O candidato brasileiro para comandar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o embaixador Roberto Azevêdo, está otimista com a possibilidade de vitória. ;As conversas que venho mantendo com as autoridades dos países-membros durante a campanha têm sido elucidativas e muito positivas;, afirmou. Fontes do Itamaraty estão também confiantes. Vencerá quem tiver 80 votos, ou mais, das 159 nações que integram o órgão multilateral. O governo informou que Azevêdo teria mais do que o necessário para ser eleito, mesmo sem o apoio da União Europeia (UE) que, ontem, apesar da divisão interna de 15 contra 12, sinalizou apoio ao candidato mexicano, Hermínio Blanco.
Hoje, será concluída a terceira e definitiva etapa do processo de seleção do substituto do francês Pascal Lamy, que está à frente da OMC desde 2005. É a primeira vez que dois latino-americanos participam da fase final dessa eleição. O anúncio oficial será feito amanhã. O voto é fechado e coletado por três embaixadores, que ouvem todos os países. O nome com menor rejeição e maior consenso será o escolhido para comandar orgão ao longo de quatro anos, podendo renovar o mandato por igual período. Nesse contexto, Azevêdo vem sendo o candidato das nações emergentes e mais pobres, principalmente, as africanas, enquanto o seu oponente, Blanco, tem atraído a simpatia dos países ricos.
A seguir, a entrevista de Azevêdo ao Correio.
Qual o maior desafio do próximo diretor-geral da OMC?
Resgatar a atratividade e a centralidade da organização será certamente um dos grandes desafios. Quando foi criada, em 1995, a OMC representou um grande avanço para o sistema multilateral de comércio, ao estabelecer um foro baseado em três pilares: solução de controvérsias, revisão das políticas de comércio e negociações comerciais. Os dois primeiros têm funcionado muito bem, mas o pilar das negociações, que é que permite ao sistema evoluir, está sem se atualizar há 20 anos. É preciso reconquistar o empenho no sistema, sob o risco de que a OMC perca relevância. E, para resgatar esse empenho, encontrar uma solução para a Rodada Doha será fundamental. A conferência ministerial de Bali, que ocorrerá em dezembro próximo, será uma oportunidade de darmos o passo inicial nesse processo. Caso seja escolhido diretor-geral, pretendo buscar, junto a cada um dos países-membros, uma solução que permita não só avançar nos temas em que o consenso está mais delineado como também lançar as bases para negociar as questões mais sensíveis. A experiência e o conhecimento que adquiri nesses quase vinte anos de trabalho com comércio internacional permitirão que eu comece imediatamente a buscar um consenso. Não digo que será uma tarefa fácil, mas estou seguro de que é possível encontrar uma solução. As conversas que venho mantendo com as autoridades dos países-membros durante a campanha têm sido elucidativas e muito positivas.
A percepção de que o Brasil é um país mais fechado que o México ao comércio internacional tem prejudicado a sua candidatura?
O que influenciará decisivamente na escolha dos membros é a capacidade do candidato para articular consensos entre distintas posições. E, nesse ponto, o fato de eu ter atuado como representante do Brasil tem muito a acrescentar à minha candidatura. O país sempre pautou sua ação internacional na defesa do multilateralismo e das instituições. Foi um dos 23 países signatários do GATT (primeiro acordo multilateral de comércio no pós-guerra), em 1947, e é membro fundador da OMC. E foi representando o Brasil, integrando o núcleo central das negociações em todas as suas fases, que eu pude acumular conhecimento das disciplinas e dialogar com representantes de todos os países que integram a organização. Se for selecionado para o cargo de diretor-geral, trabalharei, como representante de todos os países-membros, para resgatar a força do multilateralismo na OMC.
O Brasil insiste em colocar o câmbio em pauta na OMC. Isso será possível?
A análise sobre os efeitos do câmbio no comércio internacional foi levantada na OMC porque se decidiu que seria útil trazer o assunto ao debate dentro da organização. Esse é um tema extremamente técnico, em que há divergências até sobre o próprio método de cálculo dos desalinhamentos cambiais. Mas a decisão de continuar ou não discutindo essa questão no âmbito da OMC compete exclusivamente aos membros da organização. Se eles resolverem que não deve mais discutir o assunto, o debate deixará de ocorrer.
Seu oponente tem sido identificado como o preferido pelos países mais ricos, e o senhor, entre os demais. Esse alinhamento o prejudica?
O Brasil não lançou minha candidatura com essa perspectiva de representar um grupo específico de países, mas porque tem a confiança de que ela consegue conformar a vontade de todos os membros da OMC. A minha candidatura está baseada na composição, e não na polarização. Uma radicalização nesse momento tão sensível pelo qual passa a OMC poderia ser muito prejudicial à organização.
A clivagem mencionada acima poderá dificultar a aceitação do nome escolhido?
Como eu disse, a OMC não pode ser submetida a uma polarização nesse momento. É preciso buscar o consenso com todas as forças, e é isso que farei, se for escolhido.
Os governos da França e do Reino Unido têm trabalhado nos bastidores contra a sua candidatura. Por que isso acontece, na sua avaliação?
Visitei países da Europa durante a campanha e, nos encontros que mantive, recebi manifestações muito positivas, tanto de membros da União Europeia quanto de países que não integram o bloco. É natural que algumas nações se identifiquem mais com as perspectivas de outros candidatos e decidam manifestar sua preferência por eles. Ainda assim, pude concluir após meus contatos que a nossa candidatura colhe o apoio de todas as regiões e de países desenvolvidos, em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo.
As queixas contra a política industrial brasileira no Comitê de Investimentos da OMC, na semana passada, prejudicaram a sua candidatura?
O questionamento de políticas adotadas por governos, como acontece agora com o Brasil, faz parte dos trabalhos regulares da OMC e ocorre periodicamente. Trata-se de uma oportunidade para os membros conhecerem melhor as políticas uns dos outros. Não está relacionado ao processo de seleção do próximo diretor-geral, que se baseia nas características pessoais dos candidatos.
Seu oponente tem destacado o fato de ser mais experiente, tendo ocupado o cargo de ministro nas negociações do Nafta. Isso é um trunfo para ele?
A OMC foi muito favorecida nesse processo de seleção, porque contou com candidatos extremamente qualificados. Mas o que eu considero primordial, nesse momento por que passa a organização, é recuperar a confiança no sistema. E, para recuperar essa confiança, é fundamental que o futuro diretor-geral tenha a habilidade de transitar, com facilidade, entre os diferentes agrupamentos de países, independentemente do grau de desenvolvimento que tenham. É preciso que ele tenha credibilidade para alcançar os consensos possíveis, sem jamais pretender impor visões de uns ou de outros. Em minha experiência como negociador, construir pontes entre meus pares sempre foi meu objetivo. E, para isso, é necessário dominar as disciplinas da organização, o histórico das negociações, as posições negociadoras de cada parte e as sensibilidades de cada um. Precisamos encontrar soluções criativas e viáveis. Penso que minha trajetória em muito contribuirá nesse papel de facilitador de consensos.