postado em 04/11/2011 08:06
Cannes (França) ; A arriscada tentativa do primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, de submeter a um referendo popular o pacote de resgate financeiro aprovado pela União Europeia pode lhe custar o cargo. Um dia depois de a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) colocarem-no contra a parede, sob a ameaça de exclusão dos gregos da Zona do Euro e, sobretudo, de suspender a parcela de 8 bilhões de euros, de um empréstimo de 110 bilhões de euros, sem a qual o país não conseguiria pagar salários e aposentadorias, Papandreou recuou de sua proposta e, agora, pode até renunciar para manter a Grécia no euro.
Com o racha na sua base partidária em relação ao referendo e a possibilidade de o parlamento realizar uma votação de confiança, o governo de Papandreou se aproxima do fim. Uma autoridade que participou da reunião do gabinete do premiê grego em Atenas afirmou que o primeiro-ministro concordou em renunciar após formar uma coalizão com o partido conservador Nova Democracia. ;Esse foi o acordo;, afirmou. Evangelos Venizelos, atual ministro das Finanças e desafeto de Papandreou, surge como nome natural à sua sucessão. ;Ele concordou em renunciar. Foi muito civilizado, sem aspereza;, disse a fonte.
Imbróglio
Com isso, além de resolver um problema interno, a Grécia limpa o caminho para receber a ajuda externa da União Europeia e do FMI, condição para sua permanência na Zona do Euro. O imbróglio grego dominou, ontem, o primeiro dia da Reunião de Cúpula do G-20, grupo das 20 maiores economias do planeta. Os líderes reunidos em Cannes, no sul da França, tiveram que gastar bastante energia para evitar que o vaivém grego levasse o euro a um colapso. Mais parecido com uma cúpula da crise da Europa que um evento mundial, o encontro do tentava restabelecer a confiança no continente, ainda abalada pela inesperada manobra de Papandreou.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, resumiu, logo na sua chegada a Cannes, que o objetivo do encontro do G-20 era ;tratar da crise europeia; e buscar saídas mais consistentes. O começo da cúpula, que coincidiu com a chegada da chuva ao balneário francês, também foi marcado por um cenário nublado. A impressão geral dos participantes é de que eventuais pronunciamentos e decisões acabaram sendo engavetados pelo impasse. Prova disso foi que, antes do primeiro compromisso oficial, num almoço de trabalho, representantes da UE, dos países da Zona do Euro no G-20 (Alemanha, França, Itália e Espanha), do FMI e do Banco Central Europeu (BCE) discutiram formas de acelerar o plano anticrise acordado no último dia 27.
Engenharia
De acordo com esse pacote, a Grécia cumprirá pesado regime de austeridade supervisionada pela troika ; UE, FMI e BCE. Em contrapartida, a dívida do país com bancos europeus terá desconto de 50% e haverá novos empréstimos. Contudo, antes da confusão armada por Papandreou, a expectativa era de que o
G-20 avançasse em pontos ainda em aberto do plano anunciado semana passada pela cúpula da UE. Falta definir de onde virão os recursos para resgatar as economias endividadas, Grécia em primeiro lugar, e como eles serão alocados.
A China é o principal alvo dessa complexa engenharia financeira. Além de decidir pela ampliação do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (Feef), dos atuais 400 bilhões para um trilhão de euros, de modo a evitar o contágio de outros países mais fragilizados, como Itália e Espanha, a UE estuda criar uma sociedade específica destinada a comprar títulos de governos da região com recursos públicos e privados. Apesar de não estar muito definido o funcionamento desse fundo de resgate, os europeus esperam que países emergentes, como Brasil e China, possam contribuir. Os líderes europeus também fecharam acordo com credores privados da dívida soberana da Grécia para que aceitem perdas de 50% nos seus papéis (100 bilhões de euros). O Brasil e outros emergentes já disseram que querem mais clareza na proposta e preferem ajudar via FMI.
Em abril de 2009, o G-20 surpreendeu ao coordenar uma reação histórica à crise financeira global, com estímulos fiscais e monetários acima de USS 1 trilhão, definidos após a reunião em Londres. No fim de 2011, o grupo assistiu à nova pressão mundial, ainda mais tensa, para evitar a tragédia econômica. Mas encontra dificuldades políticas e de caixa maiores. Para piorar, o encontro de líderes mundiais está repleto de políticos em fim de mandato ou que dificilmente conseguirão se reeleger em 2012. Na visão de analistas, a fragilidade de comando dos países desenvolvidos seria a chance de emergentes ocuparem espaços de poder global, mas ela ainda precisa superar diferenças profundas de interesse entre esses países.