postado em 26/01/2012 08:00
Os cortes na taxa básica de juros (Selic) ainda estão longe de beneficiar o consumidor. De oito grandes instituições financeiras do país, que atendem quase 90% dos correntistas do país, os repasses desses ajustes foram praticamente inexistentes. Em algumas, houve inclusive elevação dos custos dos financiamentos exatamente no período em que o Banco Central derrubou a Selic de 12,50% para 10,50% ao ano entre agosto de 2011 e janeiro deste ano. O cheque especial e o crédito para aquisição de bens foram os segmentos nos quais um maior número de bancos, sobretudo os privados, aumentou as taxas praticadas. Para especialistas, os números mostram que os juros básicos definidos pelo BC estão em patamar excessivamente elevado, acima do que poderia ser considerado o ideal. Pior que isso, consideram que a política monetária perdeu potência após a crise de 2008.
Uma ala do mercado financeiro defende que, em razão da moderação na criação de empregos e na expansão do crédito, dificilmente um corte modesto na Selic levará o consumo para níveis de maior robustez. ;A inadimplência também está elevada e vai manter o crescimento do crédito em ritmo moderado;, explicou a economista Zeina Latif. Para ela, a política monetária ;perdeu tração; porque o canal de crédito, que reflete parte das decisões do BC, ficou desgastado. ;Esse canal não vai estar tão ativo, sobretudo porque nossa taxa de juros está muito elevada. A taxa de equilíbrio estaria abaixo do nível atual;, ponderou.
Uma simulação da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) mostra que, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), qualquer que fosse o corte dentro de um intervalo de 0,25 ponto percentual a 1 ponto percentual, os efeitos seriam mínimos sobre as operações de crédito. ;Esse fato ocorre porque existe uma diferença muito grande entre a Selic e as taxas de juros cobradas aos consumidores ; que na média da pessoa física atingem 114,84% ao ano ;, o que provoca uma variação de mais de 900% entre as duas pontas;, observa Miguel Oliveira, vice-presidente da Anefac.
Simulação
Mesmo se o Banco Central tivesse derrubado a Selic de 11% ao ano para 10% (um corte de um ponto percentual), o efeito sobre o crédito seria pequeno. Em um financiamento de R$ 500 parcelado em 12 vezes, o impacto seria uma economia de R$ 0,28 em cada prestação. Na compra de uma geladeira de R$ 1,5 mil no crediário, também em 12 meses, as parcelas seriam reduzidas em R$ 0,77. ;No fim das contas, o que pesa para o consumidor não é se foi retirado um tributo ou cortado 0,50 ponto percentual na taxa, mas apenas se a prestação cabe no bolso;, diz Zeina. Para um técnico do sistema financeiro que prefere não se identificar, a situação é grave porque as taxas apuradas pelo BC referem-se ao crédito efetivamente contratado pelo consumidor e não apenas aos juros oferecidos pelas instituições.
José Luís Rodrigues, diretor da Consultoria JL Rodrigues, resume a situação do crédito no país. ;A captação para os bancos menores está mais cara e o custo das operações, elevado. Está muito apertado;, criticou. Segundo dados do BC, dos oito maiores bancos, quatro elevaram o custo da operação do cheque especial entre agosto e janeiro, exatamente quando a Selic despencou 2 pontos percentuais. Três mantiveram as taxas praticamente inalteradas. No crédito para aquisição de bens, das oito instituições, cinco elevaram os custos para os consumidores no período.
Apenas no crédito para veículos, os bancos repassaram mais expressivamente os cortes na Selic. Porém, mesmo nas situações em que as instituições reduziram os juros, o recuo foi tímido. Nem mesmo os bancos públicos, tradicionalmente os primeiros a implementar as decisões do governo, apresentaram taxas atrativas. Com isso, o desejo do Palácio do Planalto de reativar a economia por meio do consumo pode ser jogado pela janela.
Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), defende o setor financeiro e explica que a formação das taxas de operações de crédito depende de outros fatores, e não apenas das movimentações na Selic. A seu ver, o volume de calotes se elevou demasiadamente nos últimos meses e isso tem pesado na conta dos bancos e instituições. ;Era esperado algum crescimento da inadimplência no ano passado, mas foi maior do que o mercado calculou. Então os bancos se tornaram mais restritivos;, justificou.
Procurados, nem todos os bancos comentaram o descompasso entre suas taxas e a queda da Selic. O Santander informou apenas que está analisando a última decisão da reunião do Copom. O Bradesco disse que não houve aumento nas taxas. ;A diferença aparece devido ao fato de o banco operar dentro de uma banda de taxas e, nesse conceito, a taxa pode sofrer pequenas alterações conforme o perfil diário das contratações das operações e da utilização dos limites de crédito pré-aprovados;, informou a instituição. Já o Banco do Brasil disse que, desde julho de 2011, promoveu cinco reduções nas taxas de juros, inclusive em financiamentos de veículos, acompanhando os cortes na Selic. Os demais bancos citados não responderam à reportagem.
Contraponto
Alguns integrantes do sistema financeiro questionam a metodologia do Banco Central para a apuração das taxas praticadas pelo mercado. Para eles, a forma como a autoridade monetária coleta os dados provoca distorções nas taxas das instituições, tanto para cima quanto para baixo. Dizem ainda que só haveria uma mudança expressiva em caso de redução drástica na taxa básica de juros (Selic).