Agência France-Presse
postado em 10/04/2013 14:22
Pressionado para reduzir custos e melhorar sua competitividade, o Brasil apostou na rota bioceânica para conquistar o mercado chinês, e embora a obra empolgue as autoridades, deixa insatisfeito um de seus supostos beneficiários: os exportadores de grãos. A rota que une o Pacífico ao Atlântico - do porto brasileiro de Santos aos portos de Arica e Iquique (no Chile) e de Matarani e Ilo (no Peru), já está em funcionamento, embora longe de ser unanimidade sobre seus benefícios.O corredor viário principal de 3.450 km "é interessante para a integração regional, mas para a exportação de grãos não tem impacto algum", disse à AFP Edeon Vaz Ferreira, diretor do Movimento Pró-Logística, que reúne o setor produtivo do Mato Grosso, principal estado produtor de soja e milho do Brasil.
Em um dos poucos estudos sobre o impacto logístico da obra, que teve sua última etapa concluída no fim de 2012 em território boliviano, a Pró-Logística estabeleceu que a via interoceânica ainda é muito cara para os exportadores. "É extremamente onerosa, o frete é muito caro, a passagem viária pela Bolívia tira a sua competitividade", afirmou Vaz Ferreira.
Até agora, a maior parte da carga que sai do Mato Grosso chega ao porto de Santos depois de percorrer 1.950 km por estrada e trem, e dali parte em direção ao Pacífico.
Ao chegar ao porto chinês de Xangai, o exportador brasileiro pagou em transporte 190 dólares por tonelada - 145 dólares em fretes dentro do Brasil -, enquanto o custo para o exportador argentino e para o americano - seus principais competidores - foi de 102 e 72 dólares, respectivamente.
O Brasil pode superar nos próximos meses os Estados Unidos como o principal produtor de soja no mundo, com uma colheita estimada em 82,1 milhões de toneladas para a colheita 2012/2013. A China é seu principal mercado e, por sua vez, seu maior sócio comercial. "E ainda não foi comprovado que a passagem pela Bolívia, através da bioceânica, reduza o custo", afirmou Vaz Ferreira.
No entanto, a Associação Brasileira de Transportes Internacionais (ABTI) tem uma avaliação muito diferente. "O acesso entre os portos do Brasil com os do Chile deve ser benéfico para todos os operadores de comércio exterior, exportadores, importadores, despachantes aduaneiros e transportadores", afirmou Gladys Vinci, coordenadora de questões internacionais da ABTI.
O Mato Grosso do Sul, um dos estados agrícolas pelos quais esta rota também passa, tem como única alternativa Santos, e com a utilização do corredor entre Brasil e Chile, passando pela Bolívia, "a redução (da viagem) é de até 12 dias", afirmou Vinci em uma mensagem de correio eletrônico.
Talvez os benefícios sejam sentidos pelos exportadores médios de produtos de alto valor agregado, que não sofrem muito o impacto do custo do frete, mas para os vendedores de matérias-primas a rota ainda não é alternativa, responde Vaz Ferreira. Com um custo aproximado de 3,7 bilhões de dólares, o corredor bioceânico tomou forma após uma reunião presidencial entre Brasil, Bolívia e Chile em 2007.
No caso do Brasil, a obra consistiu principalmente em melhorar as condições do traçado entre Santos e Corumbá, cidade localizada na fronteira com Puerto Suárez, na Bolívia, por onde a rota passa até chegar a Santa Cruz de la Sierra, a capital econômica da Bolívia. A princípio, o projeto bioceânico foi apresentado como a nova porta de entrada para a China, o principal comprador de matérias-primas sul-americanas. O Brasil já conta com um acesso ao Pacífico pelo Norte, através da Amazônia e dos Andes para chegar a portos peruanos.
"O corredor tem como finalidade promover o comércio fronteiriço, incentivar as exportações brasileiras destinadas aos crescentes mercados asiáticos", afirmou o ministério do Transporte. Mas a expectativa foi se ajustando até torná-lo uma rota potencialmente vantajosa para o comércio entre os países envolvidos, embora os exportadores sigam olhando para a China.
O corredor bioceânico "constitui uma nova alternativa viária e em um importante eixo de integração" local e regional, afirmou a assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores ao ser consultada pela AFP. Além disso, poderá "elevar o nível de competitividade das economias dos países envolvidos, independentemente de qualquer economia, não apenas a chinesa", acrescentou.
A obra ainda deve ter sua inauguração oficial, mas já são vários os desafios imediatos: regulamentar normas de trânsito comuns e o peso dos caminhões que, no caso da Bolívia, já estão afetando as vias no trecho boliviano, segundo Roberto Silva, historiador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e autor do estudo "A rota bioceânica e sua conexão com uma zona de fronteira".
"Pode ser que a obra física já tenha terminado, mas para a integração comercial, social e até política em fronteiras como as de Corumbá e Puerto Suárez, falta muito", disse.