Economia

Otimismo nos mercados destoa da economia real

Valorização da Bolsa e queda do dólar nos últimos meses mostram que investidores apostam alto na reversão da crise; principal motivo é a expectativa da aprovação de reformas fiscais

Rodolfo Costa
postado em 25/10/2016 06:00
Os mercados financeiros têm mostrado um otimismo que contrasta com o desempenho dos principais indicadores da economia. Apesar da previsão de aprofundamento de recessão neste ano e de crescimento menor para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, investidores estão precificando um ambiente favorável para negócios. Nessa segunda-feira (25/10), o dólar caiu 1,26% em relação ao real, cotado a R$ 3,121, atingindo o menor valor desde 30 de junho de 2015. O recuro da divisa é normalmente encarado como um sinal de confiança na economia. Só neste ano, a moeda já caiu 22,63%.

O movimento do mercado de câmbio impressiona ainda mais porque o Banco Central (BC) vendeu ontem 5 mil contratos de swap cambial reverso no valor de US$ 250 milhões. Essa operação equivale a uma compra da moeda estrangeira no mercado futuro, e tem justamente o efeito de evitar queda da divisa. Já a Bolsa de Valores de São Paulo (BM), que registrou leve correção, com um recuo de 0,08%, a 64.060 pontos, registra valorização de 52% em 2016.

O comportamento dos mercados destoa das previsões para o principal indicador da saúde da economia. Relatório divulgado ontem pelo BC mostra que analistas consultados regularmente pela instituição revisaram para baixo as projeções para o PIB de 2016 e o de 2017. Para este ano, a mediana das expectativas aponta agora para uma queda de 3,22%, ante 3,19% na semana passada. Para o próximo ano, a previsão é de crescimento de 1,23%, abaixo do último prognóstico, de alta de 1,30%.

Reversão

Na opinião do economista-chefe da SulAmérica ING, Newton Rosa, a deterioração das projeções do PIB está atrelada a indicadores recentes, como produção industrial, volume de serviços e de vendas do comércio, que foram muito ruins. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) recuou 0,91% em agosto. ;Isso fez com que muitos analistas revisassem para baixo o que projetavam;, destacou.

Rosa explica que a agitação dos mercados, entretanto, está ancorada na expectativa de reversão da economia, a partir da mudança de governo. Desde que a ex-presidente Dilma Rousseff foi afastada, em 17 de abril, o dólar acumulou queda de 13,28% e a Bolsa, alta de 21,1%. ;Os agentes estão olhando para a frente, com previsões positivas, principalmente para 2017. O crescimento será retomado porque o novo governo está tomando medidas para resolver a grande causa da forte recessão que vivemos nos últimos anos, que é o descontrole das contas públicas;, avaliou.

Entre as principais apostas do mercado está a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, em tramitação no Congresso, que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação. Para o sócio-fundador da Jeremy Bentham Investimentos, Marcos Nihari, a aprovação da PEC dará mais confiança aos investidores, indicando uma política econômica que voltará aos trilhos. E mostrará a força política do presidente Michel Temer para obter aval do Legislativo a outras reformas. ;Os investidores estão convencidos de que, apesar da expectativa de retomada mais lenta da atividade econômica, ela ocorrerá. E isso começa a homogeneizar os mercados;, analisou.

O otimismo da Bolsa, no entanto, inspira cautela entre alguns analistas, como o consultor Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC). ;Há uma grande euforia, uma vontade de que tudo dê certo. Mas os fundamentos não demonstram, por enquanto, que isso vá acontecer;, comentou. Ele chama atenção para o grande deficit primário nas contas públicas, previsto em R$ 170,5 bilhões neste ano. ;Não foi por outro motivo que o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) optou por reduzir a Selic em apenas 0,25 ponto percentual na semana passada;, explicou.

Situações de expectativas descoladas dos fundamentos são recorrentes no país, reforça Freitas. ;É por isso que as crises acontecem. Na década de 1970, por exemplo, a bonança do mercado financeiro ignorava a deterioração das contas externas do país. Esse quadro antecedeu a recessão dos anos 1980. O economista ressalva que, em muitas situações, as apostas se concretizam. ;Mas podem também ser uma evolução incompleta, com aumento da euforia e, depois, da crise.;

O economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, prega cautela redobrada. ;Até pode ter algum tipo de alívio ou melhora. Mas é preciso prestar atenção e ter cuidado para não entrar em euforia. Os componentes da demanda agregada estão muito mitigados. A demanda só virá se o BC cortar a taxa de juros, o que, por sua vez, só vai acontecer se o governo desenvolver a política fiscal mais restritiva que promete;, salientou.

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