Após a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto de gastos em dois turnos pela Câmara dos Deputados, o Senado começou a discutir o mérito da medida, principal aposta do governo Michel Temer para equilibrar as contas públicas. Para isso, convocou economistas e representantes do governo, que apresentaram argumentos a favor e contra a proposta de limitar o avanço das despesas por 20 anos durante debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
O assessor especial do Ministério da Fazenda, Marcos Mendes, propôs a derrubada de "mitos" que envolvem a PEC 55 (numeração recebida no Senado), entre eles de que a saúde e a educação serão prejudicadas com o teto. "Hoje, a saúde é a grande perdedora no atual modelo de gestão fiscal e orçamentária. Além disso, a Previdência está crescendo mais e mais, a Previdência vai espremer os outros gastos", disse.
No caso da educação, Mendes garantiu que mais de 70% dos gastos na área estarão livres do teto - mas, para isso, ele considerou os dispêndios de Estados e municípios. O assessor da Fazenda também negou que a PEC vá prejudicar políticas sociais e, com isso, afetar a população mais pobre. "O gasto federal tem um baixo impacto de distribuição de renda e se conseguirmos focar e melhorar as políticas públicas, nós vamos conseguir atingir os mais pobres", afirmou.
Mendes concluiu sua apresentação dizendo que o prazo da PEC - dez anos e depois mais dez anos sob regra que pode ser alterada - permitirá um "ajuste gradual". Do contrário, o destino do País será "insolvência, inflação e desajuste permanente". O assessor da Fazenda admitiu que, sem a reforma da Previdência e a melhora na gestão dos gastos brasileiros, a PEC "não para em pé", mas ressaltou que é preciso agir o mais rápido possível em vez de aguardar soluções alternativas que, segundo ele, não existem.
"Pensemos mais um pouco (sobre a viabilidade da PEC) e adotemos o modelo Rio de Janeiro", disse Mendes, em referência ao Estado que está em calamidade financeira e anunciou, na semana passada, um duro pacote de medidas fiscais. A mais polêmica eleva a contribuição previdenciária dos servidores e cria alíquota extraordinária - no total, 30% do salário será abocanhado pelo governo fluminense.
O economista Pedro Bastos, professor da Unicamp, demonstrou visão contrária e usou palavras duras para definir a medida. "Em primeiro lugar, a PEC é contraproducente, ou seja, não vai entregar o que está prometendo. Segundo, ela é injusta. Terceiro, ela é antidemocrática", comentou.
O principal argumento de Bastos é que, mesmo com a correção do limite de despesas pelo índice oficial de inflação, haverá corte de gastos. Isso ocorre, segundo ele, porque a inflação de serviços e do setor da saúde, por exemplo, é maior do que o resultado geral, que será usado como referência. O resultado é que o dinheiro supostamente corrigido pela inflação não mais comprará o mesmo volume de serviços nem pagará os mesmos salários ao longo do tempo, criticou Bastos.
"Além disso, mesmo que a reforma da Previdência seja aprovada, os gastos com aposentadoria vão subir além da inflação. Então, outros serviços e transferências terão de diminuir em termos reais, isso não é pouco", afirmou o professor da Unicamp.
O especialista, contrário à medida, disse ainda que a PEC promoverá um ajuste demasiadamente forte nas despesas primárias, que chegarão a 12% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2036, último ano de vigência do teto. "Isso é menos que a despesa primária de países africanos de mais baixa renda."
Bastos destacou ainda os custos sociais da medida. "A PEC vai impedir recomposição do salário mínimo, vai reduzir fortemente gasto social e, no fundo, vai abrir espaço para a mercantilização da saúde e da educação, reduzindo salário indireto daqueles que precisam do acesso a esses serviços públicos. A PEC, do jeito que está, pune os inocentes em vez de ir atrás de criminosos que sonegam impostos", disse o professor.
Por Agência Estado