postado em 22/11/2011 08:23
O primeiro-ministro eleito da Espanha, o conservador Mariano Rajoy, não teve tempo para comemorar sua vitória nas urnas. No dia seguinte à consagração eleitoral e bem antes de tomar posse com a difícil missão de superar o momento crítico, o novo líder viu os juros pagos pelo Tesouro espanhol aos investidores que aceitam comprar seus títulos subirem mais uma vez. Numa mostra da extrema desconfiança em torno da capacidade de o país honrar seus compromissos, a taxa dos papéis passou dos 6,3% da véspera para 6,5%. Sem uma clara estratégia para debelar a crise, Rajoy preferiu a discrição ontem, deixando os holofotes para o ex-chefe de governo José María Aznar, presidente de honra do seu partido, o PP ; analistas já o consideram a eminência parda da futura administração.
A despeito da alta do prêmio de risco dos papéis espanhóis, Aznar tentou dar um tom positivo ao retorno dos conservadores ao poder. ;Foi a volta à seriedade e à confiança;, disse. Para ele, a eleição foi uma oportunidade para recuperar a imagem da Espanha frente aos parceiros da União Europeia (UE), ;respeitando todas as regras do euro;. Ele fez questão de diferenciar a administração que começará em janeiro do ano que vem das que acabaram de tomar posse na Itália e na Grécia, formadas basicamente por tecnocratas. ;O povo espera políticos com capacidade de tomar decisões;, disse, ao lado de Rajoy, apelidado de ;Senhor Depende; por não se comprometer com nenhuma medida específica.
Descoberto o resultado da vontade popular, que defenestrou os socialistas de José Luis Zapatero do comando do país, as pressões passaram a ter Mariano Rajoy como alvo. Os investidores pouco sabem de seus planos para recuperar a economia espanhola e diminuir o brutal desemprego, que atinge 22,6% da população e chega a 48% entre os jovens de 14 a 25 anos. A atividade está estagnada ; no terceiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas geradas) teve crescimento zero. As contas públicas estão em frangalhos, com a dívida de 641 bilhões de euros (62,5% do PIB) sendo alimentada por um deficit fiscal de 6,6% do PIB, bem superior aos 3% permitidos pelas regras da União Europeia.
A situação torna a Espanha um dos principais candidatos, com a Itália, a uma nova rodada de auxílio financeiro da UE e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O nível dos custos de financiamento do governo já chega às raias do insustentável para o Tesouro, o que enche os bancos e fundos de investimento de temor de um possível calote. Com tanto por resolver, a pouca clareza nas propostas de Rajoy rendeu críticas dentro e fora da Espanha.
;O resultado das eleições em nada muda o cenário do país. O futuro governo de centro-direita ainda não tem condições de anunciar medidas que deverão sinalizar mais cortes de gastos públicos;, avaliou Jason Vieira, analista internacional da Cruzeiro do Sul Corretora. Segundo ele, Rajoy terá de reafirmar decisões impopulares do adversário Zapatero, combinadas com o desafio de criar estímulos à economia. Numa reunião com o PP, o líder eleito prometeu convocar comunidades autônomas para coordenar um plano de recuperação econômica.
Soraya Sáenz de Santamaría, indicada para negociar a transição de governos, pediu urgência no processo em razão da crise. ;O Executivo deve começar a trabalhar com plenos poderes o mais rápido possível para não prejudicar o interesse geral;, defendeu. Após a maior vitória de sua legenda em 30 anos, Rajoy pediu unidade nacional, mas fez mistério sobre as medidas que tomará. Adiantou apenas que os sacrifícios do aperto fiscal continuarão e acenou genericamente com reformas trabalhistas e financeiras, além de mudanças no setor público. ;Quando as coisas são bem feitas, produzem resultados. Deixaremos de ser parte do problema e começaremos a ser parte da solução;, resumiu.
Retorno
A derrota do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Zapatero, era esperada há meses, mas foi maior do que o previsto. O ainda chefe de governo culpou a crise pelo resultado das urnas. ;Há momentos em que é preciso pôr os interesses do país à frente dos partidários e em que um governo tem que colocar os interesses gerais à frente dos partidos;, disse ontem. Em 13 de dezembro, o Congresso convocará os deputados eleitos para constituir o novo parlamento e, então, nomear Rajoy para presidir o conselho de ministros. Ele poderá assumir uma semana depois ou no começo de janeiro. De toda forma, a maioria obtida pelo PP, de 186 deputados, é expressiva o suficiente para governar praticamente sem ter de negociar com a oposição.
Apesar da vitória, analistas acreditam que a crise castigou mais os socialistas do que promoveu os conservadores. ;O povo espanhol se sentiu traído pela esquerda e puniu o PSOE por ter adotado um plano econômico favorável ao sistema financeiro. Preferiram eleger os conservadores porque os veem como mais explícitos nessa postura;, afirmou Argemiro Procópio, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, as quedas de governo este mês na Itália e na Grécia refletem pressões dos mercados, enquanto as ruas cobram ;ajustes morais;, com prevalência do social sobre o socorro aos bancos. ;Conciliar essas cobranças é praticamente impossível.;
BANCO É ESTATIZADO
Sinal do atoleiro em que se encontra o país, o Banco da Espanha tomou ontem o controle do Banco de Valência, instituição de pequeno porte, atualmente em dificuldades. A autoridade monetária destituiu os administradores do banco e vai assumir o comando por meio da injeção direta de 1 bilhão de euros e pela abertura de linhas de crédito no valor de 2 bilhões de euros. Segundo um comunicado do Banco da Espanha, a gestão estatal será realizada até a estabilização e recapitalização do banco. Depois desse processo, ele será vendido. Essa é a quarta nacionalização temporária na Espanha desde o início da crise financeira.