A falta de espaço fiscal para investir e fazer a economia girar fez o governo apostar no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como principal motor da retomada do crescimento. O secretário de Planejamento e Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, Marcos Ferrari, calcula que o fundo vai injetar R$ 50 bilhões no mercado para estimular o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Pelas contas dele, haverá um incremento de 0,8 ponto percentual do PIB.
Ele prevê que serão sacados R$ 35 bilhões dos R$ 40 bilhões depositados nas contas inativas a partir de março e que outros R$ 8,5 bilhões do FGTS circularão na economia por meio do Minha Casa Minha Vida (MCMV). Entre as novidades do programa, anunciadas na última semana, está a permissão do uso dos recursos do fundo para quitar parcelas atrasadas do MCMV e como entrada na compra da casa própria para famílias com renda de até R$ 9 mil.
Outra medida em vias de ser anunciada é o aumento para até R$ 1,5 milhão no valor dos imóveis que podem ser financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH), com juros entre 11% e 12% ao ano. Pelas contas do governo, essa medida terá um impacto de R$ 5 bilhões.
O governo também aposta na medida provisória da renovação de contratos de concessão para estimular os investimentos. ;A estimativa que fizemos foi antecipar de R$ 15 bilhões a R$ 16 bilhões de aportes;, afirma. Ferrari sinaliza que, pelas estimativas do governo, a relação dívida/PIB deverá começar a cair entre 2023 e 2024. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.
O FGTS será o motor para estimular a retomada da economia?
Diria que o FGTS é uma das fontes. Existem outras medidas em curso. Essas mudanças que estamos fazendo no fundo podem injetar R$ 50 bilhões na economia. O saque das contas inativas deverá ficar em torno de R$ 30 bilhões a R$ 35 bilhões. Há os R$ 8,5 bilhões de aumento dos recursos do Minha Casa Minha Vida e ainda teremos o aumento do valor limite dos imóveis para uso do FGTS para R$ 1,5 milhão. Esses R$ 50 bilhões ficam em torno de 0,8 ponto percentual do PIB, que será injetado na economia por meio dessas medidas.
Esse montante está sendo considerado na previsão atual de crescimento do PIB?
A nossa projeção oficial é de 1% de crescimento. A média do mercado está em 0,5%. Estou otimista em relação a 2017. Temos recuperação da indústria em dezembro, os índices de confiança estão se acomodando a essa nova fase da economia brasileira. A pretensão de investimento também é crescente. Em dezembro, houve alta considerável na produção automobilística e no consumo de energia elétrica. Um dos principais indicadores antecedentes, a venda de papelão, também cresceu. Tivemos recuperação na margem, nas concessões de crédito. O outro ponto é a redução do endividamento das famílias. Dados mostram que inadimplência está caindo, da parte não imobiliária saiu de 31,4%, em julho de 2012, para 23,9% em novembro de 2016.
Como o senhor avalia o cenário econômico?
O ambiente é benigno para a inflação. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) veio abaixo da expectativa de mercado em janeiro, no menor patamar desde 1994. Isso gera condições para reduzir a taxa de juros. E é essa linha que o Banco Central está seguindo. Aprovamos, no ano passado, a PEC do Teto de Gastos e encaminhamos a reforma da Previdência. A aprovação da PEC garante a sustentabilidade das contas públicas nos próximos anos. A nossa projeção é de que a relação dívida/PIB comece a cair na primeira metade da próxima década.
Quando essa relação chegará ao pico?
Nossa projeção mostra a dívida em 85% ou 86% do PIB entre 2023 e 2024. Daí começa a cair.
O cronograma de aprovação da reforma da Previdência será cumprido?
O debate vai mostrar que a proposta que o governo mandou é realmente a que deve ser aprovada. Está exatamente do tamanho do ajuste fiscal que precisamos fazer. Temos duas engrenagens, o teto de gastos e a reforma da Previdência. Mas estamos fazendo mais, como a revisão do decreto do seguro defeso, a MP do auxílio-doença, da aposentadoria por invalidez. Só com a MP do auxílio-doença, a previsão é economizar de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões em 2017. Isso se mantivermos a taxa de reversão observada no mês em que foram realizadas as revisões dos auxílios, benefícios, que foi de 80%. A revisão do seguro defeso deve gerar economia de R$ 1,5 bilhão.
Quais são mudanças e expectativas do governo com novos marcos regulatórios?
Quando se fala em marco regulatório, o melhor termo é mudar o ambiente e tornar as regras mais fluidas para o investimento. No ano passado, mudamos a Lei do Pré-sal, que era um entrave. Está ainda em discussão a modernização das regras de conteúdo local. A regra atual é diacrônica. Ela é complexa e burocrática. Como a tabela é extensa, fica defasada tecnologicamente.
Além do setor de petróleo, podemos ter avanço no setor de ferrovias?
Estamos trabalhando em um ponto de vista mais geral. Nosso olhar é mais macro, para destravar investimento. No caso das concessões, fizemos a MP que permite a devolução coordenada de uma concessão de infraestrutura e regulamenta a renovação antecipada.
Como fica a participação de estatais. A Infraero já saiu de cena nas novas concessões de aeroportos. O mesmo vai ocorrer com a Valec nas ferrovias?
Isso ainda não está decidido. O que estimamos foi a antecipação de R$ 15 bilhões a R$ 16 bilhões de investimentos com a MP.
Já tem alguma concessionária interessada em renovação?
Nesse caso, posso dar como exemplo a Nova Dutra. Mas quero destacar um ponto muito importante nas concessões, que é a desapropriação. Uma parte das obras atrasadas do antigo PAC se deve aos processos de desapropriação. Demoram muito e isso gera insegurança jurídica. Queremos modernizar o marco regulatório de tal forma que, se a empresa fizer o depósito do valor auferido para a propriedade, pode fazer o investimento, que não haverá nenhuma perda. Outro ponto que vamos simplificar é a autorização legislativa quando estado e União concordam com a desapropriação. Uma mudança importante é a do marco regulatório do setor de telecomunicações, que representa 5% do PIB, com participação de 3 a 4 pontos percentuais na taxa de formação bruta de capital fixo (de investimento). Esse segmento é relevante, porque é disseminador de tecnologia e isso bate no PIB de uma forma geral.
O que o governo espera nesse setor?
Mudar a Lei Geral de Telecomunicações. Estamos propondo adequar o marco regulatório ao ambiente regulado. Esse é um caso específico de como o objeto regulado evoluiu muito rápido. A mudança dá uma possibilidade para que as concessionárias possam optar pelo regime de autorização. Isso obviamente deverá ser aprovado pela agência reguladora. Outro ponto são os bens reversíveis.Toda vez que se faz uma concessão, ao fim, os bens retornam ou não. Como estamos antecipando a possibilidade de terminar a concessão, esses bens serão comprados pelas concessionárias, por meio de um plano de investimento do valor em banda larga.
Como será calculado o valor desses bens?
Existe uma depreciação. Você gasta R$ 100 mil na hora da aquisição e daqui a cinco anos o bem não vale mais isso. O que ocorre é que está se confundindo o valor de aquisição com o valor residual. Na tabela de 2015, o valor de aquisição era de R$ 90 bilhões. Mas o residual é de R$ 20 bilhões. Para deixar claro, o valor dos bens reversíveis estimados hoje é de R$ 20 bilhões.
Há consenso no governo sobre quando ocorrerá a retomada do crescimento econômico?
Considerando que há melhora nas intenções de investimento e na percepção de clima econômico, com as mudanças que estamos fazendo para criar fluidez regulatória e com os dados que já temos, a retomada deve ser no primeiro semestre de 2017.
Como melhorar a capacidade do potencial de crescimento do Brasil, que é baixa?
Estamos falando não só da retomada de crescimento, como da retomada estrutural do crescimento. São duas saídas, infraestrutura e produtividade. Em infraestrutura, nós temos o PPI (Programa de Parcerias e Investimentos) com os projetos que estão na praça e a retomada de 1,6 mil obras. Com a melhoria do ambiente regulatório para esse setor, poderemos contar com os investimentos privados. Temos certamente vários desafios, e iremos enfrentá-los da forma mais célere possível. Na produtividade, tivemos uma queda vertiginosa e precisamos recuperar isso.
Como?
Uma das saídas que está sendo pouco debatida no país, pelo menos vejo pouco debate, chama-se manufatura 4.0, que pode vir do lado da indústria. A manufatura 4.0 nada mais é do que uma inovação organizacional. São tecnologias já existentes que, se colocadas no chão de fábrica, alteram a forma de produzir. É importante abrir esse debate, principalmente com o setor industrial, uma vez que ele carrega e deslancha todo processo de aumento de produtividade, junto com a infraestrutura. Temos que encorajar as empresas a fazer esse upgrade organizacional na produção.
De que forma? Tirando a tributação sobre o investimento?
Temos que iniciar o debate uma vez que ele não existe. A mudança no ambiente regulatório ajuda de forma importante o aumento da produtividade, ao impactar justamente o investimento nos setores, sem consumir nenhum centavo do espaço fiscal. Mudanças apenas regulatórias não consomem nada do fiscal e tornam o investimento mais fluido, tanto na parte da infraestrutura, como na de investimento. Com maior produtividade, melhor ambiente organizacional, focado nas novas tecnologias, podemos ter potencial de crescimento maior. Mas, para este ano, a estimativa é de expansão de 1%. E, no ano que vem, de 2%.
"Considerando que há melhora nas intenções de investimento e na percepção de clima econômico, com as mudanças que estamos fazendo para criar fluidez regulatória, a retomada deve ser no primeiro semestre de 2017"
"O debate vai mostrar que a proposta de reforma de Previdência que o governo mandou é realmente a que deve ser aprovada. Está exatamente do tamanho do ajuste fiscal que precisamos fazer"
"Com maior produtividade, melhor ambiente organizacional, focado nas novas tecnologias, podemos ter potencial de crescimento maior. Mas, para este ano, a estimativa é de expansão de 1%. E, no ano que vem, de 2%"