Paulo Silva Pinto
postado em 24/12/2014 08:15
Ao mesmo tempo em que aponta para o futuro, a economia da felicidade representa uma volta ao passado, quando as ciências conversavam entre si e a busca do bem estar do ser humano estava no centro das discussões. Roberto Romano, professor de filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) lembra que Adam Smith (1723-1790), o pai da economia moderna, buscava no livre mercado a otimização da qualidade de vida, assim como Karl Marx (1818-1883), o criador do comunismo, mirava a mesma direção por outro caminho. ;Ele fez uma crítica ao modo de produção que destruía os corpos humanos;, relata Romano.
;Era comum encontrar na Europa da época trabalhadores que tinham uma vida pior do que a dos escravos das Américas;, assinala o antropólogo Roberto DaMatta, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Ele explica que a preocupação da felicidade é algo próprio do processo civilizatório. Os índios Apynayé, que DaMatta estudou décadas atrás, ;não procuram a felicidade, nem sabem o que é isso. Mas são felizes;.
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Se no iluminismo do século 18 a felicidade estava no centro das atenções, o que ocorreu de errado? ;Vieram os séculos malditos 19 e 20, em que as religiões se voltaram mais para o pecado e tanto a esquerda quanto a direita se tornaram ascéticas;, diz Romano. Ele atribui à difusão das ideias do filósofo Immanuel Kant (1724-1804) a construção da ideia de um mundo que deve funcionar ;como uma engrenagem perfeita;, sem espaço para as ideias de felicidade.
[SAIBAMAIS] Nesse processo, a ciência econômica transformou-se em algo cheio de fórmulas, ;desumanizado; na opinião de Romano. Outras áreas, segundo ele, também foram prejudicadas por esse modo de ver as coisas, mesmo a filosofia, na qual os pesquisadores tendem a uma excessiva especialização. Às vezes constróem a carreira sobre um capítulo de determinado autor, sem olhar para todo o seu trabalho e muito menos para outros nomes. Nesse ambiente, falta receptividade para discutir o sentido da vida. ;Outro dia eu falei da importância da busca da felicidade em uma discussão pública e um dos participantes disse que era uma bobagem;, conta.
DaMatta nota que o significado do que é viver bem varia conforme a cultura. Depois do doutorado em Harvard, ele ganhou uma cátedra na Universidade de Notre Dame, uma das mais importantes dos Estados Unidos. Mas voltou ao Brasil porque sentia que a vida dele era mais completa aqui. ;Lá, quando se faz uma aula boa, ela termina e pronto. Aqui, se a aula é boa, todos continuam conversando depois que ela acaba;, diz.
Um dos ingredientes essenciais, em qualquer sociedade, ressalta DaMatta, é a convivência com a família e com amigos. ;Há homens de 50 anos que se reúnem para comer salaminho e contar mentiras sobre conquistas sexuais. Isso faz deles mais felizes;, comenta. Outro ponto que ele considera essencial é ter a clara noção daquilo que se consegue fazer e o que não se consegue. ;Aprendi isso com os Alcoólicos Anônimos.; Ele frequentou reuniões do grupo quando acompanhava um filho, hoje falecido.
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