A desconfiança que pairava sobre o mercado sempre que o governo prometia cumprir a meta cheia de superávit primário tinha, de fato, razão para existir. Esta terça-feira, ao deixar o Ministério da Fazenda em direção ao Palácio do Planalto, o ministro titular da Pasta, Guido Mantega, admitiu, pela primeira vez no ano, que o governo não conseguirá economizar o equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de tudo o que é produzido pelo país).
O primário é a economia para pagar juros da dívida pública, um parâmetro internacional que mede a capacidade do governo em honrar seus compromissos e de não gastar além do que pode.
Há apenas duas semanas o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, havia batido o pé e dito que ;não estava nos planos do governo não cumprir a meta cheia;. Para reforçar a argumentação, Augostin até chegou a dizer que os resultados fiscais de outubro, novembro e dezembro viriam ;mais fortes;, e que, principalmente em outubro, ;o fiscal seria muito mais consistente;.
PAC e Minha Casa, Minha Vida
Nos dias que se sucederam ao comentário do secretário do Tesouro, o governo se deparou com a realidade. Com a arrecadação federal frustrando qualquer estimativa de otimismo, o ministro da Fazenda veio a público esclarecer que lançará mão de um instrumento contábil que lhe permitirá abater na meta fiscal gastos com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do plano habitacional Minha Casa, Minha Vida.
Em tese, o governo poderia deduzir até R$ 42 bilhões no cálculo do superávit primário, mas Mantega reforçou que o abatimento não será todo esse valor. ;Nós deveremos deduzir alguma coisa que nos está determinado, (será) o mínimo possível porque nós queremos fazer o melhor resultado (primário) possível;, afirmou. Ele disse, no entanto, que o governo ainda não trabalha com um valor já programado para abatimento. ;Não tem número fixado;, reforçou.
Crise financeira
Esse expediente já havia sido utilizado pelo governo em 2009, quando o país ainda afundava em um cenário recessivo por conta do estouro da crise financeira em 2008. Ao deparar-se com um resultado mais tímido do que se esperava, Mantega jogou a toalha. ;A nossa arrecadação está comprometida;, disse o ministro da Fazenda.
Ele explicou que o governo não pretendia incluir gastos públicos como economia para engordar o superávit primário, ;apesar de estarmos autorizado a fazê-lo;, como frisou. Ao mesmo tempo, avaliou que o cenário restritivo econômico e as medidas de desonerações tomadas pelo governo para tirar o país do atoleiro resultaram em uma perda fiscal de $ 45 bilhões. ;Todos esses anos nós já estávamos autorizados a fazer isso e só o fizemos quando a situação ficou mais crítica, como, por exemplo, em 2009. Então neste ano nós deveremos fazer;, justificou-se.
Guido Mantega foi enfático em afirmar que o não cumprimento da meta fiscal ;não significa que estamos fazendo um afrouxamento das contas públicas;. ;Pelo contrário;, ele disse. ;Continuamos reduzindo o déficit (nominal nas contas públicas);. ;O déficit, este ano, vai ser menor do que o do ano passado, e vai continuar caindo;, prometeu. Para o ministro da Fazenda, mesmo reduzindo a dedução de uma parte do investimento, o governo continuará ;fortalecendo as contas públicas brasileiras;.