Economia

Verba arrecadada por empresas de telecomunicações é desviada

Dos R$ 100 bi arrecadados pela Fust e Fistel, 6,2% tiveram destino certo por lei

Simone Kafruni
postado em 16/02/2016 06:05

Dos R$ 100 bi arrecadados pela Fust e Fistel, 6,2% tiveram destino certo por lei


O consumidor não sabe, mas, ao pagar a conta de telefone, internet ou televisão a cabo, serviços que, no Brasil, têm uma das maiores tributações do mundo, está financiando a manutenção de aeronaves, a construção de ferrovias e até pagando a folha de servidores públicos ativos e aposentados. Nada disso, no entanto, está certo e é resultado de mais pedaladas do governo. Dois fundos setoriais das telecomunicações têm seus recursos desvirtuados há anos e apenas 6,2% de mais de R$ 100 bilhões arrecadados até hoje foram usados para os devidos fins, aponta relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que exigiu providências do Executivo até abril.

Além disso, os valores dos fundos apresentados pela Agência Nacional de Telecomunicações e pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) não batem. Conforme o relator do TCU, ministro Bruno Dantas, o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) arrecadou R$ 82,3 bilhões entre 1997 e 2015 e apenas 5% foram usados efetivamente para fiscalizar o setor. Já o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) recolheu 19,4 bilhões entre 2001 e 2015 e somente 1,2% foi destinado para o que foi criado. ;A gestão e governança desses fundos é de causar calafrios. A diferença do saldo do Fistel em 30 de junho de 2015 é de R$ 45,9 bilhões a mais nas contas do Tesouro;, ressaltou o relator.

Apenas no ano passado, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) recolheu R$ 7,66 bilhões dos usuários de telecomunicações sob a forma de taxas: R$ 5,4 bilhões para o Fistel e R$ 2,26 bilhões para o Fust. Para o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), ;o recolhimento dos fundos setoriais tem impacto direto no bolso do consumidor, principalmente porque grande parte desses recursos não retorna em benefício ao cidadão;.

De acordo com o Tesouro, dados extraídos do Sistema Integrado de Administração Financeira e entregues ao TCU mostram que a arrecadação do Fust, de 2001 a junho de 2015, foi de R$ 16,1 bilhões. Já a do Fistel, no mesmo período, atingiu R$ 61,6 bilhões. A respeito da utilização desses recursos, o Tesouro se limitou a sugerir uma consulta ao Ministério das Comunicações e informou que as diferenças apontadas pelo tribunal ;encontram-se em processo de análise entre a Anatel e a STN;.

O SindiTelebrasil explicou que, no caso do Fistel, é cobrado um valor de R$ 26,83 na habilitação e de R$ 13,42 anualmente sobre cada chip de celular em funcionamento, o que dificulta a redução dos preços ao consumidor, sobretudo do celular pré-pago, que representa mais de 70% do total de telefones móveis do país. ;Esses recursos não aplicados ; mais de 90% do total arrecadado ; poderiam estar sendo investidos em programas de desenvolvimento sustentável, com inclusão social, melhoria da competitividade nacional e ampliação do acesso a um número cada vez maior de brasileiros;, defendeu o SindiTelebrasil. No caso do Fust, a arrecadação é de 1% sobre a receita operacional bruta das empresas do setor.

O Ministério do Planejamento já tentou flexibilizar a lei que determina que os recursos sejam aplicados no setor. No caso do Fistel, essa flexibilização nunca foi aprovada. O que não impediu o governo de usar os recursos para capitalizar empresas públicas, pagar sentenças judiciais, garantir atendimento médico e alimentação à Marina, além de outros fins (veja quadro).

O Fust foi criado para universalizar a telefonia fixa o que, diante dos avanços tecnológicos, se tornou um objetivo obsoleto. O relator do TCU admite que ;o plenário decidiu que não haveria restrições para o uso do Fust;. Mesmo assim, nas palavras do ministro Bruno Dantas, a ;pequena lista dos gastos extravagantes mostra que o governo precisa fazer uma execução orçamentária mais adequada e não sacar recursos do primeiro fundo que tenha saldo;. O diagnóstico do TCU é o ;retrato do estado caótico em que o planejamento do Brasil se encontra;, disse.

O ministro-relator também comentou que ;as divergências evidenciam que os dados divulgados pela Anatel, responsável por elaborar anualmente as prestações de contas do Fistel e do Fust, não são fidedignos à real situação desses fundos;. Procurada pelo Correio, a Anatel disse apenas que ;as informações requeridas serão prestadas ao TCU no momento processualmente adequado;. O Ministério das Comunicações não respondeu até o fechamento da edição.

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