Economia

Duas semanas após a moratória, crise da dívida argentina continua sem saída

Argentina tomou a decisão de não aceitar a exigência do juiz de pagar 1,33 bilhão de dólares aos fundos chamados de "abutres"

Agência France-Presse
postado em 13/08/2014 18:32
Nova York - Duas semanas depois de a Argentina ter entrado em moratória por uma ordem judicial nos Estados Unidos vinculada ao litígio com fundos especulativos, o caso parece bloqueado entre as limitações do juiz para forçar o pagamento e a decisão do governo de Cristina Kirchner de não ceder.

Mesmo que cada analista faça seu próprio prognóstico sobre certos aspectos da complexa situação judicial e financeira criada no dia 30 de julho, todos concordam em um ponto: "Entrou-se em um terreno desconhecido sem precedentes", como disse em uma entrevista à AFP o ex-ministro da Economia argentino Roberto Lavagna.

[SAIBAMAIS]"Este foi um jeito duro de aprender que, no fim das contas, os tribunais americanos não têm controle sobre as políticas internas dos países estrangeiros", afirmou a analista Anna Gelpern, do Instituto Peterson de Economia Internacional, sugerindo que o "default não era o plano" do juiz federal Thomas Griesa.


Griesa bloqueou no final de junho um pagamento da Argentina de 539 milhões de dólares por títulos reestruturados em 2005 e 2010 para forçar o país a cumprir sua decisão a favor dos fundos especulativos por dívida em moratória desde 2001.

Mesmo com o vencimento do prazo de carência, no dia 30 de julho, e com as negociações de última hora em Nova York na presença do ministro da Economia Axel Kiciloff, a Argentina tomou a decisão de não aceitar a exigência do juiz de pagar 1,33 bilhão de dólares aos fundos chamados de "abutres", porque compraram a dívida já em moratória.

As agências de classificação de risco declararam o país em "moratória parcial" e o pagamento dos seguros da dívida foi ativado. O governo argentino, contudo, não se conformou: garante ter cumprido sua obrigação de pagar aos 92,4% dos credores que aceitaram a renegociação e acusa Griesa de ter gerado uma situação "insólita".

Embora, do ponto de vista técnico legal, a sentença possa ser considerada acertada, questiona-se sua execução, que toca em aspectos delicados como a imunidade soberana dos Estados.

Segundo o economista Claudio Loser, da consultoria Centennial Group Latin America, "no setor financeiro há uma unanimidade sobre a validade da decisão, em particular porque foi aprovada pelo tribunal de apelações e, em última instância, pela Suprema Corte dos Estados Unidos".

"Há diferenças de tom sobre o impacto nos mercados financeiros mundiais, mas existe um claro entendimento de que se chegou corretamente à decisão", acrescentou.

São poucos os que eximem a Argentina de culpa, embora nos últimos dias cada vez mais analistas tenham questionado na imprensa americana a teimosia do juiz em fazer cumprir ao pé da letra um contrato em um contexto que supera sua jurisdição dando razão àqueles que aproveitam a fundo os resquícios do sistema judicial.

Onde está o piloto?

Um dos exemplos concretos do limbo criado por Griesa são os 539 milhões de dólares pagos pela Argentina e retidos no Bank of New York Mellon (BoNY).

O governo argentino argumenta que esse dinheiro, uma vez depositado na conta do agente fiduciário, já não é mais seu, e que, por isso, Griesa não pode retê-lo ou embargá-lo.

Griesa não tocou nos 539 milhões para pagar parte da sentença. De acordo com alguns especialistas, isso pode indicar que esse dinheiro já não pertence legalmente à Argentina e que não pode ser embargado por estar da conta do BoNY no Banco Central da República Argentina (BCRA).

Desde a moratória de 30 de julho, o juiz apenas insiste que as partes voltem a negociar com o mediador Dan Pollack, algo que o governo de Kirchner rejeita depois de ter afirmado que o advogado é "parcial".

Griesa ainda ameaçou declarar a Argentina em "desacato" por declarações "falsas e enganosas" em relação ao litígio, embora não tenha esclarecido que repercussão isso poderia ter para um Estado soberano.

"Como é conhecida, a figura do desacato poderia ser abstrata para um Estado soberano. A não ser que o juiz Griesa comunique ao Departamento de Estado americano e peça sua intervenção", disse o advogado Eugenio Bruno, especialista que acompanha o caso.

O governo argentino insiste que a solução é política e passa pelo presidente Barack Obama. A Argentina tenta retardar todo tipo de negociação pelo menos até janeiro de 2015, quando expira a cláusula Rufo dos contratos de renegociação de 2005 e 2010, que impede que o país conceda qualquer melhora na remuneração dos seus títulos da dívida sob pena de ter que estendê-la a todos os credores.

Por enquanto, a catástrofe prevista para a economia argentina com a chegada da moratória não aconteceu, ainda que ninguém garanta que não vá surgir um panorama de inflação, volatilidade cambial e recessão.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação