Paulo Silva Pinto - Enviado Especial
postado em 20/02/2014 06:05
São Paulo ; Com um grande jardim, em uma rua arborizada, o casarão em estilo alpino no bairro paulistano do Pacaembu sugere um refúgio de férias. Lá dentro, porém, o expediente de trabalho é intenso a partir das 7h, de segunda a sexta. Na sua consultoria, a Ideias, o ex-deputado federal, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento Antonio Delfim Netto, segue trabalhando,aos 85 anos. Professor emérito de economia da Universidade de São Paulo, de onde saiu para o governo nos anos 1960, ele mantém ainda uma intensa agenda acadêmica.
Delfim não desgruda de Brasília. O desafio dos parlamentares a vetos presidenciais na terça-feira foi segundo ele, ;uma patifaria;. Há, disse, o risco de ser detonado, com derrubada dos vetos a projetos que aumentam despesas, a tal ;tempestade perfeita;. É o fenômeno nada natural que pode colocar o Brasil no meio de uma grande crise, de que ele fala com frequência.
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[SAIBAMAIS] Fora isso, Delfim acha que a situação do país é ruim, mas não demais. E pode ser revertida com maior sintonia entre governo e setor privado. Ele identifica preconceitos mútuos hoje. Acha que a mudança será possível no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, cuja reeleição considera praticamente certa. ;É o que eu sempre digo aos meus amigos. Temos que saber usá-la, porque ela está aí. É absolutamente correta. Os projetos não são maus.; Delfim sugere aos empresários que se aproximem do governo. E que o Planalto aja com reciprocidade, do contrário há risco de uma recessão.
O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) colocou o Brasil em segundo lugar no ranking da vulnerabilidade. O senhor achou um exagero. O BC também. Mas o que achará o mercado?
O mercado tende a acreditar em tudo o que está escrito em inglês. E se for de um PHD, então, é muito mais correto. No fundo, é uma espécie de vingança. Quando o Guido (Mantega) disse que tinha uma guerra cambial, aquilo amolou demais o Fed. Porque era verdade. Na primeira oportunidade, resolveram tirar um sarro. Construíram um indicador que são outros seis indicadores ponderados. Então disseram: onde o Brasil é pior, eu aumento o peso. Onde o país é bom, eu reduzo. Aquilo não tem o menor valor. Mas o mercado acredita. Foi irresponsabilidade o que o Fed fez.
O senhor diz que a estabilidade é uma obra inacabada. Ele já tem 20 anos. Vai dar para acabar um dia?
O Brasil, depois da Constituição de 88, tem melhorado sistematicamente. A Constituição tem problemas graves. Instituiu indexações, vendas condicionadas. Mas ela tem vetores da maior importância civilizatória. Não tem nenhum país emergente em que o Estado e o setor privado obedeçam à mesma lei. E sob o controle de um supremo tribunal que é independente de fato. Nunca houve nenhuma dúvida sobre a lisura da eleição. Outro negócio que é a essência do processo civilizatório é a igualdade de oportunidades. Há um jogo entre a urna e o mercado. Eles produzem um equilíbrio que vai convergindo para a sociedade que nós desejamos. Se você quer fazer justiça, é absolutamente necessário que todos partam do mesmo ponto. As pessoas pensam que isso teve início com o PT, mas começou em 1500.
O senhor é a favor de transferência de renda, incluindo o Bolsa Família?
Claro que sim! Um dos criadores disso tem uma frase perfeita: o bom programa é aquele que se suicida. Você dá o suporte e cria as condições para que a pessoa deixe o programa. Houve uma inclusão social imensa no Brasil nos últimos 20 anos, que se acelerou com o governo Lula. Ele foi beneficiado por um enorme vento de cauda, que terminou em 2010. A Dilma está pegando um vento de proa. Isso mostra que a ênfase na distribuição em detrimento da produção tem um limite, porque, em cada instante, se você consumir mais, investe menos. Se investir mais, vai ter que consumir menos.
Antes, esse jogo não era visível porque o mundo estava nos ajudando. As relações de troca haviam melhorado dramaticamente, mas usamos isso de modo errado para congelar o câmbio e combater a inflação. Essa é a semente da destruição que estamos vivendo. Nos últimos 10 ou 20 anos, primeiro roubamos da indústria nacional as exportações. Depois, tiramos o mercado interno. Grosseiramente, são US$ 320 bilhões de demanda do setor industrial que sumiram. Estamos vivendo as consequências do que fizemos.
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