Aos 61 anos, o médico José Maria Alves ostenta hoje uma bem-sucedida carreira de cirurgião geral. Mas a caminhada até o diploma lhe exigiu um esforço de gigante. Filho de agricultores, nascido no povoado de Corumbá, oeste de Minas Gerais, foi obrigado, pela dureza da vida, a abrir mão do estudo por um par de anos. Para ajudar o pai garantir a comida da família ; eram 12 filhos ;, em vez de frequentar o banco da escola, passava os dias nas lavouras.
Aos 22 anos, com apenas o quarto ano primário, ele decidiu que havia chegado a hora de trocar o trabalho braçal pelos livros. Aconselhado por um tio, mudou-se para Brasília, onde retomou os estudos. Apesar da rotina pesada, dos muitos serviços que realizava para bancar o sonho de se graduar, matriculou-se em supletivo para recuperar os anos perdidos. Perspicaz, não se intimidou em prestar vestibular para biologia, ainda que o desejo de ser médico não lhe saísse da cabeça. Aos 27 anos, conseguiu uma vaga na concorrida Universidade de Brasília (UnB). ;Eu resolvia exercícios mentalmente no ônibus, tinha vários resumos do lado da cama. No trabalho, espalhava cartazes pelas paredes com as fórmulas de química orgânica para memorizar ao longo do dia;, lembra.
Dividido entre o trabalho e a faculdade, José aproveitava todo tempo livre para se preparar para a disputa de um posto no curso de medicina, conquista que não demorou muito a chegar. ;Aos 29 anos, parecia que estava sonhando quando saiu a aprovação no vestibular;, conta. Cinco anos depois, ele se tornava o primeiro cidadão do vilarejo de Corumbá a ter um diploma universitário. Mas a opção pelo conhecimento foi além. Já graduado, passou a custear a escola dos cinco irmãos mais novos em Belo Horizonte. ;Ajudei a formar um médico, três dentistas e uma enfermeira;, orgulha-se.
O doutor Zé Maria tem absoluta certeza de que, não fosse o empenho em estudar, jamais teria construído uma história de sucesso. Casado e pai de duas filhas, uma médica e uma estudante de publicidade, ele nem pensa em parar. Mesmo aposentado, dá expediente em Alexânia e em dois hospitais de Brasília, sempre acompanhado por seus fiéis companheiros: os livros. ;Só paro de trabalhar e de estudar quando não der mais conta;, garante.
Diferença
Ainda que a vida não tenha sido tão dura para a servidora pública Cíntia Aparecida de Souza, 27 anos, foi seu apego à educação que lhe permitiu ostentar o primeiro diploma universitário de sua família. Ciente de que o pai, um operário da construção civil, e a mãe, uma dona de casa, não podiam bancar uma escola particular, ela ingressou em um cursinho comunitário preparatório para o vestibular oferecido pela Universidade Católica de Brasília. Ao fim de seis meses, prestou, com sucesso, o vestibular para Comunicação Social.
[SAIBAMAIS]Cíntia se agarrou à oportunidade com todas as forças e pediu uma bolsa de estudo à universidade. ;Me inscrevi e, no primeiro semestre, tive 80% de desconto. Ao longo do tempo, o abatimento caiu para 40%;, conta. Para custear a diferença da mensalidade, de
R$ 1,2 mil, ela estudava de manhã e, nos outros turnos, trabalhava em um hipermercado. Mesmo após receber o diploma, não deixou os livros. Já trabalhando em um banco, pagou um cursinho com o foco em um concurso público e, paralelamente, ingressou em uma pós -graduação.
Dois anos depois, era nomeada técnica administrativa na Secretaria de Saúde do Distrito Federal. ;Agora, posso ajudar meus pais. E é maravilhosa a sensação de obter sucesso pelo seu próprio esforço. Desde os 7 anos, nunca parei de estudar. Estou entre os livros há 20 anos;, afirma.
Para o cearense José Mirabor, nunca é tarde para voltar à escola. Natural de Sobral, trabalhou desde cedo para ajudar os pais, que não tinham emprego fixo, e os 10 irmãos. O primeiro emprego, ainda com 10 anos, foi em uma oficina mecânica. Hoje, aos 42 anos, ele se matriculou em uma faculdade. A partir deste mês, o encarregado geral de uma construtora se tornará estudante do curso de engenharia.
Foi o nascimento da filha Isadora, em 1998, que o fez despertar para a necessidade de estudar e se especializar. José voltou para o banco da escola em 2001 para terminar o ensino médio.
Recentemente, fez um curso para mestre de obras, bancado pela empresa. A faculdade teve que esperar um pouco. ;Minha prioridade era a educação da filha. Banquei escola particular até o fim do terceiro ano. Agora, chegou a minha hora;, celebra. Com o destino de Isadora encaminhado, José está ansioso pela volta à sala de aula. ;Eu sei que vai ser duro conciliar o trabalho de até 14 horas por dia com o estudo. Mas a empolgação é grande;, completa.
Superação
O entusiasmo de Ricardo Naves de Sena, 22 anos, não é menor. Natural de Taguatinga, percebeu ainda criança que possuía maior dificuldade no aprendizado em relação aos colegas. Mas não se deixou abalar e terminou o ensino básico aos 20 anos. Desde então, o rapaz só ascendeu. Conseguiu emprego na limpeza de uma faculdade particular, com um salário de R$ 450. Interessado, fez curso técnico para auxiliar. Aprendeu a lidar com fax, arquivos e programas de computador. Depois de passar um tempo como operador de audiovisual, hoje é auxiliar administrativo. O salário dobrou. Agora, almeja a educação superior.
Com uma ajuda de 85% da instituição em que trabalha, Ricardo se matriculou no curso de marketing. A mensalidade de R$ 739,99 sairá por R$ 110,99. A labuta não será fácil. O expediente no trabalho é de 7h às 16h e as aulas devem começar às 19h. ;Vai ser difícil. Mas, mesmo com dificuldade para aprender, sempre consegui fazer tudo. Saí da limpeza e hoje ganho um salário melhor, ajudo minha mãe a pagar as contas da casa;, orgulha-se. Determinado, ele conta os planos futuros. ;Todo mês, coloco o dinheiro que sobra em uma poupança. Quero comprar minha casa e tirar a carteira de motorista;, revela.