Ana Dubeux, Antonio Temóteo
postado em 18/12/2016 08:01
O responsável pelo maior desafio do governo no Congresso Marcelo Caetano diz que a população vai assimilar a necessidade de novas regras de aposentadoria, assim como ocorreu com a restrição ao fumo e a obrigatoriedade do equipamento de segurança nos veículos
Você está no olho de um furacão de um tema polêmico e delicado. Como você se sente? Está preparado para isso?
Eu me sinto bem. Eu acho que é um desafio interessante. São oportunidades raras na vida de alguém, que aparecem. Quando fui convidado, claro que sabia que era para chefiar uma equipe que ia reformar a Previdência e a gente já havia passado, nesses anos, por várias reformas, que foram importantes, deram passo na direção correta, mas não foram suficientes. Vi a oportunidade de ter uma boa equipe técnica trabalhando comigo, que teria capacidade de fazer uma reforma duradoura, não uma que, quando chegasse em 2019, fosse necessário fazer outra. Foi um trabalho interessante, que juntou o técnico com o político. Deu para ver que foi uma proposta política, mas tecnicamente embasada. No Congresso, que é o palco do diálogo social, o debate vai ficar mais intenso. Mas que seja feito de uma forma bem racional e que a gente consiga conservar o espírito da reforma proposta.
A reforma tem sido criticada em alguma medida por, segundo alguns especialistas e pessoas, penalizar os mais pobres. Isso de fato ocorre ou não?
Quando vai se propor qualquer reforma, vai ter muita crítica, para tudo quanto é lado. Pega um exemplo. Quando eu era mais jovem, não precisava usar cinto de segurança no banco da frente. E eu me lembro que foi uma discussão enorme, que, de repente, botar o cinto poderia até prejudicar a pessoa, ela ficar presa, enfim. Se para uma coisa mais simples como essa, ou mesmo fumar em avião, que era permitido, já houve discussão enorme, imagine quando vai fazer uma proposta da Previdência. Veja a discussão toda que está ocorrendo se vai cobrar para despachar a bagagem ou não. Se isso já gera tanta manchete, como vou achar que fazer uma reforma da Previdência não vai gerar um debate? Claro que vai. Estamos propondo uma reforma que procura o máximo possível harmonizar as regras, unificar as regras, não só de servidores, entre homens e mulheres e alguns grupos. O espírito geral da reforma é esse. E o que acontece é que justamente essas pessoas mais pobres se aposentam hoje aos 65 anos de idade. É uma idade que já existe, para aposentadorias. Tudo bem que não vale para mulheres, mas, para os homens, já é de 65 anos. Outro fator é que a gente manteve o piso da aposentadoria no salário-mínimo. Então, não me parece razoável esse tipo de consideração de que se está penalizando os mais pobres.
Mas ele vai ter que contribuir por mais tempo...
Mas, veja, a gente está unificando. Tem dois benefícios programados. Tem aposentadoria por idade e tem aposentadoria por tempo de contribuição. E a gente está juntando tudo em um benefício só, que seria uma nova aposentadoria por idade. Se for ver, em relação à aposentadoria por tempo de contribuição, que são 35 anos para homem e 30 para mulher, mas sem o limite de idade, isso está deixando de existir e entra para o limite de 25 anos de tempo de contribuição. Se for imaginar, 65 anos de idade, a pessoa começa a trabalhar ali na faixa dos 20 e alguma coisa, a gente está imaginando que é metade do tempo de vida laboral da pessoa com uma regra permanente que ela precisaria contribuir para ter direito ao benefício. Não me parece uma coisa absurda propor 25 anos de tempo de contribuição.
Isso penaliza quem começou a trabalhar mais cedo...
A fórmula de cálculo do benefício faz esse ajuste. O que acontece? A gente está propondo a fórmula de cálculo que é aquele 51% mais um ponto percentual. Se aquela pessoa contribuiu por período maior, vai ter benefício maior. Se ficou entrando e saindo do mercado de trabalho, coloca mais ou menos metade do tempo, contribuindo dos 18 aos 65, ela vai ter um benefício ajustável a isso. De todo jeito, esses ajustes, de ficar maior ou menor, a gente está tendo o piso de salário-mínimo. Então, as pessoas que estão com nível salarial mais baixo ficam no salário-mínimo, não têm redutor do salário-mínimo. Estou falando no referente às aposentadorias, não às pensões.
Isso não foi discutido? Desvincular a aposentadoria também, como foi feito com a pensão por morte?
Bem, o que acontece é que a aposentadoria tem um caráter de reposição de renda. Então, a gente interpreta isso como algo que deve permanecer. A pensão, não. Ela serve mais como seguro, mas a aposentadoria tem caráter de reposição de renda. Então, a gente achou razoável manter o salário mínimo.
Quando você anunciou a proposta, falou em uma economia de R$ 678 bilhões apenas no INSS...
No fundo, temos que tomar cuidado. Isso é o total que vai se acumular em 10 anos de reforma. Com 2017, naturalmente, a gente não está contando. Quer dizer, está contando que se aprove ao longo do ano, se for aprovada entre o fim do primeiro semestre e o início do segundo, será uma boa época para isso ocorrer. Mas, enfim, não estamos contando com economias da reforma já a partir de 2017. Em 2018, sim, com valor mais baixo. E esse valor vai crescendo ao longo do tempo.
Vocês fizeram projeções para fluxo de caixa disso?
Sim. Isso, no fundo, é um resultado de fluxo, não resultado da soma. A soma é resultado dos fluxos, tem projeção de fluxos. No início, a reforma tem impacto que não é tão forte. Então, no primeiro ano, 2018, serão R$ 5 bilhões de redução de gastos. E o valor vai aumentando ao longo do tempo. A mudança da fórmula de cálculo do benefício vai ter efeito mais lá para a frente. No início, não. Porque, se você for comparar a forma de cálculo de benefício que existe hoje com o que nós estamos propondo, o que acontece é que hoje as pessoas estão se aposentando pelo fator previdenciário ou pela 85/95, que vai subindo para 90/100. Então, se você for ver, alguém que ia se aposentar com 35 anos de contribuição vai ter, na nossa proposta, uma reposição de 86%, enquanto, se pegar pelo fator previdenciário, essa pessoa teria reposição na faixa de 70%. Então, estará se aposentando com benefício até maior.
E os servidores? Tem se falado que as regras são mais duras para o trabalhador da iniciativa privada do que para o servidor público...
Eu não sei de onde tiraram isso. É o seguinte: a gente tem um regime totalmente diferenciado. Tem diferenças entre servidor e não servidor, tem diferença de homem e mulher, entre outras. Então, estou usando pontos de partida completamente distintos. Não posso jogar todo mundo na mesma regra de transição. Por exemplo, se eu pegar a regra atual do jeito que está, sem mudanças, eu tenho ainda direito a paridade, integralidade, porque ingressei no serviço público antes de 1998. Pelas regras atuais, mantenho isso. Mas perco quando faço as novas regras, porque tenho menos de 50 anos. Entro na regra permanente. As pessoas não veem isso. Não tem jeito. Como você tem vários pontos de partida distintos, não vai conseguir fazer uma regra de transição que seja igual para todo mundo, porque, se fizer isso, você, para trás, está tratando de modo diferenciado.
Então mesmo quem ingressou antes de 1998 e tem menos de 50 anos, no caso de homens, e 45, mulheres, vai perder?
Sim, entra na regra nova. As regras de transição existem só para quem está com 50 ou mais, 45 ou mais.
A reforma da Previdência teve a sua admissibilidade aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. É quase uma trégua agora. Mas daqui a pouco a discussão volta com tudo?
Mais ou menos. Claro que lá para a frente, vai ampliar. Mas você vê a quantidade de coisas que eu estou participando, já indica o caminho que está tomando. É muito difícil imaginar que as pessoas vão ter conhecimento detalhado da Previdência. Eu mesmo, tem muita coisa que eu ainda aprendo. E mesmo nós, que trabalhamos há muito tempo na área, às vezes há algumas coisas sobre as quais a gente se questiona. O que acontece é o seguinte: vai ter uma noção geral, sobre quais vão ser as novas regras e quais são as transições. Com o tempo, as pessoas vão entendendo e se acostumando, e a coisa vai se acalmar.