postado em 05/02/2013 13:09
Uma disputa bilionária envolvendo dois grupos econômicos com interesses e apoios antagônicos junto ao governo tem agitado os bastidores da política comercial em Brasília. A batalha envolve três gigantes do setor siderúrgico, Gerdau, ArcelorMittal e Votorantim, representadas no processo pelo Instituto Aço Brasil, e o sindicato que congrega os revendedores brasileiros de sucata ferrosa, o Instituto Nacional das Empresas de Sucata de Ferro e Aço (Inesfa).O embate gira em torno da solicitação das siderúrgicas para que o governo crie dificuldades para a exportação de sucata ferrosa. Pelo pedido protocolado em agosto do ano passado junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), o Brasil passaria a retaliar os países que taxam ou impedem a exportação da matéria-prima, como são os casos de Argentina, Ucrânia e Emirados Árabes, entre outros.
A proposta é que Brasil devolva na mesma moeda as restrições comerciais impostas por esses países. Ou seja: para os mercados que cobram uma sobretaxa de 20% nas exportações de sucata, o Brasil praticaria a mesma alíquota; já os países que simplesmente proíbem as vendas dessas mercadorias ao exterior, a conduta seria a de reciprocidade. O que quer dizer que esses mercados seriam proibidos de serem acessados pelas as empresas brasileiras de sucata.
Contrários à medida, os revendedores da matéria-prima dizem que efeito prático da retaliação será a drástica redução das exportações, uma vez que 72% das vendas externas de sucata têm como destino países que praticam algum tipo de restrição ao comércio dessa mercadoria. Assim, ao reduzir o volume de exportações do insumo, cairia também que o
preço do insumo vendido no mercado brasileiro, o que seria particularmente vantajoso para as principais compradoras da sucata, as usinas siderúrgicas. ;Vemos essa proposta com um único objetivo, que é o de aumentar ainda mais as gordas margens de lucro praticadas pelas siderúrgicas brasileiras;, dispara o presidente do Inesfa, Marcos Sampaio.
Não é o que pensa o Instituto do Aço, que diz que o objetivo da restrição é impedir que falte matéria-prima no mercado nacional. ;No Brasil, toda a sucata processada é comprada pelas empresas produtoras de aço. Como nem sempre essa oferta é suficiente, eventualmente somos obrigados a importar;, diz a nota da entidade, que reforça: ;(Procuramos o governo) para pleitear não o bloqueio das exportações de sucata, mas sim a reciprocidade de taxas de exportação promovidas por alguns países;, pondera.
Ouro cinza
A controvérsia se explica pelo alto valor de comercialização da sucata de ferro, muitas vezes considerada o ouro cinza da indústria de reciclagem. No Brasil, cada tonelada da matéria-prima chega a custar até R$ 500. Apenas como comparação, a tonelada de minério de ferro, um outro componente importante da indústria do aço, é cotada atualmente em cerca de metade desse valor, por volta de US$ 120.
Quando se trata dos preços praticados no mercado externo, a atratividade do comércio de sucata se torna ainda mais vantajosa. Em média, cada tonelada vendida lá fora chega a valer até 30% a mais do que é pago no mercado interno. E o que não tem faltado é comprador para esses produtos. Somente em 2012, o Brasil exportou 338 mil toneladas do insumo. Um número que ainda representa uma pequena quantia no lucrativo e enorme comércio interno da sucata, da ordem de 10 milhões de toneladas por ano.
Não à toa, somente em 2010, a receita operacional líquida das empresas do setor atingiu a marca recorde dos R$ 6,3 bilhões, o que representa um incremento de R$ 1,5 bilhão sobre os números já altos de 2009. Na mesma toada seguiram os lucros das indústrias siderúrgicas, que tentam reduzir ainda mais os custos com a aquisição de matérias-primas e, com isso, aumentar ainda mais a atratividade dos seus negócios. Em um relatório publicado no ano passado, o Instituto do Aço Brasil informou que o faturamento líquido das usinas instaladas no país somou, somente em 2011, o equivalente a R$ 65,6 bilhões. Ou seja, cerca de 10 vezes mais do que o faturamento líquido da indústria da sucata um ano antes, em 2010.
Lobby forte
Tamanho poder econômico de ambos os lados envolvidos na disputa se traduz em força política para angariar aliados, sejam eles no setor privado ou no governo. Pelo lado dos industriais da siderurgia, dois nomes de peso advogam pela restrição às exportações de sucata. Oficialmente, quem faz o lobby das empresas junto ao governo é o presidente executivo do Instituto do Aço, Marco Polo de Mello Lopes, que goza de livre trânsito junto ao Ministério do Desenvolvimento e ao ministro da Pasta, Fernando Pimentel.
A segunda voz a argumentar pelos industriais do aço é a do empresário gaúcho Jorge Gerdau, o homem-forte de Dilma Rousseff no setor privado, tido por muitos em Brasília como o mentor intelectual da presidente para assuntos de competitividade e gestão dentro do governo. Nas palavras de um interlocutor da equipe econômica, Gerdau é um dos poucos empresários que não precisam de apoio ou permissão para agendar uma reunião particular com a presidente. ;Ele é um dos poucos que tem esse privilégio, seja de dentro do governo ou de fora, do setor privado;, diz.
Do outro lado da disputa também há nomes de peso que intercedem pelo lobby da sucata. Sem apoio político em Brasília, mas com dinheiro suficiente para comprá-lo, as revendedoras do insumo ferroso contrataram os serviços de consultoria da empresa tocada em conjunto pelo ex-ministro do Desenvolvimento e Comércio no governo Lula, o
empresário Miguel Jorge, e o seu então secretário de comércio exterior, Welber Barral.
Não satisfeitas, contrataram os serviços de consultoria do economista Gesner Oliveira, que foi uma influente voz dentro do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Durante a gestão tucana, Gesner fez de tudo um pouco na equipe econômica. No Ministério da Fazenda, foi o segundo na linha de frente nas secretarias de Acompanhamento Econômico e de Política Econômica. Com a experiência acumulada no cargo, logo foi alçado à presidência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que presidiu durante quatro anos, de 1996 a 2000.
Fogo cruzado
Ainda não há como prever quem sairá vencedor dessa contenda, mas, a princípio, é o lobby do aço quem tem levado vantagem nas tratativas junto ao governo. Na última quarta-feira, antes de se reunir com representantes do Instituto do Aço, em Brasília, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, afirmou ao Correio ser ;muito difícil; atender a proposta das siderúrgicas, e avisou: ;Essa medida de reciprocidade, conforme se propõe, é condenada pela OMC (Organização Mundial do Comércio), então acredito que não seja possível atendê-la;.
A avaliação do ministro foi feita minutos antes de Pimentel se reunir os industriais do aço, que vieram a Brasília pressionar o governo para que a briga em torno da sucata seja incluída na pauta da próxima reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), marcada para a próxima terça-feira, dia 5.
A aposta das siderúrgicas é que, em um momento em que a equipe econômica busca soluções para reduzir uma inflação persistente, taxar as exportações de sucata significaria diminuir os preços do insumo no mercado interno. Com isso, cairia também o custo de fabricação do aço, que é o principal componente utilizado pela indústria nacional.
Temendo que o governo compre esse discurso, o lobby das empresas de sucata ferrosa reagiu na mesma moeda. Dois dias após o Instituto do Aço ser ouvido pelo ministro do Desenvolvimento e Indústria, o Inesfa agendou uma reunião em Brasília com secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Carlos Márcio Cozendey.
A princípio, a resposta ouvida por ambos os lados foi que o governo entende que ainda é cedo para tratar desse assunto. Foi o que disse, por exemplo, o próprio ministro Pimentel, durante a manhã da última quarta-feira, quando questionado pelo Correio. ;Eu acredito que essa discussão ainda não está madura o suficiente, então não creio que seja possível levá-la para votação neste momento;, disse.
O ministro deve ter mudado de ideia, porque, conforme assegurou uma fonte do governo, o embate em torno da sucata será mesmo colocado na pauta de votações da Camex da próxima terça-feira. ;Não é possível dizer se haverá uma definição sobre esse o assunto, mas que será levado à discussão, isso já está confirmado;, contou a fonte, sob
condição de anonimato.
Essa agilidade no andamento da controvérsia era exatamente o que temia as empresas de sucata, que apostavam na demora do Estado para que o assunto esfriasse. ;Esperamos, sinceramente, que o prazo para apreciação dessa questão seja o governamental;, contou o advogado André de Almeida, fazendo uma clara referência à demora natural com que questões semelhantes tramitam na esfera pública. Para o advogado, que defende o lobby da sucata, se o pleito das siderúrgicas andar rápido demais, como tem ocorrido, ;significa que algo está muito errado;, defendeu.