonçalves de Oliveira, 38 anos, não recebe veredas na padaria e no mercado que mantém na cidade. “A ideia é muito boa. Mas chegamos a um ponto em que as pessoas não aceitavam mais o troco. Além disso, o banco comunitário ficou um tempo fechado e não aceitou o pagamento dos boletos. Decidi suspender”, diz. Rosemeire Magalhães Gobira, gestora do Banco Comunitário Chapadense, diz que só recebeu uma denúncia de nota falsificada, que teria sido cortada de um cartaz divulgado pelo próprio banco, de forma grosseira. Mas admite que o problema está relacionado ao papel. “No início, chegamos a fazer uma reimpressão das notas. Mesmo assim, elas não aguentam muito”, pondera.
No Conjunto Palmeira, em Fortaleza (CE), onde a circulação da moeda social equivale a R$ 46 mil, a proposta deu certo. Desde 1998, a estimativa é de que a renda da população tenha aumentado em 300%. O comércio da comunidade criou, nesse período, 2,2 mil postos de trabalho. Até julho deste ano, foram realizados empréstimos no total de R$ 1,7 milhão para 5,7 mil famílias investirem em seus negócios.
Saiba Mais
CDDs
Desde a sua criação, em 15 de setembro, o Banco Comunitário da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, colocou 8 mil CDDs — nome dado à nova moeda — nas mãos dos moradores e empresários. Ao todo, 160 comerciantes já aceitam o novo papel, o equivalente a 20% do total. “A estimativa é de que o volume de negócios feitos com a moeda já tenha chegado a R$ 67 mil reais. São números significativos. Mas ainda estamos cautelosos, pois o banco está em fase de consolidação”, observa Vinícius de Assumpção, subsecretário de Desenvolvimento Econômico Solidário do Rio de Janeiro.