Economia

Aposentadorias a trabalhadores rurais agravam rombo da Previdência

A classe contribui muito pouco para o sistema, e segmento urbano não consegue mais cobrir parte do deficit. Para especialistas, é preciso rever o financiamento dos benefícios

postado em 15/01/2016 06:05

Entre todos os desafios do governo federal para fechar as contas públicas, o mais grave é o da Previdência Social, considerada uma bomba-relógio prestes a estourar. O deficit esperado para 2016 passa dos R$ 120 bilhões, ante R$ 85 bilhões no ano passado e R$ 50 bilhões em 2014, ou seja, em dois anos, o rombo vai mais do que duplicar. O pior, segundo especialistas, é que a maior parte dos resultados negativos é determinada pela área rural, que contribui muito pouco para o sistema.


Dos R$ 404,1 bilhões de pagamentos feitos de janeiro a novembro do ano passado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), R$ 92 bilhões foram para aposentadorias rurais, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional. As contribuições dos trabalhadores do campo, no entanto, somaram apenas R$ 6,5 bilhões, ou seja, o setor, isoladamente, produziu um deficit de


R$ 85,5 bilhões. Os números estão atualizados pela inflação até novembro passado.
Até recentemente, o rombo no segmento rural era parcialmente coberto pela Previdência Urbana, que sempre foi superavitária. Essa situação, no entanto, está mudando de forma rápida. A recessão e o aumento do desemprego atingiram fortemente as receitas do INSS, que são baseadas, sobretudo, em contribuições sobre a folha de pagamento das empresas. Com menos trabalhadores com carteira assinada, a arrecadação previdenciária vem caindo. Em consequência disso, a Previdência Urbana apresentou deficit de R$ 5,86 bilhões nos 11 primeiros meses do ano passado, uma virada radical em relação ao mesmo período de 2014, quando o resultado havia sido positivo em R$ 18,45 bilhões.


;A área urbana não dá mais conta de cobrir o rombo na Previdência Rural. E a tendência é piorar em 2016, com aumento do desemprego e, consequentemente, do deficit;, afirmou Fábio Klein, economista da Tendências Consultoria. Para o especialista em contas públicas Mansueto Almeida, a distorção da Previdência Rural começou com a Constituição de 1988, que determinou o pagamento de aposentadorias por idade para trabalhadores do campo, mesmo que eles nunca tivessem feito uma única contribuição ao sistema. ;A Constituição tem essa agenda de bem-estar social. Está claro que a Previdência Rural é muito mais um programa de assistência social, e é urgente rever o financiamento dela;, disse.


O mesmo ponto é destacado por Renato Follador, especialista em previdência com trabalhos na área há mais de 30 anos. ;Programa assistencial não é um seguro, como a Previdência. O princípio do seguro é o equilíbrio financeiro e atuarial, ou seja, você recebe de benefício rigorosamente o que contribuiu ao longo dos anos;, explicou. ;O setor agropecuário contribui para o sistema com valor equivalente a 2,1% da produção. Mas isso, além de insuficiente, é difícil de fiscalizar;, avaliou.


Follador é favorável ao pagamento de aposentadorias rurais, mas frisa que o benefício não deveria estar incluído nas contas do INSS. ;Teria que ter outra fonte de recursos;, disse. ;A Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) são excelentes fontes, mas acabam não financiando a assistência rural. Como também é um engodo o governo dizer que vai usar a CPMF para pagar o deficit da Previdência, mesmo porque isso já foi tentado antes e não deu certo com a saúde;, criticou.


Para Fábio Zambitte Ibrahim, professor de direito previdenciário do Ibmec/RJ, o certo seria o sistema previdenciário ter autonomia na gestão financeira. ;Mas isso nunca funcionou, especialmente depois da Constituição de 88, que embaralhou assistência social com Previdência. Colocou tudo num orçamento único do grupo seguridade, que inclui ainda a saúde. Desses três segmentos, o único que exige contribuição específica é a Previdência;, observou.


O secretário executivo do Ministério da Previdência, Carlos Gabas, afirma ser correto conceder o benefício para os trabalhadores da terra em regime de economia familiar, que são responsáveis pela produção de 73% dos alimentos que vão para a mesa dos brasileiros. Mas admite que há distorções. ;Precisamos aperfeiçoar o financiamento da Previdência Rural. A CSLL e a Cofins deveriam bancar a seguridade social, do qual a rural faz parte, mas os recursos acabam por cobrir o deficit do governo;, observou. ;É extremamente urgente rediscutir como financiar 9,4 milhões de benefícios e mais 8 milhões que estão na prateleira (agricultores que ainda vão se aposentar);, salientou.

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