Embora o consumidor veja na bandeira verde da sua conta de luz de abril uma trégua às altas faturas que marcaram o ano passado, nem de longe o setor elétrico conseguiu se recuperar do maior desarranjo da história. Com a intervenção do governo federal, promovida pela Medida Provisória 579 ; convertida na Lei n; 12.783 em janeiro de 2013 ;, as mudanças nas regras de geração, transmissão e distribuição de energia no país resultaram em empresas quebradas, prejuízos bilionários, prestação de serviços de baixa qualidade, a despeito das tarifas abusivas, e um ambiente hostil aos investidores.
Para os especialistas, as salas vazias nos últimos leilões são reflexo da falta de atratividade do setor elétrico brasileiro, apesar de ser um serviço essencial que, em qualquer lugar do mundo, garante rentabilidade certa. Além disso, os remendos feitos para corrigir distorções provocadas pelas alterações no marco regulatório não resolveram as pendências e resultaram em novos problemas, como em um efeito de ;cobertor curto;. ;Eu seria otimista em dizer que o setor elétrico está um caos;, resume o diretor do Ilumina ; Instituto de Desenvolvimento do Setor Elétrico, Roberto Pereira D;Araújo.
No passado, antes das intervenções desastrosas do governo, as empresas tinham folga para investir, lembra D;Araújo. ;Hoje, as estatais estão sucateadas. O Sistema Eletrobras vale 30% do que foi um dia e registra prejuízo de R$ 14,5 bilhões. O setor está cheio de custos acumulados, inclusive na bandeira tarifária. O consumidor não pode se iludir. Vem mais aumentos por aí;, preconiza.
O especialista alerta que a mudança para a bandeira verde, sem custo adicional, foi mais uma medida populista do governo, porque os reservatórios não estão em níveis razoáveis e, no Nordeste, a situação é grave. ;Além disso, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) precisa manter térmicas ligadas para garantir segurança energética;, diz D;Araújo. Para ele, se a situação fosse confortável, a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) não teria vendido duas usinas aos chineses. ;Quando se imaginaria isso?;, indaga.
Falta de orientação
Na opinião de Rafael Herzberg, sócio-consultor da Interact Energia, o intervencionismo do governo afasta os agentes. ;As empresas querem sair do Brasil por conta da instabilidade regulatória e da insegurança jurídica. A vontade dos investidores tradicionais é de se livrar de suas posições no país. Está tudo à venda. O que existiu foi uma grande decepção. O setor elétrico está perdido e sem orientação. As instituições se mostram frágeis e incapazes de resolver os problemas;, enumera.
Para o presidente da Associação Brasileira das Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan, existem pendências na regulamentação que provocam distorções e endividamento. ;As distribuidoras não conseguem ter os investimentos reconhecidos por conta da modicidade tarifária;, destaca. Com isso, não se pode premiar a eficiência, e o resultado é um serviço de qualidade duvidosa. ;Se a empresa investe, isso é capturado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e transformado em modicidade tarifária. Tem um lado positivo para o consumidor, que paga menos, mas incentiva a concessionária a não ser eficiente e desestimula o empreendedor e o acionista;, afirma.
Vivan ressalta que o governo não pode agir unilateralmente. ;Mas isso tem ocorrido. Veja o caso da MP 579. Com ela, as regras das concessões foram alteradas para antecipar as renovações, contudo, o valor de algumas companhias virou pó. Foi o caso da Eletrobras, cujos efeitos perduram até hoje;, assinala. Ele sublinha que o fato de algumas empresas não terem aderido às regras, somado à falta de chuva, provocou estouro do preço da energia a curto prazo. ;Aí o governo foi lá e alterou o PLD (preço de liquidação das diferenças) por decreto;, lamenta.
Obra de ficção
Os investidores não querem entrar em um mercado onde existem alterações de regras pontuais para tratar questões conjunturais, sem foco nas estruturais. ;O empreendedor aceita correr o risco comercial, nunca o regulatório;, diz o presidente da ABCE. Ele aponta que o planejamento é malfeito. ;A distância entre o que é planejado e o que de fato é verificado é muito grande. O planejamento passa a ser uma obra de ficção. Há casos de atrasos de obras porque quem venceu não tinha condições de competir;, destaca.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquin, em evento da Aneel e do Instituto Acende Brasil sobre os desafios da transmissão, admitiu que o problema está em tirar os projetos do papel e que há atrasos por conta da autorização de propostas inexequíveis. ;Muitos agentes não cumprem o contratado. A solução, para isso, é a inclusão de cláusulas que permitam a cassação e a interrupção tempestiva do contrato. É mais rápido conseguir de volta e relicitar, senão a demora é de 5 a 6 anos;, diz.
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