Economia

Brasil irá demorar para ter inflação comparadas a países de primeiro mundo

postado em 31/01/2012 08:00
O servidor público Américo Santos, 61 anos, sente que viveu em dois países diferentes sem ter saído do Brasil. O primeiro acabou para ele em 1994, com o nascimento do Plano Real e o fim da inflação descontrolada. O segundo, surgido da estabilização da economia, é considerado por ele um céu de brigadeiro, que abriga um futuro promissor para os filhos e netos, e uma aposentadoria sem sobressaltos.

Santos sobreviveu a um Brasil onde ser milionário não era significado de riqueza. Seu salário saiu de 156 mil cruzeiros, em maio de 1983, para 2,2 milhões de cruzeiros, em dezembro de 1985 ; 1.300% de reajuste, fruto de uma correção monetária necessária para que ele mantivesse o poder de compra. ;Eu até posso dizer que era um milionário, pois recebia milhões em salário;, conta. ;Mas dinheiro naquela época não valia nada.;

Daqueles tempos, Santos não sente a menor saudade. ;Era um tormento. Muitas vezes, o dinheiro nem dava para comprar comida, tamanha era a velocidade das remarcações de preços nos supermercados. Felizmente, meus filhos não terão de passar por nada parecido. Muito menos a minha neta, Maria Giulia, 3 anos. Creio que, quando ela tiver 20 anos, o Brasil será muito melhor do que o de hoje;, diz.

A jovem Ilana, com os pais, Américo Santos e Maria das Graças, e a sobrinha, Giulia:

Aos 19 anos, Ilana, filha de Santos, não tem a dimensão exata das palavras do pai. Ela faz parte da geração que cresceu em um Brasil estável, que não admite a possibilidade de ir a uma loja um dia depois de pesquisar o preço de um produto e descobrir que ele foi reajustado. ;Seria loucura;, afirma. A jovem se sente motivada com o que os economistas chamam de previsibilidade, a possibilidade de planejar o futuro. Mas ressalva: ;Vejo um Brasil melhor, que ainda está longe de ser o país ideal. O controle da inflação foi apenas uma das conquistas. Outras precisam vir, como o fim das desigualdades;.

Recém-ingressa no curso de ciências contábeis da Universidade de Brasília (UnB), Ilana aprenderá na teoria aquilo que os pais sentiram na pele e no bolso, sobretudo nos anos 1980 e 1990, quando vários planos econômicos fracassaram sem que o país se livrasse da hiperinflação. A estudante também perceberá que, mesmo tirando proveito da estabilidade consolidada nos últimos 17 anos, o Brasil está longe de respirar tranquilo com os índices de preços. As taxas atuais ; 6,5% no acumulado de 2011 ; permanecem entre as maiores do planeta.

Professor da UnB, o economista Roberto Piscitelli é taxativo: ;A inflação se tornou uma obsessão para os brasileiros, porque foi uma experiência única no mundo. Não encontraremos nenhum país que, durante praticamente 40 anos, conviveu com a carestia como fizemos. Nenhuma outra nação deve ter criado tantos mecanismos e tecnologia para corrigir preços;. Por isso, recomenda ele, passada a primeira fase da estabilização econômica, o país precisa aprofundar o debate e levar a inflação para o nível de economias mais maduras e civilizadas ; entre 2% e 3% ao ano.

A depender do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, essa discussão se aprofundará. Ele admite que, no estágio alcançado pela economia brasileira, a sexta maior do mundo, não haverá espaço para uma meta de inflação de 4,5% ao ano, com possibilidade de oscilar dois pontos para cima (6,5%) ou para baixo (2,5%). Treze anos depois de adotado esse regime, o país continua ostentando a maior taxa a ser perseguida pela autoridade monetária. Na visão de Tombini, ao longo dos próximos anos, o país terá de estipular metas menores, com intervalos de variação mais exíguos. Esse será o preço definitivo a ser pago para que o Brasil enterre de vez um passado que, no máximo, deve ficar restrito aos livros de história.

O problema de uma meta de inflação tão elevada é que, na prática, ela acaba funcionando como um piso das expectativas e vem sempre acompanhada de um prêmio de risco. Assim, defende Ilan Goldfajn, economista do Itaú Unibanco, será preciso coragem para buscar inflação menor, o que vai além dos desejos do BC. Trata-se de um projeto de governo, que passa pelo equilíbrio definitivo das contas públicas. Ao se engajar definitivamente na busca por uma inflação de Primeiro Mundo, o país também poderá se livrar de outra mazela: a indexação da economia. Como os índices são altos, todo mundo quer manter a correção dos contratos pela inflação passada. É uma bola de neve sem precedentes no planeta.

Enquanto o Brasil tenta ampliar as conquistas das últimas duas décadas, a juventude pode ao menos sonhar com um futuro sem sustos e de muitas oportunidades. O casal de namorados Rafael Oliveira e Juliane Carvalho, ambos de 19 anos, acredita que, nos próximos 20 anos, construirá uma sólida carreira profissional. E, melhor, sem ter de transpor as barreiras que seus pais tiveram de enfrentar. ;Não vou desperdiçar o que a vida me oferecer;, garante Rafael.

Desejo

Nos cálculos do Itaú Unibanco, inflação de Primeiro Mundo, entre 2% e 3% ao ano, ainda vai demorar para se tornar realidade. Pelas projeções do banco, o Brasil continuará com um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em torno de 5% anuais ao menos até 2020 ; o que compromete o desejo da presidente Dilma Rousseff de terminar seu mandato com juros básicos de 9% ao ano.

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