Agência Estado
postado em 24/04/2016 08:49
O crescimento dos calotes está levando os bancos a executarem garantias de empréstimos que estão deixando de ser honrados, e que não são prioridade na fila das renegociações, por conta da paralisia da economia que afeta o caixa de pessoas físicas e jurídicas. Com isso, as instituições começam a colecionar uma lista de bens que vão dos tradicionais imóveis e veículos a aeronaves e maquinário da construção civil, setor impactado pela Lava Jato e pelo cancelamento de obras, fato que tem impulsionado o mercado bilionário de leilões.A preocupação dos bancos em se livrar desses bens é porque mantê-los significa acumular ativos deteriorados, que pesam nos balanços na conta de despesas, provenientes dos custos jurídicos, de manutenção e avaliação dos mesmos, fora uma maior pressão na rentabilidade que, consequentemente, reflete no índice de basileia - que mede quanto a instituição pode emprestar sem comprometer o seu capital. Nas palavras de um executivo que prefere não ser citado, essas instituições trocam recebimentos de créditos atrasados por "tijolos", o que pode não ser um bom negócio.
"Não necessariamente o fato de o crédito ter uma garantia acoplada significa que está todo coberto. Há um aumento de garantias oferecidas, mas que nem sempre são fundamentais à medida que, para o banco, não é vantajoso ter de executá-las", explica outro executivo, do alto escalão de uma grande instituição financeira.
Com o aumento dos bens desovados nas empresas de leilões, cresceu a quantidade de trabalho, mas o interesse dos participantes está mais voltado à compra de veículos diante do baixo apetite por automóveis novos. "Cresce a quantidade, mas o resultado não. Os bens já chegam valendo menos. Há uma crise de confiança. Estamos recebendo mais caminhões que antes não recebíamos, tratores da linha amarela, pá carregadeira, motoniveladora, mas que não têm demanda", pontua Ronaldo Milan, da Milan Leilões. Na empresa, o volume de bens subiu 18% no primeiro trimestre, na comparação anual.
As alienações fiduciárias são comuns nos empréstimos bancários, mas quando os leilões não têm sucesso ou são cancelados, conforme o sócio do escritório Madrona Advogados, Marcelo Cosac, o bem pode se tornar um problema para o banco já que passa a ser de propriedade da instituição. Pior que isso, o devedor pode conseguir reconhecimento judicial da extinção de sua dívida com base na lei da alienação fiduciária. Ou seja, o credor acaba com uma garantia encalhada, depreciada e com baixa expectativa de recuperar o empréstimo mal sucedido.
"Os bens ficam nos ativos circulantes, mas vão consumindo basileia do banco. Além disso, há ativos de toda sorte. Vender um apartamento no Itaim ou em Copacabana é diferente de se desfazer de um prédio inacabado, um terreno no Nordeste ou no interior do Amapá", admite o executivo de um banco.
Antes de ir a leilão, negociações são feitas na tentativa de o devedor colocar em dia sua dívida. Se tais tentativas não dão certo e o banco opta por executar a garantia, o bem vai direto para leilão. Na primeira tentativa, se o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel há a obrigação ser realizado um segundo leilão, conforme a lei que trata sobre o tema. Nesse segundo certame, o maior lance será aceito, desde que ele seja igual ao superior ao valor da dívida e de todos os custos e despesas. Só depois, caso o bem em questão não seja vendido, é que passa a ser de propriedade definitiva do banco.
"Por um lado, o credor poderá vender o imóvel de forma privada, para quem quiser e ao preço que achar melhor, ou mesmo não vendê-lo se assim preferir, mas por outro esse imóvel a esta altura já provou não ser um ativo capaz de fazer frente ao valor do saldo devedor da dívida, virando um ;abacaxi; para o credor", explica Cosac, acrescentando que a hipoteca não tem essa fraqueza legal, contudo, não blinda o crédito contra eventual procedimento de recuperação judicial ou falência.
É exatamente isso que não querem os bancos, afirma uma fonte de uma grande auditoria. Segundo ela, há bancos médios, por exemplo, que estão abarrotados de carros usados e sem ver no horizonte um mercado em que seja possível a revenda. Depois da "bolha imobiliária" nos Estados Unidos, diz esse executivo, muitos imóveis foram retomados pelos bancos devido à falta de pagamento. Por lá, a grande quantidade de imóveis nas carteiras dos bancos movimentaram o mercado e acabaram, como consequência, jogando ainda mais para baixo o preço desses ativos.
André Zukerman, da Zukerman Leilões, lembra que os gastos do banco com imóveis que não foram vendidos vão além dos gerados pelo processo de leilão e incluem o pagamento de impostos, limpeza, condomínio. "O ideal é vender o quanto antes", destaca ele, lembrando que essas instituições fazem de tudo para evitar até o cancelamento do leilão, por exemplo, quando o móvel vendido ainda está ocupado. No ano passado, a Zukerman registrou 29 cancelamentos equivalentes a R$ 8 milhões dos R$ 400 milhões que movimentou.
O cenário, de maior calote e dificuldade dos bancos de se desfazerem de bens retomados, abriu espaço, inclusive, para plataformas como a resale.com.br, lançada no ano passado, com a proposta de facilitar a aquisição de imóveis por pessoas comuns. Segundo o sócio-fundador da iniciativa, Marcelo Prata, somente o mercado dos chamados "móveis estressados" movimenta R$ 50 bilhões em todo o Brasil. Hoje a plataforma atua na venda dos imóveis retomados pelos bancos, mas, a partir de maio, também dará publicidade aos bens de leilões. "Até o final do ano, nossa base deve quintuplicar com o lançamento da nova versão da plataforma", estima ele.
Pelas regras, os bancos têm prazo legal de um ano, que pode ser prorrogado por duas vezes, para se desfazer dos chamados bens que não de uso próprio (BNDU). Esgotado esse período sem que o bem tenha sido alienado, as instituições contam com até 60 dias para providenciar um leilão, sob aviso prévio do Banco Central, conforme circular pós lei 4.595. Porém, na visão de um executivo de um banco, a crise atual pode fazer com que seja necessário flexibilizar os prazos máximos para que dê tempo às instituições se desfazerem do crescente volume de garantias executadas. O BC, procurado pelo Broadcast, informou que não comenta estudos em andamento e que avalia caso a caso. Como se trata de uma lei, a mudança teria de ser aprovada no Congresso Nacional.
Mais complexo
A garantia fiduciária pode perder valor também na recuperação judicial, em que teoricamente esses credores estão fora do processo. Mas o entendimento da lei e dos juízes em relação ao tema por vezes tem sido um problema para os bancos. Alguns tribunais podem julgar desfavoravelmente à esse credor se a garantia dada comprometer a viabilidade de recuperação da empresa ou prejudicar a massa dos credores. Em casos recentes no setor de óleo e gás, por exemplo, como OSX e Schahin, grandes discussões ocorreram sobre a quem pertenciam garantias embora estivessem designadas a créditos específicos.
"Existe preocupação em relação ao modelo da alienação fiduciária pela complexidade que tem havido para realizar essa garantia", diz a sócia do escritório Sergio Bermudes, Maria Azevedo Salgado, acrescentando que, alguns tribunais, excluindo o Superior Tribunal de Justiça, cedem em favor da recuperada, tornando difícil a execução do bem.