Jornal Correio Braziliense

Economia

Com crise, inflação de alimentos volta a assustar o país

Carne e leite devem encarecer muito com alta do custo da ração que o gado vai consumir no inverno, pois o clima prejudicou a safra de soja. Milho subiu ainda mais nos últimos meses, pressionando também o valor de frango e ovos


O preço da soja atinge em cheio o consumidor e tem obrigado analistas de mercado a rever para cima as expectativas de inflação. Em maio, o custo do grão avançou 12,38% e puxou a alta de 17,03% do farelo de soja, segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Embora poucas pessoas costumem colocar esse produto no carrinho, a alta deve pressionar ; e muito ; o preço da carne e de outros produtos que vão para a cozinha.

Com a chegada do inverno, que se inicia no dia 20, os criadores precisarão gastar mais para alimentar os animais, em período de confinamento. Diante da expectativa de aumento de custos, o repasse será inevitável ao longo da cadeia de produção, o que deve manter a inflação pressionada. Reverte-se, assim, a tendência de desaceleração registrada entre fevereiro e março. Leite e derivados também deverão sofrer com o aumento de custos.

O milho também está em alta, ainda mais acentuada do que a soja, o que já impactou os preços de frango e ovos. Esses dois produtos subiram respectivamente 14,98% e 13,53% na prévia da inflação de maio, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15). A variação geral dos preços ficou em 9,62%. A carne bovina também subiu acima da média: 9,77%. Mas o maior impacto é o que está por vir.

Na avaliação do superintendente adjunto de Inflação do Ibre/FGV, Salomão Quadros, os efeitos da valorização da soja devem chegar ao consumidor final em dois meses. ;Isso pode interromper o processo de recuo da carestia;, disse. O analista Márcio Milan, da Tendências Consultoria, não descarta que o movimento de alta da soja provoque um arrocho sobre os custos da carne ainda em junho.

Na quarta-feira, a saca com 60kg da soja foi vendida a R$ 89,11 no interior do Paraná, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o maior valor negociado na série histórica, iniciada em julho de 1997. Em relação ao mesmo período de maio, o aumento é de 13,9%. Na comparação com igual período do ano passado, o avanço é ainda maior, de 42,7%. A valorização foi tão forte que assustou o mercado, acostumado com uma alta em tal patamar apenas entre outubro e novembro, quando a oferta cai no país. O preço do milho subiu 7,93% em maio e, na comparação com o mesmo período do ano passado, a alta acumulada já é de 112,8%.

Se o preço da soja se mantiver nesses patamares, Milan prevê ; em um cenário otimista ; aumento de 0,50% no custo médio da carne em junho e de 0,70% em julho. Caso se confirmem essas variações de preço, o IPCA fechará em 0,33% este mês e em 0,44% o próximo. Ele admite, no entanto, que as projeções devem ser revisadas para cima diante da expectativa de pressão sobre os preços dos alimentos. ;A depender da intensidade, a inflação deste ano pode passar dos 7% previstos;, vaticinou.

A perspectiva de alta nos preços preocupa a professora Fernanda Jacob, 41 anos, que já reduziu consideravelmente o consumo de proteína em relação ao ano passado. ;Antes, comia carne quase todos os dias. Hoje, consumo em uma média de duas vezes por semana;, disse. E não é para menos. Ela calcula que os gastos com compras de supermercado subiram de 33% no período. ;Se o preço se elevar ainda mais, aí que vou deixar de comprar mesmo;, lamentou.

O técnico em informática Gildo Giassi Junior, 27 anos, se queixa da diminuição na frequência das confraternizações. ;Fazia churrasco com os amigos duas vezes por mês. Agora, só em ocasiões especiais;, afirmou Daniel.

Os fatores climáticos têm sido as principais causas da alta da soja. O excesso de chuvas na Região Centro-Oeste e no Sul comprometeu a colheita dos grãos em importantes estados produtores, como Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul, e impactou em cheio a safra na Argentina. As estimativas são de que o país vizinho, o terceiro maior produtor mundial, tenha perdido entre 8 milhões e10 milhões de toneladas devido às intensas chuvas ; uma redução de até 15% da colheita prevista. Sobra água em alguns lugares e falta em outros: também houve prejuízo por conta da seca intensa na região conhecida como Matopiba, que abrange áreas de cultivo no Maranhão, em Tocantins, no Piauí e na Bahia.

Os fatores climáticos não vão dar trégua. Ao contrário, devem-se esperar mais efeitos negativos, avalia o economista-chefe da MacroAgro, Carlos Thadeu Filho. Ele prevê que o fenômeno La Niña gere impactos no agronegócio a partir de outubro, especialmente na Região Sul. Dessa forma, Thadeu Filho mantém as expectativas de IPCA de 7,2% em 2016, mas elevou a projeção para 2017, de 5,5% para 6%. Outro problema é que os Estados Unidos anunciaram no início de maio que a área de plantio do grão será inferior à anterior, cedendo espaço para o milho. Com isso, o valor da soja deve continuar algo, assim como o da carne e do leite.

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