Economia

Entrevista: presidente da Apex-Brasil analisa efeito-Trump no país

Além da resposta do governo, empresários precisam incrementar qualidade

Paulo Silva Pinto
postado em 13/11/2016 08:16


O discurso protecionista que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, usou durante a campanha foi bem mais do que uma escolha pessoal. Para o embaixador Roberto Jaguaribe, isso reflete uma tendência mundial, em resposta ao temor das pessoas com a globalização. Embora Hillary Clinton, derrotada por Trump, estivesse mais alinhada com o livre comércio, ela também fez algumas declarações contrárias a essa ideia, na tentativa de ganhar votos, destaca o diplomata.

Nesse contexto de dificuldades, o Brasil busca no comércio internacional uma fonte de crescimento econômico. Não é tarefa impossível, explica Jaguaribe, mas exigirá um grande esforço dos empresários e do governo. A ele cabe uma das principais missões: preparar os exportadores brasileiros e promover seus produtos.

Depois de comandar as embaixadas em Londres e Pequim, Jaguaribe foi chamado pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra, para presidir a Apex-Brasil. Nesta entrevista ao Correio, ele traça o caminho para a economia brasileira em busca de maior inserção no mundo.


O que muda no comércio exterior brasileiro com o resultado das eleições nos Estados Unidos?
Nós não temos como fazer essa avaliação neste momento. Eu acho que ainda está muito em aberto o que podemos esperar. As eleições americanas mostram a relevância crescente da imagem em detrimento da realidade dos fatos. A capacidade de gerar percepções é muito mais relevante do que transmitir ideias concretas com base em fatos. Há, do ponto de vista global, um discurso geral de tendência mais protecionista. O mundo como um todo, não apenas os Estados Unidos, dá indícios de que caminha para isso, me parece uma coisa muito clara.

Qual a chance de Trump causar estragos?
Sempre se diz que o presidente americano é o mais poderoso do mundo. Eu não tenho dúvida de que ele preside o país mais poderoso do mundo. Mas eu tenho dúvida se, de fato, ele é o homem mais poderoso do mundo, porque o sistema americano cria constrangimentos muito relevantes para a atuação do presidente. Trump pode ter todos os defeitos que se apregoa, mas ele é um homem de negócios, e não há a menor dúvida de que ele tem o lado pragmático elevado. E esse lado pragmático vai operar, como já operou. Ele tem atuado com muito exagero, com muitas colocações altamente questionáveis, mas isso pode ser parte de um projeto midiático que o permitiu chegar onde ele chegou.

Mas o protecionismo é um risco real, certo?
De acordo com as tendências globais que a gente vê, haverá de fato uma tendência protecionista também nos Estados Unidos. Não podemos esquecer que a própria Hillary voltou atrás nas suas declarações de apoio ao Trans-Pacific Partnership (TTP) e a outros acordos comerciais que estão sendo negociados. Ambos detectaram avaliação negativa do eleitorado quanto a essas ideias. Mas haverá um lobby muito poderoso de pessoas que possivelmente têm influência e são próximas ideologicamente ao Trump, no sentido de promover esse tipo de entendimento. Não é uma coisa já garantida que não vá haver avanços.

Trump mudará?
É provável que ele se distancie da persona de campanha e tome atitudes contrárias. Mas há argumentos de que ele não vai poder se afastar totalmente disso. Trump criou uma empatia com o setor conservador que não vai embora tão cedo. Outro dia eu li um comentário que me pareceu muito interessante. Os jornais não levam muito a sério o Trump, mas interpretam literalmente as coisas que ele diz. Já o eleitorado dele não leva de maneira literal nada do que ele diz, mas o leva a sério. Há uma crescente onda de protecionismo no mundo no momento em que o Brasil pretende fazer uma expansão do comércio. Isso se torna mais complicado, mas não quer dizer que seja impossível.

Por que o Brasil se insere pouco no comércio global?
Nós somos um país de economia muito grande, mas nós não estamos nem entre os 20 maiores comerciantes do mundo. Somos o 25; atualmente. Isso não é tão particular ou peculiar. Somos um país continental e há uma tendência de países assim se voltarem muito para dentro. A China sempre foi assim e fez um esforço deliberado de mudar. A Índia é assim. Os Estados Unidos não têm uma proporção de comércio tão diferente assim do Brasil em relação à sua economia. Mas o Brasil, de todos os grandes, é o que tem menor participação.

O que é preciso para essa transformação?
É importante ter presente que não se pode olhar o comércio puramente. Tem de enxergá-lo associado a investimentos e à internacionalização da empresa. Esses fatores estão muito interligados entre si. É melhor exportar percentual relevante de algo do que 100% de nada. O engajamento da empresa em outro país cria elementos de interesse local para que aquela empresa frutifique. Gera condições para você trazer produtos que são importantes e uma coisa frequente que a gente vê grandemente no Brasil.

O Brasil pode ter vantagens se o Trump adotar uma política antichinesa, que poderia implicar retaliações da China na compra de produtos agrícolas. Outra possibilidade é que, sem o TPP, o Brasil venda mais em terceiros mercados. Temos oportunidades no meio dessa crise?
Sempre há. Crise significa oportunidade, em chinês, as duas palavras são muito parecidas. Você ganha dinheiro quando compra, não quando vende. Na crise, você compra barato e depois vende pelo preço normal. Mas eu reluto em pensar que o Trump vá adotar uma postura de certa irracionalidade econômica comercial no seu trato com a China. Não tenho dúvidas de que a falta do TPP vai fazer com que os países que estão de fora deixem de ter os potenciais prejuízos que teriam, caso ele viesse a se concretizar, a exemplo do Brasil. A China é um país extraordinariamente importante do ponto de vista global, e mais ainda, do ponto de vista do Brasil. Trata-se do nosso principal parceiro comercial, o principal investidor nos anos recentes e, ainda, um grande financiador de recursos de bancos públicos chineses para entidades brasileiras. Eles têm uma carteira de exportação no Brasil superior a US$ 24 bilhões.

O que aproxima o Brasil e a China?
A relevância da relação entre os dois países se dá em função de uma grande complementaridade econômica comercial, e do fato de que a China, apesar de ser uma gigantesca economia, já provavelmente a maior do mundo, é um país que terá sempre algumas deficiências em termos de autossuficiência. E elas se situam em áreas em que o Brasil é particularmente competitivo, com uma capacidade de oferta muito significativa. Portanto, há um interesse muito claro da China no Brasil. Isso aumenta a relevância dessa relação. Mas é preciso lembrar que a China tem uma visão estratégica de tudo, inclusive da sua relação com o Brasil, com Estados Unidos e com outros países. Tem evidente pretensão de relacionamento fluido e positivo com todos, mas sabe perfeitamente quais países têm mais capacidade de gerar impedimentos para o seu progresso. Se houver uma ideologização da relação entre China e Estados Unidos, o Brasil pode se beneficiar. Mas eu acho que prevalecerá o pragmatismo por parte do Trump.

A nossa pauta de exportações continua sendo predominantemente primária. Isso pode mudar?
Acho que não apenas pode, como deve mudar. A China está mudando sua economia num rumo diferente. Está ciente de que é impossível manter o plano que tinha de se transformar no grande centro manufatureiro do mundo. Por razões tanto econômicas quanto de outras naturezas, esse projeto já não tem viabilidade. Eles sabem perfeitamente disso. Vão ter que acomodar importações também com valor agregado. Acho também que o Brasil tem que fazer mudanças internas. A nossa agricultura aqui, que é extremamente eficaz, é o elemento mais dinâmico da nossa produção e do nosso comércio exterior. Já na área industrial, temos mais questões de produtividade que afetam o comércio. Na área de agricultura, nós mesmos criamos muitas dificuldades. Ou seja, nós, muitas vezes, criamos facilidade para importação do valor agregado e impedimentos para importação da matéria-prima, ao contrário do que faz um país que quer agregar valor. Nós precisamos corrigir essas coisas aqui também.

Um exemplo disso?
Café é o exemplo mais notório de todos. O Brasil tem uma lei que impede entrada de café verde. No entanto, pode comprar café com valor agregado sem dificuldade. Isso faz parte de uma coisa que claramente é equivocada. O Ministério da Agricultura está querendo dar uma racionalidade a uma questão complexa que tem muitas variáveis e muitos atores relevantes envolvidos. Felizmente, os problemas do Brasil são brasileiros, porque, assim, a gente pode resolver. Se fossem chineses, americanos ou europeus, nós não teríamos como.

Nos últimos anos, a balança comercial brasileira melhorou graças à queda de importação, mas a exportação caiu também. Por quê?
A recessão, a maior da nossa história, é um elemento indutor da redução de importações muito evidente. Por outro lado, as indústrias se sentem pressionadas a buscar alternativas e a levar os seus produtos para outros mercados. A desvalorização da moeda facilita tanto a nossa competitividade externa como a competitividade interna do nosso produto em comparação com o importado. No entanto, estamos em um momento de contração do comércio. Nos últimos anos, o comércio internacional tem crescido a cifras significativamente maiores do que o crescimento geral do PIB. Agora estamos vendo um processo inverso. A tendência protecionista provavelmente vai exacerbar esse contexto. Portanto, esse relativo declínio da exportação do Brasil tem que ser visto no contexto de grande restrição e redução de movimentação de comércio. Não é uma coisa tão negativa assim.

Além da falta de competitividade, o Brasil também tem um problema de promoção do Brasil, não?
Eu não tenho dúvida. Mas, por outro lado, aqui mesmo, na Apex, nós desenvolvemos muitos programas com café brasileiro, o que já criou uma reversão importante dessa sinalização de perda de espaço. Esse programa começou há 18 anos e deu origem a uma série de iniciativas que colocaram o Brasil no mapa dos cafés de qualidade no mundo. O Brasil tem uma situação privilegiada na área do café. Com nosso território tão amplo, com tantas regiões propícias ao cultivo, temos uma multiplicidade de variedades aqui mesmo no Brasil. O café é um produto com um custo de mão de obra envolvido muito elevado e, portanto, o cultivo familiar tende a ser um elemento muito propiciador.

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