Enviado Especial
postado em 27/01/2013 08:00
São Paulo ; Pragmatismo. Na opinião do conceituado economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, essa é a virtude que falta ao governo para viabilizar os imprescindíveis investimentos de que a economia brasileira depende para crescer sustentadamente. Em 2012, diante da incerteza acerca da recuperação econômica global e da postura intervencionista do Estado em setores importantes, como o bancário e o de energia elétrica, o investimento produtivo recuou ao mais baixo patamar em 20 anos.
PhD em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, e diretor de política econômica do Banco Central (BC) entre 2000 e 2003, Ilan acredita que, para ganhar a confiança de empresários e investidores, o governo terá que permitir que as taxas de retorno das empresas ;sejam um pouco maiores; nos próximos anos. ;Não tem nada mais animador para o empresário do que perceber que terá uma taxa de retorno maior do que o risco que está correndo. Se você só tem só o risco e não tem o retorno, fica difícil conseguir o investimento. E o Brasil está precisando do investimento para crescer;, diz. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Ilan ao Correio.
Mesmo com os estímulos dados pelo governo, a economia ainda não deslanchou. O que falta para destravar o crescimento econômico?
O investimento precisa destravar e não é isso não é tarefa fácil. É uma variável que depende de confiança, de retorno (financeiro), de futuro. Para investir durante 20 ou 30 anos, é necessário uma certa confiança. Se ela não vier, você não consegue estimular o investimento.
Essa confiança foi abalada pelo comportamento intervencionista do governo em 2012?
Como o governo tomou várias medidas, criou-se muita dúvida a respeito do impacto que elas teriam. Isso pode, sim, ter desacelerado o investimento produtivo.
No ano passado, Petrobras e Eletrobras tiveram resultados decepcionantes em função da ação do governo. Para o acionista, isso não gera um medo de que essa política poderá ser retomada em 2013?
Esse é, de fato, um ponto a ser avaliado. Mas acredito que o que falta para viabilizar os investimentos produtivos é um certo pragmatismo do governo. Para diminuir um pouco essa incerteza, ele terá que permitir que as taxas de retorno das empresas sejam um pouco maiores. Não tem nada mais animador para o empresário do que perceber que terá um retorno maior do que o risco que está correndo. Se você só tem só o risco e não o retorno, fica mais difícil conseguir o investimento. E o Brasil está precisando do investimento para crescer.
Como viabilizar esse maior retorno sobre o investimento?
Tem muito projeto de longo prazo que depende de regras do governo, como os leilões. Vários deles têm preço mínimo (como condição para definir o vencedor). Então você pode ser um pouco mais duro ou um pouco menos duro no retorno que você acha adequado ao investimento. É claro que se olhar para o passado, vão ver que as taxas de retorno eram, de fato, muito altas no Brasil. Muitas na ordem de 20%. Só que agora já não é mais o caso. Então precisa corrigir isso. Não precisa que o retorno seja tão grande, mas também não pode ser tão pequeno. Eu diria que poderia ser algo entre 8%, 9% ou 10%.
Isso sobre capital inicial investido no projeto?
Exato. Na hora em que qualquer empresa for investir, ela precisa perceber que tem uma taxa de retorno adequada. Se botar R$ 100, tem de gerar R$ 107. Por que isso? Porque esses R$ 7 vão remunerar os acionistas, o governo. Isso é ainda mais importante quando se investe em setores regulados pelo governo, como o setor elétrico, de águas, rodovias, ferrovias. Quando eu digo pragmatismo, eu estou pensando, por exemplo, naquele plano de infraestrutura que deve ser viabilizado este ano. São R$ 200 bilhões em megaprojetos que devem movimentar bastante o mercado. Agora, se (o retorno) frustrar, provavelmente não terá comprador, fazendo com que o governo adie os leilões. Só que aí também não terá investimento. E sem investimento não tem como o país crescer acima de 3% em 2013.
Mas é possível crescer acima disso? Porque, para o Ministério da Fazenda, o crescimento será ainda maior, acima de 4%, 4,5%.
Eu não quero entrar nessa discussão. Tem gente que é autodenominado levantador de PIB (Produto Interno Bruto). Não é o meu caso. O meu papel é olhar o que está acontecendo na economia. Se o crescimento é de 3% na margem, tudo bem. Mas poderia, sem dúvida, ser maior do que isso. Mas para isso precisa de mais investimento, mais produtividade e, no longo prazo, precisaria de mais educação. Dá para crescer acima disso? Dá, mas não é fácil. Na verdade, eu não conheço nada nesse mundo que seja fácil.
O senhor acha possível atingir esse número de 4% ou ainda é cedo para apostar em um crescimento tão alto?
É cedo, tem muita incerteza ainda. Tem muita dúvida de quanto o Brasil cresce em velocidade de cruzeiro. No final do ano passado, o país estava crescendo em torno de 3%. Então isso hoje é o mais provável. Agora tem muita incerteza. Pode ser acima disso ou abaixo. Se continuar do jeito que acabou no ano passado, acho que será uma retomada lenta, da ordem mesmo de 3%.
E como comportar esse crescimento diante de uma inflação persistente? Ainda há espaço para mais cortes de juros em 2013?
A inflação, de fato, está muito pressionada. Ano passado, os preços estavam perto de 5,5%, mas hoje já estão próximos de 6%. Isso torna a política econômica mais desafiadora. Teremos meses com menos inflação e outros com mais inflação. Dependerá da importância que o governo dará à atividade econômica. Se ele achar que 3% de crescimento é um patamar muito baixo ou até ficar abaixo de 3%, ele pode achar que precisa dar mais um impulso com queda de juros e até outros estímulos (de política monetária).
O cenário internacional ainda preocupa?
Estou achando que não. A Europa ia quebrar em 2012, mas neste ano está começando bem. No ano passado, eles estavam à beira do abismo. Agora, o cenário está melhor, mais animado. As bolsas estão subindo e o crescimento chinês está mais forte. Nos Estados Unidos, as pessoas estão um pouco mais otimistas. Não aconteceu o tal do fiscal cliff (abismo fiscal).
Em tese, esse ambiente externo mais favorável deveria ajudar o Brasil a crescer mais neste ano, não?
Poderia, sim, ser uma boa notícia para o Brasil. Só que, por aqui, 2013 começou mais difícil. A inflação está indo para 6%. A previsão de crescimento é de 3%, mas, se crescermos isso, já será ótimo. Tem gente achando que não vai dar, porque falta investimento. E ainda tem o risco de racionamento de energia, com todo mundo se perguntando se vai chover ou não. E a discussão em torno das contas públicas.
Que efeito na economia teve a maquiagem dos dados do superavit primário em 2012?
Qualquer maquiagem é ineficaz, porque ela acaba com a transparência das contas públicas. Não se trata de as pessoas terem uma opinião ruim ou boa (sobre o quadro fiscal), elas simplesmente não conseguem entender qual, de fato, foi o esforço feito. Na pior das hipóteses, acontece como no ano passado, quando todo mundo reclamou dessas mudanças contábeis.
Não teria sido melhor o governo dizer que, diante de um ano difícil, não seria possível mesmo fazer um esforço fiscal tão grande?
É verdade que, se o governo tivesse admitido desde o começo que o primário seria menor, isso teria uma consequência mais leve da que acabou acontecendo. Mas também há um outro problema, que é o engessamento do Estado. O governo está preso ao arcabouço (legal) existente, que obriga o cumprimento integral da meta de superavit, sempre. Por isso, acredito que deveríamos ter uma política flexível, como existe no Chile, por exemplo. Em anos difíceis, é possível cumprir uma meta menor; em anos fáceis, o esforço seria maior. Isso se chama meta estrutural.
De certa forma a meta já é flexível, uma vez que o governo pode abater do primário os recursos do PAC, do Fundo Soberano e até usar dividendos das empresas estatais...
Acontece que mesmo se tivesse usado mais o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), ainda assim não seria suficiente (para cumprir a meta cheia). E também tem o fato de que o nosso arcabouço (legal), mesmo com o PAC, não é perfeito. Por isso eu realmente prefiro uma meta que flutue em função de alguns elementos, como o PIB e os preços relevantes da economia. Eu prefiro isso a utilizar o PAC para cumprir o primário.
E quanto a tirar do esforço fiscal o resultado dos estados e municípios, como já se discute internamente no governo? O senhor acredita que isso poderia favorecer o cumprimento primário?
Eu me pergunto qual a vantagem de se tirar estados e municípios da meta? A gente ter, de novo, uma métrica ruim? A gente avançou quando a gente implantou uma métrica abrangente. O superávit de estados e municípios continuará existindo. Não vejo nenhuma vantagem ou uma forma de resolver (o problema) tirando eles da contabilidade pública.
Também há um debate sobre a necessidade de se fazer um primário alto mesmo em um ano de maior dificuldade econômica.
Eu diria que se o governo quisesse admitir um primário menor, isso seria consistente com uma dinâmica da dívida sobre o PIB ainda estável ou até decrescente neste ano. Acredito que o primário de 2%, com os juros básicos como estão hoje, em 7,25% ao ano, permite uma trajetória da dívida líquida como proporção do PIB estável ou até decrescente.
Mas e quanto à dívida bruta, que não para de subir?
Mas aí entra nessa questão. Daria para a dinâmica da dívida sobre o PIB ser favorável mesmo que você deixasse na dívida líquida todas essas questões, como as capitalizações dos bancos públicos. Mesmo assim a dinâmica da dívida versos PIB seria positiva.
O Brasil é um dos poucos países que adota como parâmetro para as contas públicas o conceito de dívida líquida. Isso é um problema?
Eu acho que o conceito não errado. Veja, o conceito de dívida líquida é levar em conta o o passivo, que é o que o governo deve, mas também dizer o que você tem de ativos. Se você acumula reservas, você tem que levar isso em consideração (na contabilidade pública). O que é ruim, na verdade, é utilizar o conceito de dívida líquida para deixar de fora diversas coisas que deveriam entrar na dívida. É justamente por esse motivo que começam a surgir dúvidas e a desmoralização do conceito de dívida líquida.
Não é um mau sinal o governo propor sempre uma contabilidade que o favoreça? Um exemplo é a não contabilização das importações da Petrobras em 2012, para não prejudicar o saldo comercial do fim de ano. Só que isso já está jogando contra a balança neste início de ano. Isso não é tapar as pernas e descobrir a barriga?
Todas as questões de curtíssimo prazo não ajudam muito. Elas podem contribuir por um mês ou dois, mas não resolvem por muito tempo. Eu diria que as políticas que dão certo são as mais longas, que tentam corrigir o problema e não apenas cobrir o buraco. O mesmo vale para essas medidas que mexem nos preços de ônibus de um mês para outro, com o objetivo de segurar a inflação de curto prazo. Além de não ganhar muito tempo, é muito desgastante, porque aliviar um mês em detrimento de outro não vale todo esse esforço.
Uma inflação alta e persistente reduz as chances de o Brasil crescer sustentadamente?
A inflação é o sintoma. O que tem de melhorar é a produtividade. Se o país consegue crescer sem gerar inflação, evolui de forma saudável. Nosso desfio é o de produzir mais com as pessoas hoje disponíveis. Por isso, voltamos à questão do investimento e à educação. Precisamos investir e educar mais. Dessa forma, as mesmas pessoas que hoje estão empregadas vão conseguir produzir mais, e aí não vai ter problema de inflação.
O que falta para o Brasil ser um país se tornar um país avançado?
Não falta tanta coisa. Acredito que apenas um pouco mais de infraestrutura e logística, com mais portos, aeroportos, ferrovias e rodovias de melhor qualidade. Isso já ajudaria a destravar muita coisa. Agora, quando se pensa em 10 anos, o que falta é a educação mudar de patamar. Com o avanço da educação, o trabalhador será capaz de dobrar a sua produtividade, tornando o país mais eficiente. Para isso, no entanto, será preciso trabalhar duro. Combinar essas duas coisas não é nada impossível ou nada mágico. Mas também não vem do céu.